Golaço das meninas: equipe no DF integra e estimula esporte contra preconceitos

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Por André Araújo

Julia Bastos Simões, atleta de 12 anos da equipe sub-13 da ADEF,  tem uma paixão pelo futebol. “Meu pai me incentivou a jogar”. Ela começou a jogar em 2022, na escolinha do América Mineiro, onde foi se aproximando cada vez mais do esporte. Segundo seu pai, Ricardo, eles sempre assistiam a jogos dos times na TV de casa. Julia torce para o América e, seu pai, para o Náutico. Uma vez, eles foram prestigiar uma partida no estádio, o que foi um marco para sua paixão.

A prata olímpica conquistada pela seleção feminina de futebol nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 é um símbolo de que a paixão pelo esporte tem crescido entre o público feminino nos últimos anos. Embora ainda sejam uma minoria, é cada vez mais comum ver meninas dentro dos campos e quadras, buscando inspiração em jogadoras, como Marta, Formiga e Gabi Portilho, que fizeram história com a camisa canarinho.

Atleta Julia Bastos treinando – Foto: Lucas Rodrigues / @lucasrfotografia

Entretanto, para Julia, o preconceito é uma realidade que a acompanha desde o início da paixão pelo futebol, quando jogava bola com os colegas de escola. “Os meninos sempre falavam ‘nossa, ela joga bola!’, como se fosse algo inovador”. Contudo, o tempo superou algumas dessas barreiras e Julia também recebeu reconhecimento. “Houve lugares em que fui acolhida. Na quadra, os garotos foram me conhecendo e percebendo que uma garota pode jogar bola bem”.

Ricardo abriu mão de seu emprego para focar totalmente no sonho da filha. “Vê-la evoluir no esporte e ajudar para que o sonho dela se torne realidade é algo fora de série.” O pai ressalta a importância do incentivo dentro de casa: “Quanto mais a gente estiver próximo, dando esse apoio, melhor ela vai conseguir trilhar o caminho que deseja.”

No Brasil, a prática do futsal feminino foi oficializada pelo Conselho Nacional de Desportos (CND) em 8 de janeiro de 1983. Já o primeiro campeonato organizado pela Confederação Brasileira de Futsal (CBFS) foi realizado em Mairinque (SP), em janeiro de 1992. A Taça Brasil de Clubes, como foi chamado, teve a participação de 10 equipes indicadas por suas federações.

O Projeto


A Associação Desportiva de Futsal do Distrito Federal (ADEF) é um projeto social que, por meio do futsal, busca acolher, ajudar, fomentar e promover a inclusão social de meninas e jovens mulheres carentes do Distrito Federal por meio da prática esportiva. A equipe tem como pré-requisitos o rendimento na escola e na faculdade para que as garotas possam se manter no projeto, e envolve desde as categorias de base — do Sub-13 ao Sub-20 —, à categoria adulta.

O projeto, criado em 2006 e formalizado como associação em 2011, tem como sócios fundadores Tatiana Weysfield, João Marcelo Tonelli, Douglas Ramiro e Naiara Gresta. Tatiana desempenhou o papel de técnica principal até 2017, mas conciliar a gestão do projeto e os treinamentos se tornou uma tarefa muito difícil, assim deixando a vaga de treinadora para Lucas Fernandes.

“A associação é 100% financiada com verba pública, seja ela proveniente da Lei de Incentivo ao Esporte ou emendas federais e distritais. “Não possuímos um financiador por trás e todos os recursos adquiridos são investidos na própria entidade”, ressalta Naiara Gresta.

A Lei de Incentivo ao Esporte (Lei nº 11.438/06), existe desde 2007 e permite a dedução do imposto de renda devido, conforme Declaração de Ajuste Anual, pelas pessoas físicas ou jurídicas para patrocínio ou doação a projetos desportivos e paradesportivos. Para as pessoas jurídicas é possível deduzir até 2% do imposto devido. Essa lei permite destinar recursos à inclusão social por meio do esporte, preferencialmente em comunidades em situação de vulnerabilidade social.

De acordo com Natália Barbosa, de 33 anos, ex-atleta e agora treinadora da ADEF, a associação foi criada com foco no futebol de salão, e não pensou no campo. Foi a paixão de Tatiana pelo futsal a principal causa para a formação da associação.

A equipe é quase que exclusivamente dedicada ao desenvolvimento de meninas desde as categorias de base, tendo apenas como categoria masculina o time de futebol para pessoas com deficiência visual. Foi fundada apenas por mulheres e hoje possui como presidente Geovana Rodrigues, que é atleta desde as categorias de base. Geovana foi campeã mundial universitária com a ADEF no dia 16 de junho deste ano, um domingo.

Atualmente, a ADEF conta com 54 alunas na divisão de rendimento, sendo 24 no sub-15 e sub-17, e 30 nas categorias universitárias, sub-20 e adulto. Além dessas, existem as escolinhas sociais, que acolhem mais de 200 crianças no contraturno das escolas públicas.

Naiara, sócio-fundadora da associação, lamenta a dificuldade para conseguir incentivos para o esporte: “Infelizmente, em 2024, as escolinhas sociais ficaram sem aportes de emendas federais, então elas estão funcionando com suporte mínimo.” Porém, ressalta que o projeto social tem amplo impacto, e já revelou diversas meninas para o futsal de rendimento.

Inspirações


As categorias de base da associação vêm conquistando vários títulos. No sub-13, foram três vezes campeãs do DF — em 2012, 2013 e 2014 —; no sub-15, foram cinco vezes campeãs do DF — de 2013 a 2018 —; no sub-17, quatro vezes campeãs do DF — em 2013, 2014, 2016 e em 2017. Na categoria sub-20, a ADEF esbanja talentos. A equipe, atualmente, é 12 vezes campeã da categoria no DF.

