Igreja São Francisco: tragédia acende alerta para cuidados com patrimônio histórico da Bahia

A tragédia após a queda do forro do teto da Ordem 1ª de São Francisco de Assis, localizada no Largo do Cruzeiro de São Francisco, no Pelourinho, no Centro Histórico de Salvador, na última quarta-feira, 5, não pode ser revertida, mas há ações e cuidados que podem ser adotados para evitar que situações como essa se repitam.

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A turista Giulia Panchoni Righetto, 26 anos, natural de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, morreu no acidente, e outras cinco pessoas ficaram feridas, após serem atingidas pelos escombros. Uma delas já teve alta depois de passar por atendimento no Hospital Santa Izabel, no bairro de Nazaré.Uma semana após o acidente, o portal A TARDE ouviu especialistas em patrimônio histórico e personagens que vivem diariamente a rotina do Centro Histórico da capital baiana, com o intuito de compreender a relevância da Igreja de São Francisco para a cultura baiana e os próximos passos da investigação criminal, que está sendo conduzida pelas polícias Civil e Federal.Uma equipe da Polícia Técnica esteve no local para iniciar o processo de coleta de materiais, com o objetivo de embasar o trabalho de análise técnica e, assim, precisar as causas do acidente. O vice-presidente do CREA-BA, André Tavares, e o presidente do Iphan, Leandro Grass, em entrevista a A TARDE, comentaram a tragédia.
Ver essa foto no Instagram Uma publicação compartilhada por A TARDE (@atardeoficial)O projeto “Casarões”, idealizado pela Defesa Civil de Salvador (Codesal), já vistoriou e fez o mapeamento geográfico de 2.969 imóveis, entre casarões e igrejas. De acordo com informações da pasta, destes mais de dois mil, cerca de 109 encontram-se em risco muito alto; 342, alto; 1.656, médio; 677, baixo e 185, sem risco.Dentro desse contexto, o advogado especialista em direito imobiliário e patrimônio histórico, Diego Fernandez, explicou que será feita uma análise para esclarecer de quem é a responsabilidade criminal e o que, de fato, causou o acidente. Ele destacou ainda que o processo criminal deve ser conduzido prioritariamente, para que só depois sejam instaurados possíveis processos cíveis e administrativos, a depender da conclusão do inquérito elaborado pela Polícia Civil.Fernandez detalhou ainda que é necessário entender se houve homicídio culposo ou lesão corporal e, além disso, elucidar se houve crime contra o patrimônio público. Sobre as famílias atingidas na tragédia, o advogado pontuou que é possível ingressar com uma ação para requerer indenizações.O professor e arquiteto Antônio Carlos Barbosa fez duras críticas ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão responsável pela conservação dos imóveis tombados em todo o Brasil, incluindo a Igreja de São Francisco. “É um órgão político que deveria ser técnico, fundado na década de 30. […] Infelizmente, o patrimônio histórico não é valorizado e se perde a cada dia, cada vez mais”, observou.Barbosa afirmou ainda que o Iphan carece de recursos, mas frisou que essa tragédia no Pelourinho poderia ter sido evitada, se houvesse a devida conservação e manutenção preventiva. “As coisas não caem de uma hora para outra. Algum sinal, algum sintoma, algum aviso físico deve ter sido dado”, acrescentou.

Veja como ficou interior da igreja após forro do teto ceder

|  Foto: Divulgação | Codesal

Relevância cultural e histórica da Igreja de São FranciscoSalvador, a primeira capital do Brasil, tem uma importância histórica e cultural no cenário nacional, e seu Centro Histórico reflete muito sobre o processo de construção e evolução da sociedade brasileira. A Igreja de São Francisco marca a presença dos portugueses e representa uma das mais altas expressões do barroco.Diante disso, o Portal A TARDE ouviu especialistas que detalharam como esse equipamento está inserido no cenário histórico e cultural da Bahia e do Brasil, além de reforçar a necessidade de conservação do imóvel enquanto representação da história brasileira.O historiador Vitor Porto explicou que a igreja foi construída no século XVII e registra a presença dos portugueses no Brasil. “Ela traz como uma de suas características o barroco. O barroco é o movimento do exagero, da opulência, e isso é justificado pelo ouro no interior dessa igreja. Mas não só isso, você também tem os azulejos, as pedras lusitanas, que marcam justamente a presença portuguesa no Brasil”. “A Igreja de São Francisco representa um marco artístico, histórico e temporal da presença portuguesa no Brasil. Sem dúvida nenhuma, ela é um legado não só da presença portuguesa, mas atualmente dos baianos, dos soteropolitanos, que registram muito mais na igreja do que sua fé”, pontuou o professor.Ele acrescentou ainda que a tragédia evidencia “o descaso e o descuido das autoridades responsáveis na manutenção desses aparelhos arquitetônicos, artísticos e históricos para a nossa cidade.” Ele reforçou: “Nossa cidade é história viva o tempo inteiro, seja nas nossas ruas ou nas páginas dos livros.”O museólogo e idealizador da Odú Imersão Cultural, Eldon Neves, também frisou que a igreja representa muito mais do que um marco da cultura baiana, mas a identidade cultural do Brasil.

Eldon Neves, museólogo

|  Foto: Divulgação

“Une influências indígenas, africanas e europeias em sua arquitetura e ornamentação. Reconhecida como uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo, destaca-se como uma das mais impressionantes expressões do barroco fora da Europa. Sua beleza e importância histórica atraem visitantes de diversas partes do mundo, tornando-a um espaço de contemplação e aprendizado sobre o passado colonial do Brasil e a grandiosidade da arte barroca.”Neves citou países europeus que possuem protocolos rígidos de conservação do patrimônio histórico para ressaltar que essa tragédia na Igreja de São Francisco poderia ter sido evitada. “O Brasil, de maneira geral, e a Bahia, em particular, enfrentam sérios desafios na aplicação das diretrizes de políticas patrimoniais, tratando com descaso muitos dos bens tombados que deveriam ser salvaguardados”. “Diversos países, como Itália, França e Portugal, adotam protocolos rígidos baseados em documentos internacionais, como a Carta de Veneza (1964) e a Carta de Burra (1979), que estabelecem diretrizes para a conservação e restauração do patrimônio histórico. No Brasil, a Carta de Brasília (1995) reforça a necessidade de ações integradas entre poder público e sociedade civil para garantir a preservação desses bens”, completou o museólogo. A guia de turismo Sayuri Koshima fez uma análise do ponto de vista da visitação de turistas e, na visão dela, a tragédia não deve impactar significativamente o turismo em Salvador, já que o Centro Histórico possui diversas igrejas.

Sayuri Koshima, guia turística,

|  Foto: Divulgação

“Qualquer equipamento de relevância dentro do Centro Histórico de Salvador tem um impacto, mas, ao mesmo tempo, Salvador é um patrimônio da humanidade. O Centro Histórico de Salvador é tombado pelo Iphan e pelo Ipac, e nós temos vários monumentos além da Igreja de São Francisco. Temos a Catedral, a Igreja do Rosário dos Pretos… Então, há um protagonismo dentro da história negra”, disse.Koshima lamentou a tragédia, mas relembrou outros desastres recentes, como o desabamento de um casarão na Baixa dos Sapateiros e de parte de um prédio no Taboão. Para ela, é preciso acender um alerta sobre a conservação do patrimônio histórico de Salvador.

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