O outro que não queremos

“Tem algo muito particular que me causa, sei lá, vergonha dessa gente. Há 200 anos meus antepassados imigraram, fugindo da fome. Será que essa gente hoje, lá na Alemanha, lembra disso? Sabe disso? Pensa nisso? Que houve um tempo em que também os alemães foram imigrantes?”

A reflexão é de uma brasileira. Filha, neta, bisneta e trineta de colonos alemães, minha amiga de inegável genética teutônica anda perplexa. Desde o resultado das eleições para o Bundestag (algo como nossa Câmara dos Deputados), ela se pergunta: “Como pode?”.

No domingo, dia 23, o partido da extrema-direita somou 20,8% dos votos. É um percentual impensável considerando que até 2017 essa fração ideológica era inexpressiva na Alemanha. Na frente ficou apenas a direita moderada, com 28,5%. Ambos defendem menos flexibilidade para a aceitação de imigrantes. Isso, em um país que há menos de dez anos era considerado modelo em acolhimento de estrangeiros.

Agora, quase metade dos alemães vê os imigrantes com preocupação. E, o que mais surpreende: cresce a parcela que defende inclusive proibir a entrada dessas pessoas. Principalmente aquelas vindas de culturas que não se enquadram no que os nativos consideram “tradicionalmente alemão”. Uma retórica nacionalista que enfatiza a preservação da identidade germânica e a segurança interna.

Trata-se de um discurso conhecido, que emplacou governos mundo afora e tem no presidente Donald Trump seu expoente. Um discurso estranho no qual todo árabe é potencialmente terrorista e todo latino, um espertinho.

Trata-se, também, de um apagamento histórico. Em nações construídas por imigrantes, como os Estados Unidos, aumenta a adesão a políticas anti-imigração. Em grupos étnicos que outrora precisaram migrar, como os germânicos, aumenta a xenofobia.

A questão é que vivemos em outra época? Esse passado muito passado poucos lembram e não serve mais como referência? É bem possível. Maltratar a história é prática comum, sobretudo se nos sentimos ameaçados em nossos privilégios, reais ou imaginados. Até Portugal anda torcendo o nariz para quem chega de países menos considerados. Brasil inclusive. Pensando no passivo colonial que nos deixaram, não deveria ser o contrário?

Nessa toada, gente de diferentes cores e origens teme perder o lar que conquistou na nova pátria. Teme ser devolvida, rejeitada, perseguida, presa. Homens e mulheres que empreenderam perigosas travessias até a terra prometida podem virar indesejados. Ou já viraram.

Mudaram os tempos, mudamos nós? Pioramos como seres humanos? Sei não. Eu e minha amiga temos achado o mundo muito estranho.

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