Brasileiros usam estratégias da época da hiperinflação para driblar escalada do preço dos alimentos

supermercados dia 8

Apesar de o presidente Lula ter sugerido para a população que não compre alimentos que estejam muito caros para conter a inflação, na prática, os brasileiros já estão “escolados” para driblar a disparada de preços da comida.

Com a experiência adquirida durante a época da hiperinflação e o acesso facilitado à informação pela internet, que permite a rápida circulação de promoções, os consumidores estão adotando uma abordagem mais racional nas compras para enfrentar o atual surto inflacionário. Eles têm combinado várias estratégias para conseguir levar para casa os alimentos básicos.

“Hoje é difícil identificar no consumidor um comportamento único”, afirma Gabriel Fagundes, líder para pesquisas sobre a indústria da consultoria NielsenIQ.

Em outras épocas de disparada de preços da comida, as reações eram mais homogêneas, observa. Havia consumidores que optavam por fazer compras nos atacarejos, outros que escolhiam marcas mais baratas e tinha aqueles que davam preferência para embalagens menores.

Agora todas essas ferramentas estão sendo usadas simultaneamente. O mesmo consumidor, por exemplo, compra embalagens grandes para determinados itens e menores para outros, diz Fagundes. O que pesa na hora da compra é a relação custo/benefício.

A mesma lógica vale na escolha do local de compra. No final do ano passado, 37% dos domicílios frequentavam todos os canais. Isto é, compravam em supermercados, hipermercados, atacarejos, farmácias e perfumarias, aponta pesquisa da consultoria NielsenIQ. Esse resultado é 3,3 pontos porcentuais maior do que no mesmo período de 2023. “Nunca houve tanta mixagem de canais de compras”, afirma o especialista.

A relações-públicas Fernanda Watfe, de 61 anos, por exemplo, além da feira, frequenta semanalmente três estabelecimentos para comprar alimentos: um atacarejo, um supermercado e um hipermercado. “Não sou fiel a nenhum (estabelecimento)”, afirma. A estratégia é comprar aos poucos, aproveitando as promoções.

Aliás, a compra de alimentos em atacarejos tem ganhado força. De acordo com pesquisa feita pela consultoria Neogrid, de cada cem notas fiscais emitidas em dezembro do ano passado nos atacarejos, 87,8% tinham algum item alimentício, ante 83,1% em janeiro de 2024. É um aumento de 4,7 pontos porcentuais.

Essa é a maior taxa de crescimento na compra de alimentos comparada a outros canais de vendas. Isto é, o pequeno varejo de autosserviço, supermercados e hipermercados, na mesma base de comparação.

Além disso, o valor médio das compras em atacarejos, considerando notas fiscais que incluem alimentos, registrou um aumento de 31,8% no período. “As oportunidades nos atacarejos são melhores por causa do preço menor”, afirma Anna Carolina Fercher, coordenadora de atendimento ao cliente e dados estratégicos da Neogrid.

Redimensionamento das embalagens

Do lado das indústrias, Anna Carolina observa haver um movimento de redimensionamento do tamanho das embalagens. O objetivo é reduzir impacto do repasse da alta de custos para os preços e garantir a venda por conta do desembolso menor, além de atender a demanda das famílias que diminuíram de tamanho. “Hoje temos pacote de feijão de 400 gramas que não tínhamos há um ano.”

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas, a indústria de alimentos faz o que o consumidor pede. Há pessoas que querem comprar embalagem menor porque o desembolso é menor e há aqueles que optam por embalagens maiores porque sabem que a eficiência do custo será melhor. “A indústria de alimentos segue os dois caminhos.”

A representante autônoma Neuza Yano, de 63 anos, é uma das consumidoras que optaram pela redução no tamanho da embalagem. No lugar do pé de alface a granel, ela passou a comprar o pacote pequeno de salada verde já desinfetada e pronta para consumo. A troca ocorreu para reduzir o desperdício, diante da alta de preços.

“Hoje já compro só uma embalagem, que é cara, mas eu sei que vou usar tudo”, diz Neuza. Antes comprava a verdura, desinfetava e não consumia a totalidade, porque a quantidade era muito grande e o produto acabava estragando.

