TCU estima prejuízo de R$ 5 bi e recomenda ação do governo para evitar pagamento indevido no BPC

IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) uma série de ações para evitar pagamentos indevidos no BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

Uma auditoria feita pelo órgão de controle apontou um prejuízo de R$ 5 bilhões ao ano com repasses a famílias que não se enquadram no critério de renda do programa, que contempla quem ganha até ¼ de salário mínimo por pessoa (hoje, equivalente a R$ 379,50).

“A auditoria estimou que 6,3% dos beneficiários possuem renda familiar per capita acima de um quarto do salário mínimo, extrapolando o limite de renda previsto em lei, o que representa pagamentos indevidos da ordem de R$ 5 bilhões ao ano”, diz o relatório da área técnica, ratificado pelo plenário do TCU. Os dados tiveram como referência a folha de pagamento do mês de maio de 2024.

O diagnóstico da auditoria foi antecipado pela coluna Painel S.A., da Folha de S.Paulo.
A corte de contas também identificou 6.701 casos de acumulação indevida do BPC com outro benefício.

O impacto financeiro anual dessa irregularidade foi calculado em R$ 113,5 milhões.

Na decisão aprovada pelos ministros, o TCU determinou ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) que, em um prazo de 180 dias, adote providências para corrigir casos de acúmulos indevidos e de pagamento a beneficiários falecidos, com CPF nulo ou cancelado ou sem registro ativo no Cadastro Único de programas sociais.

O plenário também recomendou ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome a adoção de uma série de procedimentos para regularizar cadastros de beneficiários do BPC e também fazer um diagnóstico mais detalhado de problemas identificados no programa.

A determinação representa uma ordem mais direta do TCU, e seu descumprimento pode gerar motivos de ressalva na análise das contas do presidente da República. Ela tem mais força do que uma recomendação, que pode ser seguida ou não pelo órgão alvo da auditoria. Não é raro, porém, que uma recomendação reiteradamente ignorada pelo Executivo se transforme em uma determinação em análises subsequentes.

No relatório, o TCU chamou a atenção para o aumento nas concessões do BPC.

Como mostrou a Folha, as concessões do BPC tiveram uma aceleração considerável a partir do segundo semestre de 2022. Até então, o público do programa oscilava entre 4,6 milhões e 4,7 milhões, com pequenas variações mensais.

Em julho daquele ano, o governo habilitou 93 mil novos beneficiários. No mês seguinte, mais 90 mil. Desde então, as concessões têm se mantido superiores a 50 mil por mês. Em dezembro de 2024, o número de beneficiários alcançou 6,3 milhões.

Segundo a corte de contas, o INSS não respondeu sobre as possíveis causas para o aumento. Já o Desenvolvimento Social elencou algumas hipóteses, como a lei que permitiu acumular mais de um BPC na mesma família, as regras mais duras de aposentadoria pós-reforma da Previdência, a ampliação do rol de deficiências atendidas pelo programa (incluindo pessoas com autismo) e a implementação dos programas de redução de filas no INSS, que agilizou a análise dos pedidos.

“Além desses, identificaram-se outros dois motivos para esse crescimento; o aumento real do salário mínimo a partir de 2024, ampliando a elegibilidade ao BPC; e a judicialização crescente das concessões, com a ampliação do critério de renda familiar estabelecida por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)”, diz o relatório.

O governo Lula tentou atacar alguns desses problemas no pacote de contenção de gastos aprovado no Congresso Nacional no fim de 2024. As novas regras, ainda em fase de regulamentação, proíbem o desconto de parcelas da renda familiar sem previsão legal (uma maneira de coibir decisões judiciais para flexibilizar os critérios do programa), exigem cadastro biométrico dos beneficiários e atualização periódica das informações.

No entanto, o governo esbarrou em resistências políticas para rever a regra que permite o acúmulo de mais de um BPC pela mesma família. Segundo o TCU, entre abril de 2020 e junho de 2024, 194,7 mil famílias passaram a receber mais de um benefício, cerca de 14% das concessões no período.

O TCU não cita o cálculo, mas, se essas famílias continuam recebendo o BPC, isso representaria uma despesa anual de R$ 3,5 bilhões, considerando o salário mínimo atual de R$ 1.518.

O Congresso também barrou a tentativa do governo de rever o conceito de pessoa com deficiência, que tinha o objetivo de permitir acesso ao programa apenas em casos de deficiência grave.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o aumento expressivo nas concessões de BPC para pessoas com autismo foi o que motivou o Executivo a propor as mudanças.

Dados do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome mostram que o número total de benefícios do BPC para pessoas com deficiência concedidos pela via administrativa subiu 30,6% entre o fim de 2021 e setembro de 2024. No grupo dos diagnosticados com TEA (transtorno do espectro autista), a expansão foi de 247,5% no mesmo período. A taxa é bem maior do que a registrada nas demais doenças.

O diagnóstico é que a adoção do modelo biopsicossocial abriu margem para avaliações subjetivas, sobretudo quando se trata de transtornos comportamentais. Hoje, eles respondem por 844,8 mil beneficiários, cerca de um terço do total de 2,75 milhões de concessões administrativas para pessoas com deficiência. Dentro desse grupo, os beneficiários diagnosticados com autismo somam 289,5 mil.

A despeito do diagnóstico traçado pelo governo, o Legislativo rejeitou a mudança neste ponto do programa.

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