Pobreza menstrual: mulheres no DF revelam dificuldades para ter acesso a absorventes gratuitos

Agência Brasil / Absorvente

Por Aline Miranda e Laís Tenório
Agência de Notícias Ceub

A menstruação desceu de forma inesperada. O sangue chegou sem avisar e manchou a roupa.

“O sangue escorreu pelas minhas pernas, e a única coisa que eu tinha era um pedaço de pano”.

O relato é de um momento de desconforto que Simone Silvana de 32 anos sofreu aos 15 anos de idade  por não ter acesso a absorventes.

O episódio relatado por Simone na adolescência é a realidade que muitas mulheres enfrentam por não ter acesso a absorventes.

A ONU estima que pelo menos 500 milhões o número global de meninas e mulheres não dispõem de instalações para ter higiene menstrual adequada.

Segundo definição adotada pelo UNICEF, a pobreza menstrual é caracterizada pela dificuldade ou impossibilidade de adquirir itens de higiene adequados durante o período menstrual, algo que pode impactar negativamente a saúde, educação e qualidade de vida das pessoas afetadas.

O que diz a lei 

Facilitar o acesso a absorventes é um dos objetivos da lei  n° 14.214, sancionada em 8 de março de 2023, que classifica a distribuição de absorventes como um direito garantido para mulheres e meninas.

Relatora do projeto de lei sobre o tema no Senado, a senadora Zenaide Maia (PSD-RN) afirma que a pobreza menstrual é uma realidade que precisa ser  combatida.

“Uma em cada quatro meninas faltam às aulas por não ter acesso a absorventes”, comenta. O projeto que originou a lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi apresentado em 2021 pela ex-deputada federal Marília Arraes (Solidariedade-PE).

A distribuição dos absorventes é feita por meio das farmácias credenciadas no programa Farmácia Popular e pelas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), mediante inscrição prévia no Cadastro Único, que identifica as famílias de baixa renda.  

Dificuldades de acesso 

Apesar do programa ter como objetivo atender e realizar a distribuição de absorventes para milhões de mulheres, o sistema de cadastro tem gerado frustrações e dificultado o acesso a esse direito. 

A estudante Mireia Vitória, de 28 anos, tem tido dificuldades para acessar o aplicativo de cadastro. “É a quarta vez que coloco meu email e senha, mas não consigo passar dessa fase. Está complicado, porque isto já não é de agora”, relata. 

A professora de Direito Constitucional Christine Peter explica que o programa beneficia pessoas de baixa renda.

“São pessoas beneficiárias deste programa as de baixa renda, matriculadas em escolas, mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema, aquelas recolhidas em unidades do sistema prisional e aquelas que se encontram em cumprimento de medidas socioeducativas”, resume a advogada. 

Segundo informações do Ministério da Saúde, para realizar o seu cadastro no Cadastro Único (CadÚnico), é preciso ir a um dos postos de atendimento do Cadastro Único ou acessar o aplicativo Meu SUS Digital.  

Segundo a professora, o programa envolve, além da distribuição de absorventes, uma conscientização e um treinamento dos profissionais de saúde para atender meninas e mulheres que menstruam.

Em cartilha o Ministério da Saúde informa a quantidade de absorventes distribuídos. 

A quantidade de absorventes disponibilizados é de 40 unidades para utilizar durante dois ciclos menstruais,ou seja, a cada período de 56 dias. Em caso de a beneficiária necessitar de mais absorventes a Farmácia Popular poderá dispensar pacotes com menos de 40 unidades para completar a quantidade, desde que não ultrapasse o limite de 40.

Nem todo absorvente é igual

A ginecologista Marcelle Thimoty afirma que o absorvente menstrual deve ser adequado para cada mulher, respeitando todas as individualidades. A médica ressalta que mulheres e meninas possuem diferentes fluxos menstruais.

A especialista diz que é importante pensar em tamanhos distintos de absorventes, para que todas as mulheres e meninas possam ser beneficiadas igualmente. “Para uma paciente que menstrua pouco, um absorvente pequeno é suficiente”. 

A médica explica que em alguns casos, pela quantidade de fluxo extremo, é necessário o uso de fraldas. “Para pacientes com fluxo menstrual muito forte, inclusive caracterizado por hemorragias, com saída de coágulos, geralmente, elas têm que usar absorventes grandes, chamados de noturnos, ou até mesmo fraldas para conter esse fluxo menstrual”, comenta. 

“Não adianta pensar só em uma política pública”

A psicanalista, psicóloga e educadora menstrual Francielle Alves pesquisa questões relacionadas à pobreza menstrual há nove anos. Ela destaca que não basta apenas a distribuição de absorventes.

“Pessoas em situação de rua têm um duplo problema, que é a questão da calcinha. Para você usar um absorvente, você vai precisar de calcinha”, diz.

Foto: Arquivo pessoal 

 Foto: Arquivo pessoal. (Projeto voltado à dignidade menstrual desenvolvido pela psicanalista)

Para Julia Valladão, assistente social e voluntária no projeto Formas da Rua, deve-se pensar em como este benefício vai abraçar a todas igualmente.

Ela conta que no período em que trabalhou em uma unidade de saúde recebeu reclamações  de mulheres que foram pegar absorventes e receberam um protetor diário. “Um absorvente desse não dá para nada”, afirma.
                                  

                                   Foto: Arquivo pessoal 

Mulheres em situação de vulnerabilidade enfrentam dificuldades ao acessar o benefício

A funcionária da Ouvidoria-Geral do SUS, Yasmim Carvalho, relata como é feito o acesso ao benefício “Dignidade Menstrual” para mulheres em situação de rua.

Ela explica que a retirada pode ser feita nas unidades básicas de saúde, em locais de atendimento que prestam auxílio a atenção básica primária, centros de saúde e atendimento ou centros como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)  ou  Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS). 

Em caso de uma mulher nessas condições solicitar o benefício, sem possuir cadastro, a funcionária explica que  estas mulheres devem ser direcionadas para o CRAS para serem informadas de como acessar este benefício. 

Segundo Júlia, muitas moradoras em situação de rua não sabem que têm direito ao benefício ou como solicitá-lo. “Muitas vezes essas moradoras de rua nem tentam acessar o direito. Não por não saberem que existe, mas porque não aguentam mais receber um não”, explica. O projeto Formas da Rua trabalha com atendimento a populações em situação de vulnerabilidade do setor comercial Sul.

Supervisão de Vivaldo de Sousa e Luiz Claudio Ferreira

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