Cid e militares contestam em depoimentos teor de reunião de oficiais denunciada pela PGR

mauro cid bolsonaro 27945962 (1)

CÉZAR FEITOZA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A PGR (Procuradoria-Geral da República) denunciou seis oficiais do Exército que participaram de uma reunião em novembro de 2022 na qual, segundo a acusação, foram elaboradas estratégias para pressionar os chefes militares a apoiarem um golpe de Estado.

A versão apresentada pela PGR é contestada pelo tenente-coronel Mauro Cid e pelos militares que participaram do encontro. Diante do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), o delator reafirmou o argumento de que a reunião não tramava conspirações.

“Eu gostaria de caracterizar essa reunião como conversa de bar. Bate-papo de bar. Ninguém apresentou documento, ninguém sentou para organizar [a pressão contra os comandantes militares]”, disse Cid.

O encontro ocorreu na noite de 28 de novembro de 2022 no salão de festas do prédio em que morava o coronel Márcio Nunes de Resende Júnior, em Brasília. Era uma segunda-feira, dia que marcava o início das reuniões do Alto Comando do Exército naquela semana, quando a cúpula do Exército se encontrava na capital federal.

Mauro Cid disse, em depoimento à Polícia Federal, que militares com formação nas Forças Especiais se encontravam com frequência mensal em Brasília para confraternizar. Como os kids pretos que assessoravam generais do Alto Comando viajaram a Brasília naquela semana, decidiu-se, segundo Cid, marcar um encontro dos antigos colegas.

A conversa durou cerca de três horas. Os militares denunciados tentam minimizar o teor das conversas, enquanto a PGR interpreta o encontro como parte das conspirações golpistas.

Segundo a Procuradoria, a reunião foi organizada pelo coronel Bernardo Romão Correa Neto —à época assistente do então comandante militar do Sul, general Fernando Soares.

“Resolvi tomar uma iniciativa e conto com o apoio do Nilton para isso. Reunir alguns FE [Forças Especiais] em funções chaves para termos uma conversa sobre como influenciar nossos chefes”, escreveu Correa Neto para o coronel Fabrício Moreira de Bastos em 26 de novembro de 2022.

A PF diz que cerca de dez militares participaram do encontro. A PGR reforça que a reunião buscava “desenvolver estratégia de pressão sobre os comandantes renitentes [aos planos por um golpe de Estado]”.

O procurador-geral Paulo Gonet destaca dois pontos principais para concluir que os militares presentes na reunião conspiravam contra a democracia. O primeiro é o fato de que os oficiais tinham enviado entre si, pelo WhatsApp, um documento elaborado por militares do Exército cujo objetivo era pressionar o comandante da Força para apoiar o golpe.

A “carta dos oficiais da ativa ao Comando do Exército” passou a circular nos meios militares naquele dia, como mostrou a Folha de S.Paulo. Os quatro coronéis autores do documento foram identificados em investigação do Exército e indiciados na Justiça Militar Paulo Gonet, porém, não denunciou os indisciplinados.

O fato de os militares já terem acesso à carta e terem conversado sobre o documento na reunião é apontado pela PGR como prova de que eles pressionaram o comandante do Exército por um golpe.
A segunda prova levantada pela PGR são mensagens de WhatsApp trocadas entre os militares durante o encontro. Em uma delas, o coronel Bastos elencou cinco “ideias-força” supostamente definidas na reunião. Seriam elas, segundo o militar:

1 – “Falta de coesão dentro da Força Nec [necessidade] de atuação no curtíssimo prazo”
2 – “Nec de alertar os C Mil A [Comandos Militares de Áreas] acerca da realidade”
3 – “Rlz [realizar] ações concretas no campo informacional (comunicação estratégica)”
4 – “Criação de um Gab [gabinete de] Crise, inicialmente no campo informacional”
5 – “O EB [Exército Brasileiro] deverá falar com o Presidentes do Poder Legislativo e Judiciário”
O “estado final desejado” seria estabelecer “laços de confiança” entre o então presidente Jair Bolsonaro (PL) e o comandante do Exército, general Freire Gomes. O coronel Bastos ainda apontava o ministro Alexandre de Moraes como o “centro de gravidade” conceito militar que representa a fonte de força e de poder do inimigo, alvo principal para desestabilizar o oponente.

Mesmo com as provas apresentadas pela PGR, Mauro Cid disse em depoimento que o encontro entre os militares era informal e não foram elaborados planos para pressionar os chefes das Forças Armadas.

“Obviamente, o que foi conversado e discutido é a mesma coisa da conjuntura, do que estava acontecendo. Se conversou sobre as manifestações, do pessoal pedindo [o artigo] 142, aquela pressão que estava acontecendo no Exército”, disse Cid à Polícia Federal.

“O pessoal queria saber o que cada oficial estava pensando, porque ali tinha militares que eram assessores de generais. O que cada comandante estava pensando. Então o papo foi em torno disso daí.”
Segundo Cid, o coronel Cleverson Ney Magalhães disse no encontro que seu chefe, o general Estevam Theophilo, era “muito leal ao general Freire Gomes e que não iria fazer nada se não tivesse anuência do Alto Comando”.

Sobre a carta dos oficiais, Cid disse que o assunto foi comentado como se fosse um “tiro no pé”. “Quem assinasse seria punido e ia acabar não tendo muita relevância [na carreira], porque o militar não pode assinar abaixo-assinado”, completou.

O coronel Correa Neto defendeu linha parecida com Cid. Disse, segundo termo de depoimento, que na reunião “foi conversado [sobre] o momento pessoal de cada um e sobre o cenário político”.

O coronel Cleverson também afirmou à PF que tratou o encontro como uma “confraternização de final de ano extremamente informal”. Ele disse ainda que foi contra a carta que pressionava o general Freire Gomes: “Transparece uma transgressão disciplinar; [olhei] com esse enfoque para a referida carta”.

Foram denunciados pela PGR por participação na reunião o general Nilton Diniz, o tenente-coronel Mauro Cid e os coronéis Correa Neto, Cleverson Magalhães, Fabrício Bastos e Márcio Nunes Junior.

As divergências entre as conclusões da investigação e as declarações de Cid fizeram a Polícia Federal pedir ao STF, em novembro de 2024, que avaliasse a possível rescisão do acordo de colaboração premiada do militar.

Diante do ministro Alexandre de Moraes, porém, Cid reforçou que o encontro dos militares em 2022 não teve intenções golpistas.

“O motivo foi congregar os amigos que serviram muito tempo. Só que obviamente a conversa não foi sobre futebol. Foi sobre o que estava acontecendo no país. Aí tinha cara que realmente falava “pô, o presidente tem que fazer algo”. [Outro dizia] “Não tem que fazer nada, tem que pressionar é o general”. Mas assim, eu gostaria de caracterizar essa reunião como conversa de bar. Bate-papo de bar. Ninguém apresentou documento, ninguém sentou para organizar nada.”

Adicionar aos favoritos o Link permanente.