Recomendada pela OMS, autotransfusão de sangue é opção mais segura para pacientes cirúrgicos

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LAIZ MENEZES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda o uso do próprio sangue do paciente, por meio da autotransfusão, como uma alternativa mais segura em cirurgias. O método evita inflamações associadas a transfusões tradicionais, reduz o tempo de internação e diminui o risco de mortalidade. Apesar dos benefícios, a prática ainda não é amplamente divulgada no Brasil.

A autotransfusão em cirurgias é realizada por meio de um procedimento conhecido como PBM (Patient Blood Management), ou gerenciamento de sangue do paciente. Trata-se de uma abordagem terapêutica que busca reduzir ou eliminar a necessidade de transfusões.

O PBM é estruturado em três pilares principais. Um deles é o uso de máquinas especializadas durante cirurgias que envolvem grande perda de sangue, como transplantes ou procedimentos decorrentes de traumas graves. Essas máquinas coletam, processam e reinfundem o sangue perdido pelo paciente durante a operação.

“A máquina faz a coleta do sangue perdido durante a cirurgia. Esse sangue é processado para remover componentes indesejados, como coágulos e resíduos cirúrgicos. As células vermelhas são então concentradas e reinfundidas no paciente”, explica Isabel Cristina Céspedes, responsável pela implementação do PBM no Hospital São Paulo, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Além disso, o PBM inclui a detecção e o manejo de condições como anemia e deficiência de ferro antes da cirurgia, garantindo que o paciente esteja em melhores condições para o procedimento. Após a operação, a técnica reduz a necessidade de reposição de sangue de terceiros.

A OMS enfatizou, em recomendação de 2021, a urgência de implementar o gerenciamento de sangue do paciente em escala global. Segundo a organização, crises sanitárias, como a pandemia de Covid, reforçam a necessidade de alternativas como o PBM. Durante períodos de distanciamento social e restrições, o número de doações de sangue pode cair drasticamente, comprometendo o atendimento em emergências.

Outro fator apontado pela OMS é o envelhecimento populacional, que eleva a demanda por transfusões devido à maior incidência de doenças crônicas. Ao mesmo tempo, a disponibilidade de doadores tende a diminuir, já que pessoas acima de 69 anos não podem doar sangue.

Segundo Céspedes, a autotransfusão é especialmente benéfica para pacientes mais fragilizados. “Quando uma pessoa recebe sangue de outra, o corpo pode reagir com inflamações e alterações no sistema imunológico, pois são células estranhas inseridas no organismo. A autotransfusão reduz esse impacto”, explica.

Ela reforça, no entanto, que a doação de sangue ainda é essencial para salvar vidas, principalmente porque o PBM não é amplamente utilizado. Em cirurgias eletivas com grande risco de sangramento, é obrigatório ter uma reserva de sangue, mas os bancos de sangue nem sempre conseguem atender toda a população.

A assistente administrativa Maria Raquel Bernardes, 53, passou por um transplante de fígado no Hospital São Paulo e foi beneficiada pela autotransfusão. Diagnosticada no início de 2024 com uma doença hepática policística –condição genética rara que provoca o surgimento de múltiplos cistos no fígado–, ela precisou de um transplante após o agravamento da doença.

“Eu fiquei aliviada em saber que estava passando por um procedimento com o uso do meu próprio sangue, porque era uma cirurgia muito complexa e já teria um outro órgão dentro de mim”, conta Maria Raquel.

Ela foi operada no dia 10 de janeiro e, três dias depois, saiu da UTI (Unidade de Terapia Intensiva) para o quarto, onde se recupera. A alta está prevista para este domingo (19).

Segundo a diretora clínica do Hospital São Paulo, Jaquelina Ota Arakaki, a recuperação de Maria Raquel tem sido rápida, em parte graças ao PBM. Contudo, a médica afirma que ainda não há dados consolidados sobre o impacto do procedimento no hospital, que implementou a técnica em 2019.

“Nós usamos a autotransfusão em toda cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea, onde a perda sanguínea é significativa. Também usamos em transplantes hepáticos. Isso reduz nossa dependência de bolsas de sangue. E não há contraindicações para o uso, mas usamos quando há possibilidade de perda de duas bolsas de sangue [uma tem 450ml]”, explica Arakaki.

O Hospital São Paulo, um dos primeiros do país a adotar o PBM, dispõe de duas máquinas para autotransfusão, alugadas ao custo de R$ 3.700 cada. De acordo com a Politec Saúde, empresa que comercializa o equipamento no Brasil, cerca de 100 hospitais públicos e privados já utilizam a técnica no país.

O governo de São Paulo iniciou, em setembro de 2024, uma comissão interdisciplinar de gerenciamento do sangue do paciente para expandir a adoção do PBM. A Secretaria de Saúde do Estado informa que a autotransfusão intraoperatória já é aplicada em cirurgias cardiovasculares, urológicas e transplantes de órgãos sólidos, como fígado, rim e coração.

No Ceará, o Centro de Hematologia e Hemoterapia oferece o serviço de recuperação intraoperatória de sangue para hospitais que realizam grandes cirurgias. A advogada Emanuelle Nobre, 38, realizou autotransfusão no estado após um grave acidente de carro e teve uma recuperação mais rápida.

“Eu perdi muito sangue, estava debilitada e precisei de oito bolsas de sangue. Depois dessa fase inicial, fiz outras cirurgias de recuperação com autotransfusão. Foi mais tranquilo, fiquei menos tempo no hospital e corri menos risco de infecções”, relata Emanuelle.

Em nível nacional, o Ministério da Saúde informa que a autotransfusão, também chamada de transfusão autóloga, é uma técnica realizada em serviços de hemoterapia, na qual o paciente doa sangue para uso próprio em cirurgias que exigem transfusões.

Já a recuperação de sangue durante cirurgias é uma técnica que ainda não está incluída na Tabela de Procedimentos do SUS (Sistema Único de Saúde). Sua incorporação depende de avaliação da Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados, vinculada à Secretaria de Atenção Especializada em Saúde.

O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde

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