Congelamento de despesas é teste para Haddad dar choque de credibilidade fiscal

lula haddad

ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afastar a adoção de novas medidas fiscais, o anúncio de um congelamento robusto de despesas na largada do Orçamento deste ano se transformou na principal aposta para o governo tentar reconstruir a confiança dos investidores na sustentabilidade das contas públicas.

Mesmo antes da votação do Orçamento de 2025, a área econômica já discute a estratégia e tem sido aconselhada a começar o ano com um aperto maior, mirando o centro da meta de déficit zero —o contrário do que foi feito no ano passado.

Integrantes da JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado que reúne os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Esther Dweck (Gestão e Inovação), têm a preocupação em dar sinais que permitam baixar o dólar, segundo pessoas a par das discussões ouvidas pela Folha.

Especialistas em contas públicas apontam que o grande teste para Haddad será conseguir espaço político para fazer um congelamento de despesas que seja capaz de dar um sinal forte, já que o pacote de medidas de contenção de gastos foi considerado insuficiente.

Nesse cenário, o momento da abertura do espaço adicional de despesas, conforme previsto na lei do arcabouço fiscal, passou a ser uma peça fundamental da gestão orçamentária. É que a aceleração da inflação, na reta final de 2024, vai proporcionar ao governo um aumento adicional de R$ 12,44 bilhões no limite de gastos, que poderá ser incorporado ao longo de 2025.

O problema é que o uso do espaço extra depende de receitas suficientes para cumprir a meta fiscal, que é de déficit zero. Se fizer um contingenciamento de despesas agora no início do ano para cumprir a meta fiscal, apontando falta de receitas, o governo não poderia fazer esse crédito orçamentário.

A abertura do crédito poderá vir depois, a depender da fotografia que a JEO tiver do andamento do resultado primário das contas do governo, segundo um participante das reuniões do colegiado de ministros.

Em 2024, ano de eleições municipais, o governo optou em não mirar o centro da meta fiscal e apertou o cinto das despesas no segundo semestre. Agora, a estratégia terá que ser diferente para ajudar o trabalho do Banco Central no controle da inflação e afastar o risco de um ciclo mais longo de alta de juros, admite um ministro de Lula.

Haddad já sinalizou em declarações recentes que vai calibrar a gestão do Orçamento de acordo com a desaceleração do ritmo de crescimento da economia. Além da necessidade de acomodar despesas que ficaram de fora do Orçamento, há incerteza com o risco de frustração da arrecadação num cenário de desaceleração econômica puxada pela alta dos juros.

Algumas receitas que ajudaram a reforçar o caixa em 2024 podem também não se repetir neste ano. Haddad tampouco conseguiu aprovar no Congresso projeto que previa arrecadar mais R$ 21 bilhões neste ano com a maior tributação sobre empresas, e as medidas para compensar a desoneração da folha de salários não estão rendendo o esperado.

“O que o ministro Haddad tinha para fazer de medidas, ele tentou. Agora no segundo tempo do jogo [do mandato presidencial] é muito mais complicado você conseguir aprovar coisas relevantes”, diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.

Para ele, a gestão tradicional do orçamento, do contingenciamento e do bloqueio de despesas vai se tornar mais importante neste ano como instrumento para Haddad entregar um resultado fiscal razoável. Em recente relatório sobre política fiscal, Salto e sua equipe projetam a necessidade de um contingenciamento de R$ 35 bilhões.

Um corte dessa magnitude levaria as despesas discricionárias (custeio e investimentos) a um valor nominal semelhante ao observado em 2023 e 2024, e superior ao dos anos de 2020 a 2022, no governo Bolsonaro. A avaliação é que uma contenção de despesas nessa magnitude não causaria prejuízo para o funcionamento da máquina pública.

Além disso, ressalta Salto, um corte de R$ 35 bilhões não estaria infringindo o dispositivo da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que exige que o congelamento observe a regra de crescimento real de 0,6% das despesas, o piso do arcabouço fiscal. Para atender a LDO, o corte máximo seria de R$ 41,7 bilhões.

Sem a peça aprovada, o governo está executando o orçamento com base da chamada regra do duodécimo (1/12 avos) por mês do que tem para custear a máquina pública. Mas pode apertar mais o cinto das despesas elevando o valor para um patamar de 1/18 avos. Técnicos da área econômica afirmam que, na prática, alguns ministérios já estão executando 1/24 avos, com um aperto maior.

A JEO, no entanto, está fazendo as contas e estuda editar um novo decreto para garantir uma execução das despesas menor neste inicio do ano.

Para Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Intelligence e pesquisador-associado do FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), o contingenciamento vai ser a grande peça para a reconstrução da credibilidade fiscal.

“Não há dúvida que ela está no chão, abalada”, diz.

De acordo com ele, o contigenciamento e o bloqueio são o principal evento fiscal que pode impactar as expectativas agora no começo desse ano.

Na sua avaliação, uma conta de partida seria a necessidade de R$ 30 bilhões de contingenciamento, olhando só pelo lado da receita. Ele ressalta que a forma de regulamentação das medidas do pacote será importante para calibrar a necessidade do ajuste fiscal deste ano.

ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO

O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).

Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.

Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio.

Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.

Na prática, porém, o efeito acaba sendo o mesmo: o congelamento de recursos disponibilizados aos ministérios.

Como funciona o bloqueio

O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de Saúde e Educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).

Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio nas discricionárias para garantir que haverá espaço suficiente dentro do Orçamento para honrar todas as obrigações.

Como funciona o contingenciamento

O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas.

Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.

Pode haver situação de bloqueio e contingenciamento juntos?

Sim. Não é este o cenário atual, mas é possível que, numa situação hipotética de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Neste caso, o impacto sobre as despesas discricionárias seria a soma dos dois valores.

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