A representante autônoma diz está muito mais racional nas compras. “Antes comprava um monte, cozinhava, não comia tudo nem congelava”, citando o exemplo da carne bovina, um produto que, nos últimos meses, tem sido um dos vilões da inflação ao lado do café.

A estratégia de buscar vários canais de vendas e optar ora por embalagens grandes ora por pequenas, dependendo do produto e das vantagens, também se repete no caso das marcas. Em crises passadas, o que se via era o consumidor optando por marcas mais baratas. Atualmente, um mesmo domicílio compra marcas caras e baratas, diz Fagundes.

Levantamento feito pela NielsenIQ mostra que as marcas destacadas no atual contexto de consumo com inflação alta são as que estão nos extremos: as mais caras e as mais baratas. “Os polos performam 50% melhor do que as marcas do meio, que são as que estão sofrendo mais”, diz Fagundes.

Apesar da inflação em alta, o aposentado Celso Rafael da Silva, de 73 anos, por exemplo, não compra marcas desconhecidas. “Não abro mão da qualidade”, afirma. Para manter os produtos conhecidos na despensa, ele visita vários canais de vendas, faz pesquisa de preço e sabe os dias de promoção de cada loja.

Isso mostra que, mesmo num cenário inflacionário, não é só o desconto pelo desconto que funciona na hora da compra, mas a reputação da marca. Se a indústria entregar um produto diferenciado com uma boa relação custo/benefício, isso é considerado pelo consumidor, observa Gabriel Fagundes, da NielsenIQ.

Apesar de complexo, o quadro atual de preços pressionados abre novos caminhos para as indústrias se desenvolverem. “Se a demanda fosse só por preço e marcas baratas, a conta não fecharia para indústria”, diz o executivo da NielsenIQ.

Reflexos em preços

Essa nova forma de comprar, resultado do repertório adquirido pelo consumidor de outros períodos de inflação alta e das facilidades do mundo online, tem reflexos no custo da cesta de alimentos básicos, na análise de Anna Carolina, da Neogrid. “Acredito que essa redução (do gasto) está ligada a uma nova adequação do perfil de compra.”

De dezembro para janeiro, por exemplo, a Cesta de Consumo Neogrid & FGV Ibre, que monitora preços extraídos de 40 milhões de notas fiscais emitidas por mês, isto é, de compras efetivamente realizadas, mostra que o valor desembolsado na compra de 22 alimentos básicos em 8 capitais, registrou queda de preços em cinco delas. Só as cestas de São Paulo (SP), Belo Horizonte(MG) e de Curitiba (PR) encareceram no período, com altas de 2,9%, 2,7% e 4,5%, respectivamente.

É um quadro diferente do registrado seis meses atrás. Quando se compara os valores das cestas de alimentos básicos de janeiro de 2025 em relação a agosto de 2024, havia alta em 7 das 8 capitais pesquisadas. A única capital que tinha queda no valor da cesta era o Rio de Janeiro, com recuo de 3,8%.

Entre os itens básicos que compõem a cesta estão o açúcar, arroz, bovinos, café em pó e em grão, farinha de mandioca, feijão, frango, frutas, fubá e farinha de milho, legumes, leite UHT, manteiga, margarina, massas alimentícias secas, óleo, ovos, pão e suínos.

Essa desaceleração do ritmo de alta dos alimentos também já foi captada por outras pesquisas. No Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do País, a alimentação no domicílio subiu 1,07% em janeiro, após ter aumentado 1,17% em dezembro. Pelo mesmo indicador, a alimentação no domicílio acumula em 12 meses até janeiro alta de 7,46%, depois de ter aumentado 8,23% até dezembro.

Os dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) também confirmam a desaceleração de preços. Pelo quinto mês seguido, em janeiro o indicador Abras Mercado, que mede a variação de preços nos supermercados, subiu 0,78% em relação ao mês anterior. Esse resultado está abaixo do de dezembro (1,82%) e de novembro (3,02%), na mesma base de comparação.

O preço médio da cesta de 35 produtos de largo consumo, que inclui alimentos e produtos de higiene e limpeza, passou de R$ 794,56 em dezembro para R$ 800,75 em janeiro, na média nacional, informa entidade.

Estadão Conteúdo

Adicionar aos favoritos o Link permanente.