Cinco anos após a repatriação de Wuhan, brasileiros contam como recomeçaram a vida

LAIZ MENEZES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Há cinco anos, um grupo de 34 brasileiros e familiares vindos da China chegou à Base Aérea de Anápolis (GO) para cumprir quarentena devido a uma possível exposição a uma nova forma de coronavírus, que até aquele momento era desconhecido e não tinha nenhum caso confirmado no Brasil.

“Minha vida mudou drasticamente de rumo, interrompendo de repente minha carreira”, diz o piloto de avião Mauro Hart, 64, um dos brasileiros que estavam em Wuhan, epicentro da pandemia da Covid-19, que foram repatriados em 9 de fevereiro de 2020.

Pouco depois, no dia 25 do mesmo mês, o Brasil registrou o primeiro caso de Covid-19, um paciente vindo da Itália. Com isso, o país se tornou o primeiro da América Latina com um caso confirmado da nova doença, que, à época, havia matado 2.708 pessoas no mundo.

Os brasileiros que estavam em Wuhan deixaram Anápolis às 11h40 do dia 23 de fevereiro, após 15 dias de quarentena, e seguiram para nove estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Pará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Distrito Federal.

Mauro Hart se estabeleceu em Parnamirim (RN) desde então e escreveu dois livros sobre sua experiência.

Ficou desempregado por pouco mais de um ano ao chegar ao Brasil, sendo acolhido por familiares até conseguir um novo emprego.

“Foi um tsunami na minha vida e na vida de milhares de colegas pilotos e de outras pessoas. Muitos perderam tudo, inclusive entes queridos vitimados pela pandemia”, relata.

Antes da emergência sanitária, Mauro trabalhava há cinco anos na China como comandante de jatos comerciais para uma empresa de Wuhan. O contrato não foi renovado depois da repatriação e, por isso, não voltou ao país. Além do alívio por ter saído de uma área de risco, ele destaca a frustração de ter que cancelar planos de vida.

“Pairava a incerteza. O vírus não dava trégua, havia restrições de mobilidade no mundo inteiro. Foi um período de instabilidade emocional. Inevitavelmente, essa sensação de insegurança se refletiu no nosso cotidiano. Como iria ser daqui para frente? Como vou suprir minha família sem um emprego?”, relembra.

O ilustrador Pablo Lassalle, 49, também vivenciou momentos de angústia. Ele estava no Brasil quando Wuhan foi fechada, mas sua esposa, a chinesa Zhang Hui, 38, e a filha brasileira do casal, então com um ano, estavam de passagem pela cidade.

Pablo foi morar na China em 2011, quando conheceu a esposa. Passaram sete anos em Wuhan. Em 2018, no entanto, mudaram para o Brasil e a filha nasceu em solo brasileiro. No segundo semestre de 2019, Zhang foi com a bebê para visitar os familiares.

“Elas passaram três meses em Wuhan, mas a cidade foi fechada faltando dois dias para o retorno delas ao Brasil. Já estava tudo certo, passagem comprada. Eu ia buscá-las em São Paulo e a gente ia passar umas semanas na praia”, relata.

Com medo do que poderia acontecer, Zhang relatou ao marido que viu pessoas tentando fugir de Wuhan. “Quando soube que elas iriam retornar foi um alívio. Mas passamos uma semana em desespero, em crise de ansiedade”, lembra Pablo. A repatriação só ocorreu após a inclusão da filha na lista de brasileiros resgatados.

Durante a pandemia, a família morou em Santa Catarina e não foi contaminada pelo vírus. Em agosto de 2023, decidiram voltar para Wuhan. Segundo Pablo, a mudança ocorreu porque Zhang não conseguiu se adaptar ao Brasil e o casal queria que a filha tivesse acesso à educação chinesa.

Pablo também conta que passou por um período de muita preocupação, antes da confirmação do voo de repatriação. Isso porque, inicialmente, o então presidente Jair Bolsonaro havia dito que o governo não tinha intenção de buscar o grupo. A mudança ocorreu após a divulgação de um vídeo em que os brasileiros pediam pelo retorno.

Mauro e Pablo relatam que a assistência do governo brasileiro se limitou ao transporte até o Brasil e à viagem de retorno aos estados de origem.

A advogada especialista em relações internacionais Talita Fermanian explica que o país não possui programas estabelecidos para reintegração de repatriados.

“A ajuda, quando existe, vem de familiares ou organizações não governamentais. Em emergências de saúde, pode haver suporte temporário, como transporte ou assistência consular, mas nada garantido”, afirma.

Além dos brasileiros repatriados, a quarentena em Anápolis contou com 24 integrantes da equipe de apoio. Entre eles estava a infectologista Ho Yeh Li, do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), que acompanhou a missão.

Ela relata que o medo do vírus era tão grande que os funcionários no trajeto evitavam contato com a aeronave. “As pessoas não queriam nem reabastecer o avião, o que atrasou a viagem”, conta.

O voo da FAB (Força Aérea Brasileira) durou 50 horas e decolou no dia 7 de fevereiro de 2020. No avião, no entanto, o clima era de alívio. “Os passageiros estavam gratos e aliviados por sair da China. Em Anápolis, foram bem acolhidos, com boa comida e atividades de lazer”, relembra a médica.

CINCO ANOS DA COVID-19

Documentos do Centro Provincial de Controle e Prevenção de Doenças de Hubei indicam que a China ocultou informações sobre o avanço da doença e cometeu erros de gestão.

“No início, o governo local minimizou o risco do contágio e as consequências do vírus”, afirma Mauro Hart. “Diziam que não havia perigo e que tudo estava sob controle. De repente, medidas drásticas foram tomadas, pegando a população de surpresa, com a paralisação do transporte público e o fechamento do aeroporto.”

O primeiro caso de Covid-19 foi notificado pela China à OMS (Organização Mundial da Saúde) em 31 de dezembro de 2019, descrito como uma “pneumonia de origem desconhecida”. Duas semanas depois, o novo coronavírus foi identificado. Nos últimos cinco anos, a doença causou 7 milhões de mortes no mundo.

No dia 27 de janeiro deste ano, a China rejeitou a hipótese de que a pandemia de Covid-19 foi iniciada por um vazamento de laboratório de pesquisa em Wuhan. O posicionamento foi feito após a CIA (Agência Central de Inteligência) dos Estados Unidos dizer que considera essa a hipótese mais provável para a origem da crise sanitária.

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