Por que o etanol brasileiro entrou na mira de Trump e como o governo pretende negociar com os EUA

cana

A citação explícita da Casa Branca ao etanol brasileiro como exemplo de falta de tratamento recíproco mostra o foco dos Estados Unidos no biocombustível do Brasil, avaliam integrantes do governo. Pessoas que acompanham as tratativas relataram ao Estadão/Broadcast que se surpreenderam com a menção direta, mas observaram haver espaço para negociar com o governo americano quanto a barreiras comerciais e tarifárias. A “surpresa” se deve em parte ao fato de o Brasil ser deficitário na balança comercial com os EUA. O Executivo, no entanto, já esperava a pressão de Donald Trump sobre o etanol brasileiro.

Há anos, os produtores e fabricantes dos Estados Unidos pressionam o Brasil pela redução da tarifa de importação aplicada sobre o produto norte-americano, hoje de 18%, e reclamam de acesso restrito do biocombustível ao mercado brasileiro.

A ofensiva foi reforçada em 6 de fevereiro, quando, durante audiência no Senado americano, o indicado por Trump ao cargo de representante comercial do país (USTR, na sigla em inglês), Jamieson Greer, foi questionado sobre a tarifa de 18% das exportações americanas de etanol ao Brasil e respondeu que o assunto estava no topo de sua lista de prioridades.

Após o anúncio das medidas de reciprocidade, nesta quinta-feira, 13, a Associação de Combustíveis Renováveis (RFA, na sigla em inglês), que representa a indústria de etanol nos Estados Unidos, agradeceu Trump “por seu compromisso em restabelecer uma relação comercial justa e recíproca para o etanol entre os Estados Unidos e o Brasil”.

“Há quase uma década, temos gastado tempo e recursos preciosos combatendo um regime tarifário injusto e injustificado imposto pelo governo brasileiro às importações de etanol dos EUA”, disse no comunicado o presidente e CEO da RFA, Geoff Cooper. “O mais irônico é que essas barreiras tarifárias foram erguidas contra o etanol americano enquanto nosso país tem aceitado — e até incentivado — importações de etanol do Brasil.”

O recado foi dado, diz integrante do governo brasileiro
O tema já estava no radar do governo brasileiro. Como mostrou o Estadão/Broadcast mais cedo, a avaliação que corre nos bastidores é de que a redução tarifária era uma pauta permanente dos Estados Unidos, embora não houvesse até então novos sinais do governo americano em relação ao combustível. O Executivo monitorava a potencial ameaça quanto a produtos brasileiros. Agora, o recado foi dado, explica um integrante do governo que vinha acompanhando o assunto.

Na “fact sheet” (a ficha técnica com dados sobre a media) divulgado pela Casa Branca sobre a ordem executiva assinada por Trump para impor tarifas recíprocas a países que cobram taxas de importações sobre produtos norte-americanos, o chamado “Plano Justo e Recíproco”, o governo americano cita diretamente o etanol.

“Há inúmeros exemplos em que nossos parceiros comerciais não dão tratamento recíproco aos Estados Unidos. A tarifa dos EUA sobre o etanol é de apenas 2,5%. No entanto, o Brasil cobra uma tarifa de 18% sobre as exportações de etanol dos EUA. Como resultado, em 2024 os EUA importaram mais de US$ 200 milhões em etanol do Brasil, enquanto os EUA exportaram apenas US$ 52 milhões em etanol para o Brasil”, afirma a Casa Branca no documento. O Brasil é citado nesse “fact sheet” apenas em relação ao comércio de etanol.

Embora Trump alegue que o Brasil cobre caro de produtos americanos, integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva vêm tentando contrapor essa ideia, já que, para o Brasil, as trocas revelam uma realidade diferente das médias tarifárias.

Apesar de o País impor um imposto de importação médio de 11,2% sobre os produtos que chegam de fora — enquanto nos EUA esse nível é de 3,3% —, o que desembarca dos americanos aqui é com frequência tributado abaixo da média ou sem nenhum imposto em função do perfil das compras.

Além disso, citam que produtos relevantes para o Brasil no mercado americano têm tarifas muito altas, como é o caso do açúcar, carne bovina, carne de aves, suco de laranja, frutas, óleo de soja, tabaco e cachaça.

Adoção não imediata traz alívio para os negociadores

Integrantes do governo também viram com bons olhos o fato de as tarifas não serem adotadas imediatamente — elas serão estudadas em 180 dias. Esse prazo, segundo pessoas ligadas ao tema, deve permitir “sentar à mesa” com as autoridades americanas.

A reportagem apurou que a indústria sucroenergética nacional procurou ministérios do governo ao longo desta semana, mostrando preocupação com uma eventual reciprocidade dos Estados Unidos sobre o etanol de cana-de-açúcar brasileiro.

A tarifa cobrada pelo Brasil sobre etanol importado foi zerada no governo Bolsonaro em 2022 e retomada no governo Lula. O tema vinha sendo discutido entre as autoridades comerciais no último ano, mas o Brasil pede como contrapartida à redução tarifária o aumento do acesso do açúcar brasileiro ao mercado norte-americano, hoje limitado a uma cota estipulada anualmente.

A indústria sucroenergética local pede ao governo uma “decisão equilibrada” sobre o tema. A entrada em maior volume de etanol americano preocupa sobretudo as usinas do Nordeste.

No Brasil, o etanol é feito principalmente à base de cana-de-açúcar, enquanto nos Estados Unidos o biocombustível é fabricado sobretudo a partir do milho. Nos EUA, a indústria local de etanol consome mais de um terço da safra doméstica do cereal.

Em 2024, o Brasil exportou aos Estados Unidos US$ 181,828 milhões em etanol, produto vendido sobretudo para a Califórnia. O país se tornou o segundo principal destino do biocombustível brasileiro. Já as exportações do etanol americano ao Brasil somaram US$ 50,530 milhões, segundo dados do Agrostat — sistema de estatísticas de comércio exterior do agronegócio brasileiro.

Segundo a entidade que representa a indústria de etanol nos Estados Unidos (a RFA), como resultado das tarifas aplicadas nos últimos anos pelo Brasil, as exportações americanas de etanol para cá praticamente desapareceram, tendo caído de 489 milhões de galões (1,85 bilhão de litros) em 2018, com um valor de US$ 761 milhões, para apenas 28 milhões de galões (106 milhões de litros) em 2024, avaliados em US$ 53 milhões.

Entidades esperam reação ao ‘retrocesso’ nos EUA

Em nota conjunta, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA) e a Bioenergia Brasil, “principais entidades representativas do setor no Brasil”, disseram esperar que “os Estados americanos e a indústria local comprometidos com o combate à mudança do clima trabalhem para impedir esse retrocesso proposto pelo governo”.

As entidades “lamentam que o etanol tenha sido incluído no Memorando de Tarifas Recíprocas, anunciado pelo presidente americano, Donald Trump”, que “pretende colocar no mesmo patamar o etanol produzido no Brasil e nos Estados Unidos, embora possuam atributos ambientais e potencial de descarbonização diferentes, e portanto não faz sentido falar em reciprocidade”.

Afirmaram ainda que, “se a medida se confirmar, será mais um passo dos Estados Unidos rumo ao abandono à rota de combate à mudança do clima”.

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