Brasil intensifica busca por estrangeiros para plano ecológico com Trump fora do acordo do clima

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ADRIANA FERNANDES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Após a retirada dos Estados Unidos do Acordo do clima de Paris, o governo brasileiro vai intensificar a busca por investidores estrangeiros para os principais projetos do Plano de Transformação Ecológica liderado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

A agenda internacional de roadshows para apresentar as oportunidades de investimentos com a aprovação dos principais marcos regulatórios será reforçada, nos próximos meses, para países da Europa, Ásia, Oriente Médio e também para os Estados Unidos, sobretudo a Califórnia.

Um dos novos focos de atração dos estrangeiros é a implantação de grandes datas centers para atender a demanda dos modelos de IA (Inteligência Artificial). A avaliação de técnicos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é que a suspensão dos desembolsos pelo presidente Donald Trump da IRA (Lei de Redução da Inflação, na sigla em inglês), que impacta os subsídios governamentais para projetos verdes, pode acabar favorecendo o Brasil.

Aprovada pelo Congresso americano em 2022 durante o governo Joe Biden, a lei é considerada um marco no combate à crise climática ao disponibilizar bilhões de dólares em financiamento para projetos de construção e manufatura de energia limpa.

Se por um lado a lei americana tem o lado positivo de colocar os investimentos verdes como um elemento central dos financiamentos, por outro contou com um forte componente nacionalista ao exigir que toda a produção fosse feita nos Estados Unidos para a concessão dos incentivos. Regra que esbarrava em áreas em que o Brasil é concorrente dos americanos.

Um exemplo é o hidrogênio verde, o chamado combustível do futuro que pode ser usado para abastecer veículos, armazenar energia e produzir fertilizantes. As condições climáticas favoráveis à geração de energia solar e eólica colocam o Brasil no centro do debate do combustível do futuro.

Além do hidrogênio verde, o Brasil compete com os americanos em outros recursos renováveis e os grandes data centers, que exigem grandes quantidades de energia para a IA. No caso de minerais críticos (essenciais para setores estratégicos, como tecnologia, defesa e transição energética com oferta dependente de poucos fornecedores), a competição não é direta com os EUA, mas todos os países estão em busca de fornecedores confiáveis. O Brasil é um deles.

O desafio é garantir que o país não seja mero exportador de minerais sem agregação de valor no país.

Por isso, incentivos da lei IRA foram desenhados para estimular a transformação mineral em território americano, ou seja, as etapas subsequentes da cadeia de produção. Neste caso, existe competição com o Brasil, que almeja reforçar essas etapas da cadeia.

“Nenhum lugar do mundo tem a disponibilidade de energia de baixo carbono que o Brasil tem para ampliar muito a produção em um período curto de tempo para abastecer os data centers”, diz à reportagem Rafael Dubeux, secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, que está à frente da coordenação técnica do Plano de Transformação Ecológica. Ele cita que estudos apontam que o Brasil tem o hidrogênio verde, de baixo carbono, mais barato do mundo.

Segundo Dubeux, o mundo vai usar petróleo e gás natural para abastecer os grandes data centers, mas no Brasil será possível usar a energia eólica com custo menor do que nos outros países. “Toda vez que a gente apresenta isso nos outros países, ficam surpresos com a disponibilidade que o Brasil tem para ampliar a geração eólica e solar nos próximos anos a um preço competitivo. Nenhum outro país tem”, ressalta.

Dubeux avalia que tanto o hidrogênio verde como os data centers são duas demandas de energia que virão forte nos próximos anos e que só o Brasil conseguirá ofertar no curto prazo.

Técnicos do governo já estão trabalhando numa proposta de projeto de lei para criar uma política específica de atração para que esses grandes data centers sejam instalados no Brasil. A regulamentação visa trazer segurança jurídica aos investidores que quiserem colocar dinheiro nessa área no país.

Um dos principais pontos em discussão é quais serão as regras de tarifa de importação, de acordo com técnicos ouvidos pela reportagem. A razão é que uma parte relevante do data center depende da importação de chip, item com grande peso no custo do projeto. A ideia é casar essa tarifação da importação com outras soluções que possam ser produzidas no Brasil. Hoje, não há regra.

“Não há dúvida de que a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris impacta e desacelera de alguma maneira o esforço global de descarbonização. De outro lado, a saída nem de longe para o processo no mundo”, avalia Dubeux.

O Brasil seguirá com a meta de net zero (compromisso para que a quantidade de gases de efeito estufa emitidos seja igual à quantidade removida da atmosfera) ocorra em 2050. O presidente Lula, inclusive, já propôs aos países do G-20 que a meta seja antecipada.

Para Dubeux, os americanos perdem a oportunidade de exercer a liderança que poderiam exercer nessa área. “Estão abrindo mão, de certa maneira, de uma liderança nessas tecnologias novas. Mas o movimento segue, porque além de as mudanças climáticas estarem cada vez mais evidentes, a dinâmica comercial e tecnológica está fazendo com que a descarbonização ocorra”, prevê.

O secretário de Haddad cita ao menos quatro leis que serão impulsionadoras da atração: o mercado regulado de carbono, o marco legal do hidrogênio de baixo carbono, a regulação das eólicas no mar (offshore), o programa Mover de mobilidade verde e o Eco Invest Brasil -programa com quatro linhas de crédito para atrair capital estrangeiro. Ele admite que, no Brasil, ainda falta uma comunicação mais ampla que aponte a dimensão global do arcabouço legal aprovado.

Na avaliação do secretário, o arcabouço legal que sustenta o plano de transformação e se junta à reforma tributária aprovada com itens voltados para sustentabilidade, tem chamado a atenção mundial.

Para a nova rodada de promoção internacional do plano, o governo vai ampliar os projetos incluídos na BIP, uma plataforma recém-criada de investimentos climáticos e para a transformação ecológica. Ela funciona como uma espécie de tinder de aproximação do investidor com os projetos de interesse do governo. Hoje, a BIP tem 10 projetos que somados alcançam investimentos de cerca de R$ 70 bilhões.

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