Endividadas, prefeituras apontam “herança maldita” deixada por gestões anteriores

Com menos de duas semanas da nova gestão neste, os prefeitos eleitos em 2024 pelejam para tentar organizar as contas de seus municípios e a arcar com os compromissos básicos para o funcionamento da máquina, tais quais o pagamento da folha, de fornecedores e investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura. No entanto, os novos gestores de cidades protagonistas da economia goiana alegam um cenário de caos financeiro deixado pela gestão anterior, resumido por valores irrisórios deixados em caixa e uma dívida exorbitante, chegando na casa dos bilhões, como é o caso de Goiânia.

Como efeito direto da “herança maldita” e os números deficitários agora (quase) consolidados – números esses que começaram a tomar forma e a provocar pesadelos nas novas gestões ainda durante a etapa de transição – os recém-empossados gestores têm promovido um verdadeiro “expurgo” de gastos considerados supérfluos, com cortes radicais em diversas áreas, do número de comissionados e contratos e até fornecimento de transporte e combustível para membros da administração pública.

Com o relatório final da equipe de transição finalizado e apresentado, Goiânia é um dos municípios que se encaixam nesse cenário de “pós-guerra”. Conforme com o documento, a dívida total do Paço Municipal deixada pela gestão de Rogério Cruz, hoje, é de R$ 3,4 bilhões – incluindo o déficit do Instituto Municipal de Assistência à Saúde (Imas) e da Companhia Municipal de Urbanização (Comurg). O próprio prefeito Sandro Mabel (UB) destacou que, apesar de as autarquias terem autonomia administrativa e financeira, em caso débito com fornecedores e déficit nas contas, a gestão municipal é responsável por quitar as despesas.

Na ocasião da apresentação do relatório, que aconteceu na última semana, o controlador-geral do Município, Juliano Gomes Bezerra, adiantou que os valores apresentados poderiam oscilar para mais ou para menos. Contudo, ante o cenário ainda em revisão pela equipe econômica de Mabel, a tendência é que o montante da dívida seja consideravelmente maior do que o recebido. A hipótese foi confirmada pelo próprio secretário municipal da Fazenda, de Valdivino de Oliveira, que não descartou as chances de a dívida chegar na casa dos R$ 3,6 bilhões.

“Sempre que aparece um fato que não está no relatório, há a possibilidade de ampliar esse déficit”, afirmou, citando, ainda, a possibilidade de pedir, na Câmara Municipal de Goiânia, a revisão do Plano Plurianual, o PPA, documento com vigência de quatro anos que traz as diretrizes, objetivos e metas de médio prazo da administração pública.

Para Valdivino Oliveira, dívida da Prefeitura pode aumentar. Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

“Nós podemos seguir esse caminho. Com o orçamento publicado, agora vamos verificar se ele está adequado ao PPA e também se as diretrizes estão compatíveis. Se houver divergência aí nós temos que encaminhar um projeto de lei para a Câmara e compatibilizar os três instrumentos”, destacou.

Essa tática, inclusive, foi adotada por outro município que alega estar, hoje, em uma batalha feroz contra o cenário de dívidas deixado pelo prefeito anterior. Também em entrevista ao Jornal Opção, o secretário municipal da Fazenda de Aparecida de Goiânia, Carlos Eduardo de Paula Rodrigues, confirmou que a atual gestão, liderada pelo emedebista Leandro Vilela – que derrotou Professor Alcides, candidato do PL que se aliou ao ex-prefeito Vilmar Mariano na corrida à Prefeitura de Aparecida – enviou ao Legislativo Municipal proposta de revisão do PPA e também do Orçamento.

Ainda segundo o secretário, as dívidas deixadas pela gestão de Vilmarzinho já giram em torno de R$ 425 milhões. “Cada dia que abrimos um armário, encontramos um ‘cadáver’ novo. Nos deparamos recentemente com um arquivo da prefeitura com 29 processos de pagamento que estavam engavetados. De fornecedor à devolução de recursos de compensação, tudo o que se pode imaginar que está na esfera da ação financeira de um Município. Em cada armário que está relacionado às áreas de processamento, de empenho, de pagamentos, cada dia em que mexemos encontramos mais ‘esqueletos’, que são os processos que estavam lá dormindo”, descreveu, à reportagem.

Carlos Eduardo critica o fato de, conforme ele, o ex-prefeito ter deixado de pagar a folha de dezembro do funcionalismo para quitar as pendências com fornecedores. Segundo a atual gestão, Vilmarzinho preferiu pagar R$ 135 milhões para alguns fornecedores no último mês de mandato em vez de quitar a folha. “Nós tivemos, ao longo do mês de dezembro, por todos os órgãos da prefeitura, um total de pagamentos de R$ 179,2 milhões, sendo 100 milhões só com o Tesouro. Nesse montante, 43 milhões de reais foi o pagamento do décimo terceiro, que foi para pessoal. Ainda sobra. Daria para pagar o líquido da folha de dezembro, de 40 milhões, e ainda sobraria 95 milhões para outros pagamentos. A Prefeitura optou por pagar fornecedor e deixou a folha sem pagar”, disse.

Secretário de Fazenda de Aparecida de Goiânia, Carlos Eduardo de Paula Rodrigues | Foto: Rodrigo Estrela/Reprodução

O valor encontrado em caixa teria sido de apenas R$ 9 milhões. “Encontrei cinco milhões na conta da Caixa e quatro milhões e pouco na conta do Banco do Brasil”.

