Bancos dizem a Lula que, sem teto de juros no consignado privado, podem atuar sem garantia do FGTS

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O setor financeiro afirmou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião no Palácio do Planalto na última quinta-feira, 29, que pode atuar sem a garantia do FGTS caso o governo não estabeleça um teto de juros na remodelagem do crédito privado consignado. O pleito consta em um documento apresentado pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) a Lula e à equipe econômica, ao qual o Estadão teve acesso.

Procurada, a entidade confirmou a veracidade do texto. Já os ministérios da Fazenda e do Trabalho e Emprego (MTE) não quiseram comentar.

O governo prepara um novo modelo de consignado privado no qual os bancos terão acesso às informações dos trabalhadores por meio da plataforma e-Social, não precisando mais ser dependentes de convênios feitos empresa a empresa para emprestar. Com isso, os trabalhadores poderão receber ofertas de várias instituições, porque haverá mais competição, enquanto os bancos terão acesso a uma base maior de clientes.

O teto de juros é a principal preocupação dos bancos – tanto público quanto privados – com as mudanças, porque temem que o governo siga o mesmo modelo do consignado para aposentados do INSS e servidores públicos, que hoje possuem um teto de juros de 1,8% ao mês.

O entendimento das instituições financeiras é de que o mercado de trabalho formal privado tem outra modelagem de risco e que o teto poderia afastar do acesso ao crédito justamente as parcelas da população que mais precisam.

“Caso venha a ser implementado o teto, há risco de os bancos não terem apetite para conceder o novo consignado a trabalhadores de menor renda, de primeiro emprego e com vínculo com empregadores de menor porte ou de maior rotatividade”, afirma a Febraban.

A entidade complementa que, com o teto, seria necessário ter a garantia do FGTS. “No caso de teto de juros, a garantia do FGTS será fundamental para expandir a oferta ao público de maior risco ou rotatividade. Sem teto de juros, os bancos poderiam atuar sem a garantia do FGTS”, dizem.

Auxiliares de Lula nos bancos estatais almejam que a taxa desta nova linha de crédito fique próxima à do consignado do setor público. Eles são contra o teto de juros, mas entendem que o saldo FGTS possa ser dado como garantia a fim de contribuir para que os juros fiquem abaixo de 2% ao mês.

O governo vê resistência dos bancos em usar o FGTS como garantia, uma vez que os recursos são os mesmos utilizados para a linha do saque-aniversário, operação de crédito que ganhou popularidade nos últimos anos e é lucrativa para os bancos. A linha, no entanto, está na mira do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que deseja acabar com a modalidade.

Uma solução intermediária que vem sendo debatida entre o setor financeiro e o governo seria limitar o número de anos que poderiam ser antecipados como garantia do empréstimo.

O saque aniversário permite que os trabalhadores formais possam sacar, uma vez por ano, uma parcela do saldo que possuem no FGTS. A antecipação do saque, por sua vez, é uma modalidade de empréstimo concedida pelos bancos, que antecipam os recursos por meio de cobrança de juros e tendo o saque como garantia. Hoje, há bancos fornecendo linhas com até dez anos de antecipação de saque.

A reunião da última quinta-feira, no entanto, não tratou do FGTS. Além do presidente Lula, o encontro contou com o presidente da Febraban, Isaac Sidney, com CEOs de bancos privados, públicos, além de Marinho e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

“Nós vamos ter uma ferramenta muito eficiente para permitir a famílias que hoje não têm acesso ao crédito barato, um mecanismo que hoje só está disponível para aposentados e servidores públicos ou daquelas poucas empresas que têm convênios com os bancos para os seus trabalhadores especificamente”, afirmou Haddad após a reunião.

Acesso pelo aplicativo dos bancos

A Febraban também fez outros dois pedidos considerados como determinantes para o sucesso da remodelagem do consignado privado.

Primeiro, que a plataforma do e-Social, a ser criada pela Fazenda, para que os bancos tenham acesso às informações dos trabalhadores, possa ser acessada diretamente pelos aplicativos dos bancos. Há o receio de que os clientes simplesmente desistam de completar o processo por terem de entrar em um site do governo. Além disso, há a preocupação com links falsos que possam levar a um aumento de crimes e fraudes.

“Além da plataforma e-Social, poderia ser ofertada também nos canais próprios das instituições financeiras, uma vez que são os principais canais de oferta de crédito e já possuem jornadas bastante evoluídas para atender clientes e evitar fraudes”, diz a Febraban.

Segundo, que ocorra um período de transição, para que as instituições financeiras consigam migrar clientes que hoje estão com dívidas caras para as novas linhas de consignado.

“Regra de transição: para viabilizar a migração da carteira atual do crédito consignado privado para o novo modelo, a fim de evitar concessão em duplicidade/endividamento acima do permitido legalmente (30%)”, completa o texto.

Consignado privado não decola

Segundo a apresentação da Febraban, o crédito consignado privado tem um saldo total de apenas R$ 40 bilhões no País – muito abaixo do consignado para o setor público, de R$ 365 bilhões, e para aposentados e pensionistas do INSS, de R$ 270 bilhões.

Hoje, segundo a apresentação, há R$ 83 bilhões de estoque de crédito pessoal contratado por pessoas físicas empregadas e que não tem garantia do consignado. Esse é o montante inicial que poderia migrar para o consignado. Se por um lado não representaria “crédito novo”, por outro, tornaria mais barato o custo para os clientes e o risco de inadimplência para os bancos.

Portanto, a conta apresentada pela Febraban, de aumento do crédito consignado privado de R$ 40 bilhões para R$ 120 bilhões, é considerada “conservadora” e leva em conta apenas essa migração.

A inadimplência do consignado do INSS é de apenas 1,6%, e a dos servidores do setor público, de 2,2% –consideradas baixas pela Febraban. Já a do consignado do setor privado atual salta para 7,4%, avaliada como alta.

A remodelagem do produto poderia diminuir o risco de inadimplência, melhorando a carteira dos bancos e a composição de renda das famílias.

Quatro pontos da Febraban

Veja abaixo os quatro pontos considerados determinantes pela Febraban para destravar o crédito consignado privado:

  • Integração da plataforma que será criada pelo governo para operacionalizar as linhas com os aplicativos dos bancos, sem que o cliente precise acessar outro site. Há receio de risco de fraudes e que isso dificulte o acesso.
  • Não implementação de um teto para taxa de juros das linhas, como acontece com o consignado do INSS e dos servidores públicos federais.
  • Em caso de teto de juros, que haja o uso do saldo do FGTS como garantia, para quitar empréstimos, em caso de demissão. Hoje, já é permitido uso de 10% do saldo e de 100% da multa.
  • Implementação de regras de transição, para que os bancos consigam migrar clientes que estão hoje no crédito pessoal comum para o crédito consignado.

Estadão Conteúdo

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