A categoria adulta não fica atrás nas conquistas. No Brasiliense Absoluto, foram sete vezes campeãs —2008, 2009, 2011, 2012, 2013, 2018 e 2022 —; na Taça Brasília, cinco vezes campeãs — 2011, 2012, 2013, 2016 e 2017. Também foram 11 vezes campeãs universitárias do DF e Campeãs Brasileiras Universitárias em 2023, além do título mundial em 2024.

Por terem grande contato com as jogadoras mais experientes, as atletas mais jovens afirmam ver as companheiras veteranas como forte inspiração. É o caso de Bruna Matão, fixa/ala da equipe sub-13, que diz seguir a pivô da equipe sub-20, Maria Lima, como grande exemplo.

Atleta Bruna Matão no treino – Fotos: Lucas Rodrigues / @lucasrfotografia


Treinos

Na quadra da escola Nossa Senhora de Fátima, na 906 da Asa Sul — onde treinam as equipes sub-15 a sub-17 da ADEF —, não se pega leve. Os treinos duram, em média, duas horas. O arrastar das chuteiras na quadra e o dançar com a bola no pé seguem até o apito, de 30 em 30 minutos, para beber um gole d’água — fundamental para o clima de Brasília, onde as temperaturas podem superar os 30 ºC mesmo nos períodos de seca.

Praticando o futsal em suas diferentes sedes, no Cruzeiro, Planaltina, Recanto das Emas, Riacho Fundo II, a presença do esporte e sua prática são vividas e incentivadas ao máximo pelos professores da ADEF.Treino das atletas da ADEF

“Pintura mais fundamental
Que um chute a gol
Com precisão
De flecha e folha seca”

Chico Buarque (O Futebol)

Incentivos


Estela Souza e Alicia Layne, de 14 anos, são atletas da ADEF que foram convocadas para a seleção brasileira de futsal de base, para disputar a Copa do Mundo sub-12 de 2023, em Cochabamba, na Bolívia. Para as atletas, poder vestir a camisa canarinho e entrar em quadra para defender o seu país em um campeonato internacional foi uma grande oportunidade.

“Foi uma experiência boa, foi muito legal jogar representando o Brasil. A camisa da seleção em si, lá fora, tem um peso muito grande”, ressalta Estela. “Dava pra ver, quando a gente ia entrar para o jogo, que o povo, as pessoas, se uniam ao redor do túnel. Foi incrível!”

Além da seleção, Estela destaca que a ADEF contribui para seu desenvolvimento como atleta, com treinos que incluem as atividades na academia e acompanhamento nutricional para auxiliar na alimentação.

Igualdade distante


Frente às grandes desigualdades no esporte, ainda há esperança para mudanças. Em 2023, a Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor (SNFDT) lançou, entre outras ações, a Estratégia Nacional para o Futebol Feminino, com eixos para um plano de ação cobrindo o triênio de 2023 a 2026, e o Grupo de Trabalho Interministerial — Copa do Mundo Feminina, atendendo à obrigação contida no art.181 da Lei 14.597 que trata do “Plano Nacional pela Cultura de Paz no Esporte”.

A Estratégia Nacional para o Futebol Feminino, instituída pelo Decreto no 11.458, de 2023, se for efetivamente implementada, pode vir a representar uma grande mudança no cenário desproporcional de investimentos da Política Pública do Esporte no Brasil e mudar a história de meninas e mulheres no mundo do esporte.

Após o lançamento da estratégia nacional, foi criado um grupo de trabalho composto por representantes e entidades que atuam no desenvolvimento do futebol feminino. Contando com representantes do Ministério do Esporte, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e das Federações Paulista e Paranaense de Futebol, o GT ficou encarregado da criação do plano de ações para incentivar, promover e fomentar o futebol feminino no Brasil.

Um Diagnóstico realizado no âmbito da estratégia nacional já aponta o cenário de desigualdades de gênero no futebol: aproximadamente 70% das mulheres que atuam no meio do futebol feminino fazem dupla jornada, ou seja, atuam na modalidade e em outra área diversa para complementar seu salário; 47,9% das atletas da categoria adulta não recebem nenhum valor a título de remuneração ou ajuda; apenas 19,2% das atletas possuem vínculo profissional; e 1,2% tem contrato de formação.


Novos Olhares

Confira aqui a entrevista completa de Natália Barbosa

Natália Barbosa diz que essa discrepância entre as modalidades feminina e masculina se insere em um contexto histórico. “O futebol demorou a ser aceito para as mulheres. Se não me engano, uns 40 anos.” Para ela, é preciso mostrar que o futsal feminino tem potencial.

Treino da ADEF na escola Nossa Senhora de Fátima – Foto: Lucas Rodrigues / @lucasrfotografia


“Já está sendo mostrado há muitos anos. O Futsal feminino brasileiro ficou anos sem perder sequer uma partida. Temos uma atleta, a Amandinha, que já foi eleita oito vezes a melhor jogadora do mundo”, complementa. “Atualmente, o melhor time do mundo é uma equipe feminina aqui do Brasil [Corinthians], a melhor jogadora do mundo é do Brasil [Marta]. Ano após ano, já deveríamos receber, pelo menos, a mesma visibilidade, mas a questão histórica ainda pesa muito.”

Para a treinadora, o que mudou ao longo do tempo foi o apoio dentro de casa. Para ela, assim como para Ricardo, além do investimento, o incentivo moral é o mais importante.

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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