O secretário da Fazenda ressaltou ainda que a arrecadação de janeiro não é suficiente para pagar todas a folha e os encargos, inclusive a folha de janeiro, uma vez que arrecadação do mês atual costuma ser “a pior do ano”. “Só há alguma melhora a partir de 31 de março, quando começam os recebimentos do IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano] e o ITU [Imposto Territorial Urbano]. Nós atravessamos um momento muito delicado no que tange às receitas. As despesas do exercício anterior, não provisionadas financeiramente, superam em muito as arrecadações dos meses de janeiro e fevereiro”, pontuou.

Em reunião com dirigentes do SindSaúde, Sintego, Sindicato da Guarda Civil e dos Servidores Públicos na última quinta-feira, 9, para reverter um indicativo de greve, o prefeito Leandro Vilela garantiu empenho para o pagamento dos salários. “É prioridade total da nossa gestão quitar a folha dos servidores”, disse.

A cidade de Anápolis, com cerca de 400 mil habitantes – uma das maiores de Goiás – é outra cuja nova gestão se empenha em garantir o equilíbrio das contas públicas. Em entrevista à reportagem em dezembro passado, o prefeito Márcio Correa afirmou que parcelas de empréstimos contraídos pela gestão de Roberto Naves começariam a cair na conta da Prefeitura de Anápolis a partir deste mês de janeiro, e os cálculos na equipe de transição, ainda naquela época, apontavam um déficit do Município de cerca de R$ 80 milhões. Cortes e austeridade.

Segundo o prefeito, na ocasião, várias áreas estavam derrubando o empenho [de pagamento], para não pagarem os prestadores de serviço e entregarem as contas equilibradas. Para Correa, “essa camuflagem contábil” não desenhava um número claro da dívida para a atual gestão.

Márcio Correa, prefeito de Anápolis | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção

Procurada sobre o tamanho da dívida consolidade hoje, a Prefeitura de Anápolis informou que a “equipe econômica ainda não finalizou o cálculo”.

O quadro de “herança maldita” parece estar presente também em municípios menores, como é o caso de Niquelândia, que tem 35 mil habitantes. O prefeito Eduardo Moreira (Novo), que antes da posse estimava encontrar algo em torno de R$ 3 milhões nas contas do município, afirma ter se deparado com irrisórios R$ 36,9 mil. “Tivemos acesso às primeiras contas bancárias do Banco do Brasil e muitas estavam sem saldo ou praticamente zeradas”, disse o prefeito.

Ainda segundo Moreira, em entrevista recente ao Jornal Opção, o munícipio se viu obrigado a elaborar um decreto de calamidade para a saúde municipal de Niquelândia. “A nossa situação é crítica, tanto de material quanto financeira”.

Cortes e austeridade

Desde o final do ano passado, quando os vencedores do pleito municipal foram confirmados e teve início o trabalho da equipe de transição, vários gestores, ao se depararem com os primeiros números referentes à dívida que pegariam ao assumir a gestão, que uma série de ações de austeridade seriam postas em prática como forma de conter gastos e reequilibrar as contas. Sandro Mabel, Leandro Vilela e Márcio Correa foram alguns desses.

No início deste mês, Mabel, prefeito de Goiânia, publicou uma série de decretos – incluindo dois que determinam a calamidade financeira e de saúde do Município, e que devem passar pelo crivo do Legislativo – com efeitos voltados para o enxugamento de gastos e contenção de despesas. As medidas englobam desde a revisão e renegociação de contratos vigentes do Paço Municipal até a suspensão de horas extras dos servidores e novas diretrizes para gestão da frota municipal, além de ajustes administrativos como o recadastramento de servidores ativos e inativos.

Leia também: Prefeitura de Goiânia estabelece procedimentos para que credores recebam dívidas

O prefeito de Goiânia também decretou a suspensão dos pagamentos das despesas referentes ao exercício de 2024 e anteriores, com o objetivo de uma reavaliação geral por parte da Secretaria da Fazenda. estabeleceu 11 procedimentos obrigatórios para que credores se habilitem a receber pagamentos de dívidas municipais. Segundo o decreto, a Secretaria Municipal da Fazenda terá 30 dias para avaliar a situação financeira do Tesouro Municipal, apresentar uma proposta de pagamento e retomar os pagamentos com suporte financeiro, respeitando a ordem cronológica prevista na legislação.

Quanto aos comissionados, a intenção da gestão municipal é promover um corte de ao menos 50% de pessoal. “Eles já foram todos exonerados e, 50% deles, estão em processo de serem nomeados novamente. Metade não será nomeada, ao menos por enquanto. Não vou dizer que não voltarão jamais, mas, neste momento de corte de gastos, nos primeiros seis meses, 50% não voltarão”, declarou o secretário Valdivino de Oliveira.

Assim como em Goiânia, o clima em Aparecida de Goiânia é de cortes e economia. A gestão aparecidense, que começou com 3.800 servidores comissionados, deve promover um corte de ao menos 30% nesse número. Ou seja, servidores que já haviam sido exonerados e não serão reconduzidos ao cargo. A Prefeitura aparecidense também promove uma revisão dos cerca de 800 contratos em vigência no município. De acordo com o secretário municipal da Fazenda, Carlos Eduardo de Paula Rodrigues, eles estão sendo analisados “um a um”.

Os cortes afetam praticamente todas as áreas, garante o secretário. “Não há carro, combustível, diária para nenhum secretário. É um regime de contenção, austeridade. O que for desnecessário, será rescindido”, afirmou. A estimativa da economia feita com as medidas, no entanto, poderá ser calculada somente em dois meses, de acordo com Carlos Eduardo.

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