Trump herda maior gasto militar dos EUA após a 2ª Guerra

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IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, herdou de Joe Biden o maior gasto militar da história de seu país desde que lutou na Segunda Guerra Mundial, de 1941 a 1945. Washington chegou próximo da casa simbólica do US$ 1 trilhão no ano passado.


O valor equivale a 39,4% do dispêndio global com defesa, que segue em alta: em 2024, o mundo aplicou US$ 2,46 trilhões no setor, 7,4% a mais do que em 2023. O ritmo americano deve continuar neste ano, pelas previsões disponíveis. “O gasto mundial segue alto”, disse o diretor-geral do instituto, Bastian Giegerich.


Os valores astronômicos foram aferidos pelo IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, na sigla inglesa), instituição britânica que há 66 anos publica seu anuário Balanço Militar, a bíblia das Forças Armadas do mundo.


Os US$ 968 bilhões americanos, ou R$ 5,6 trilhões, são numericamente semelhantes ao gasto militar médio anual dos EUA na Segunda Guerra Mundial, em valores corrigidos. Mas é incomparável o escopo da empreitada: lá, a despesa chegou a 37,5% do PIB em 1945, enquanto agora se manteve estável, em 3,39%.


Na Guerra Fria, os valores nominais corrigidos nunca chegaram perto do trilhão, oscilando entre 5% e 10% do PIB, com um pico de 15% em 1952, na Guerra da Coreia.


O gasto hoje é tão grande que, em um dia, equivale a quase o dobro do investimento anual em projetos militares do Brasil, ou todo o programa educacional Pé de Meia, com R$ 2,8 bilhões de sobra. Em oito, supera o orçamento recorde da cidade de São Paulo para 2025.


O IISS mostra que, a exemplo de 2023, o mundo segue no patamar mais alto de despesa militar desde o último conflito global. O ritmo do aumento do gasto, contudo, arrefeceu um pouco, caindo de 9% no período anterior para 7,4% agora. De todo modo, em 2022 o planeta aplicava 1,59% de seu PIB no setor, e agora investe 1,94%.


O mundo está em imerso em conflitos, puxados pela violência no Leste Europeu e no Oriente Médio, alterando o cenário no ranking dos 15 maiores orçamentos militares. O balanço do IISS joga luz sobre o caso europeu, um dos pontos nevrálgicos da política externa de Donald Trump.


Nos últimos dez anos, os 30 países europeus da Otan, aliança liderada pelos EUA e integrada também pelo Canadá, aumentaram em 50% seu gasto militar em termos reais, a maior expansão desde a Guerra Fria. Em 2024, a usualmente morosa Alemanha, alvo histórico de pressão de Trump, elevou em 23,2% sua despesa e só ficou atrás dos americanos no quesito.


Berlim passou de sétimo para quarto lugar no ranking de maiores orçamentos do mundo, com US$ 86 bilhões, ficando atrás apenas dos “big 3”: EUA, China e Rússia. A Polônia e seu gasto de 51% do orçamento militar com armas novas pulou de 20ª em 2021 para 15ª no ranking mundial de gastos, com US$ 28,5 bilhões.


A má notícia para os europeus, que veem o republicano pedir que gastem irrealistas 5% de seu PIB com defesa, é que a Rússia de Vladimir Putin chega a seu terceiro ano de invasão na Ucrânia com todo o vapor em sua máquina de guerra.


Segundo o IISS, Moscou aumentou em 41,6% seu gasto militar em 2024, chegando a 6,7% do PIB, o maior nível desde os 13% da corrida armamentista que ajudou a enterrar a União Soviética ao longo dos anos 1980. Em 2022, primeiro ano da guerra, eram já altos 4,3%.


Com isso, segue atrás de EUA e da China, que marca US$ 235 bilhões, ocupando terceiro lugar do ranking com US$ 145,9 bilhões. Mas, ao aplicar o critério PPP (Paridade de Poder de Compra), no qual sua mão de obra abundante e indústria militar estabelecida, o valor real de sua despesa equivale a US$ 461,6 bilhões, equivalente ao volume chinês sob a mesma régua.


Com isso, supera os US$ 442 bilhões gastos pela Otan europeia. Além disso, o IISS mudou o tom em relação ao ano passado e considera que Putin conseguiu estabelecer um ritmo de reposição de tropas e equipamentos, com um mãozinha da Coreia do Norte e do Irã, que pode o manter na ofensiva em 2025.


Por outro lado, o Kremlin perdeu estimados 1.400 tanques só em 2024, diz o IISS. Na guerra, foram 4.100 desses blindados, por ora compensados por mais produção e estoques. Antes da guerra, havia uma frota moderna de 3.387; hoje são 2.730. “Se continuar no ritmo atual de atrito, não haverá tanques para grandes ofensivas em 2026”, disse Giegerich.


A situação de Kiev é descrita de forma sombria pelo IISS. O instituto considera que o maior problema agora dos ucranianos, o que levou a ficarem na defensiva desde 2024, é a falta de pessoal: os pesquisadores estimam um déficit de até 100 mil homens. Suas forças têm 730 mil militares, ante 209 mil pré-guerra.


O país aparece empatado com os poloneses na 15ª posição do ranking, mas seu gasto depende de ajuda externa.


Apesar de gastar mais, o IISS nota que a Europa já sente o peso da reação à ameaça russa, percebida inicialmente quando Putin tomou a Crimeia sem dar um tiro, em 2014. Naquele ano, só 3 dos então 28 membros do clube gastavam mais do que 2% de seu PIB com militares, a meta oficial.


Agora, são 24 de 32, mas com muita desigualdade orçamentária. “O crescimento contínuo será desafiador”, diz o texto. Atender ao pedido de Trump dobraria o gasto, e mesmo a ideia de elevar para 3% do PIB já somaria mais US$ 250 bilhões à fatura europeia, diz o IISS. “Isso é inalcançável”, afirma o instituto.


Relativamente longe da bagunça na Europa e no Oriente Médio, a China tem aumentado paulatinamente seus gastos, focando em purgar a corrupção do setor. Seu orçamento de defesa é de US$ 235 bilhões, nominalmente pouco mais do que um quinto do que do Washington.


Em outra mudança no cenários geral, as guerras de Israel na esteira do 7 de Outubro fizeram o Estado judeu dar um salto de mais de 20% nos seus gastos, entrando no 13º posto do ranking (US$ 33,7 bilhões, 10% disso em ajuda americana).


O total empregado em defesa no mundo supera um pouco o PIB estimado do Brasil em 2024, ou pouco mais da metade de tudo o que governos gastam em educação no planeta por ano, US$ 4,3 trilhões, segundo o Banco Mundial.


O Brasil caiu de 14º para 17º no ranking do IISS, aplicando pouco mais de 1% do PIB em defesa, com apontados US$ 25,6 bilhões de despesas.


Aqui é exposta a grande dificuldade dos pesquisadores, que lidam com critérios diversos e a tradicional opacidade no trato do tema em 170 países. No Brasil, quase 80% do gasto militar é com pessoal, e 60% disso vai para inativos, usualmente fora de outras contabilidades.

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