Folia arretada: como pernambucanos trouxeram para Brasília o Galinho, herdeiro do maior bloco de carnaval do mundo

galinho

Por Luiza Freire
Agência de Notícias do CEUB

Em meio à batucada de tambores e ao brilho das fantasias, o carnaval pernambucano ergue-se como um dos maiores patrimônios culturais do Brasil. Uma tradição que ultrapassa fronteiras e reverbera em outras partes do país, como Brasília.

É lá que encontramos o Galinho de Brasília, um bloco que nasceu da saudade e da necessidade de manter viva a chama do frevo em terras distantes.

Foi assim que o carnavalesco pernambucano, Romildo de Carvalho, movido pela paixão pela cultura de sua terra natal, decidiu levar um pedaço de Recife para Brasília.

O presidente do bloco, Romildo Carvalho, lamentou o fato da mudança do desfile. Antes, desfilava a partir da quadra 103 Sul. Agora, ocupará a Esplanada. Romildo entende que a acústica prejudicará a diversão por ser um espaço muito amplo.

O governo do Distrito Federal alegou que a mudança dos blocos das áreas residenciais para a Esplanada tem como finalidade melhorar a segurança para os foliões.

Romildo lembra-se claramente do momento que desencadeou a criação do Galinho, em 1992. “O Galo da Madrugada era uma festa que a gente ia todos os anos, mas em 1989, com o confisco da poupança, ficou impossível viajar. Então, pensamos: já que não podemos ir ao Galo, vamos trazer o Galo para Brasília”, revela, com nostalgia nos olhos.

No começo, o frevo

Essa ideia simples, mas carregada de significado, resultou em um bloco que, em seu primeiro ano, atraiu 500 foliões, número que cresceu para quase mil no dia seguinte.

A essência do Galinho de Brasília está intrinsecamente ligada ao Galo da Madrugada, o maior bloco de Carnaval do mundo, que transforma as ruas de Recife em um mar de alegria e música.

“A relação com o Galo foi, e continua sendo, a de trazer a nossa cultura. O frevo é a nossa alma”, explica Romildo.

Assim, o Galinho não apenas imitou, mas reinterpretou o Carnaval pernambucano, inserindo-o no contexto brasiliense.

A relação entre o Galinho e o Galo da Madrugada é um exemplo vívido de como as manifestações culturais podem transcender fronteiras, adaptando-se em diferentes cenários.

Foto: Galo da Madrugada/Instagram

O Galinho se tornou um catalisador, despertando em muitos brasilienses o interesse pela cultura pernambucana e suas tradições. Oficinas de frevo, rodas de maracatu e até mesmo sambas-enredos inspirados nas raízes nordestinas surgiram na capital, tornando-se um marco onde o orgulho de ser brasileiro é celebrado.

A festa

Em um canto ensolarado de Brasília, o clima começa a mudar. É março, e as ruas da capital se preparam para receber o carnaval. No ar, um cheiro doce de alegria se mistura com a expectativa.

Entre os habitantes da cidade, muitos são os que vêm de longe, especialmente do Nordeste, levando em suas memórias um carnaval pulsante, vibrante, que ecoa através de suas lembranças.

O Galinho de Brasília, um bloco carnavalesco que se tornou símbolo dessa resistência cultural, se destaca na agenda festiva, prometendo trazer a essência do carnaval pernambucano para o coração do Planalto.

Memória

Mércia Paiva, pernambucana de coração e alma, recorda com carinho a primeira vez que visitou Olinda. “Quando cheguei lá, vi aquelas fitinhas coloridas dançando ao vento e foi como se o mundo parasse. A emoção foi avassaladora”, diz ela, enquanto o brilho nos seus olhos revela o amor profundo que sente por sua terra natal.

“O carnaval de Pernambuco sempre teve um papel fundamental na minha vida. Ele me formou, me deu identidade.”

Agora, 15 anos após se mudar para Brasília, Mércia sente falta do frevo que faz seu coração pulsar. “É um ritmo que me faz chorar, de tanto que eu gosto. É como se eu estivesse dançando minha própria história.”

E confessa que se lembra com detalhes o último carnaval que passou em Recife. “Até o último carnaval que passei em Recife, foi marcante. A cultura das troças, do frevo… eu sinto muita falta”.

O carnavalesco Luiz Lima, um dos fundadores do Galinho, também carrega essas lembranças.

“O Carnaval de Pernambuco na minha vida foi muito mais importante do que é hoje. É uma festa linda e reconhecida por todo mundo”, diz ele, lembrando que trouxe consigo uma “bagagem muito grande de frevo, marchinhas e um grande volume de material carnavalesco” quando chegou a Brasília, em 1958.

Contrastes

Mércia não hesita em afirmar que “não dá pra comparar” o Galo da Madrugada, famoso em Recife, com o Galinho. “Recife para no carnaval, é uma cidade que vive e respira essa festa, enquanto aqui em Brasília é apenas por quatro dias, e olhe lá.”

Além disso, ela ainda complementa que não há comparações quando se fala de um bloco conhecido internacionalmente com o Galinho.

“O Galo da Madrugada é algo grandioso. Já conhecido por aí mundialmente, por ter saído no livro do Guinness Book. É algo muito majestoso”.

Luiz complementa, a comparação destacando que a vivência carnavalesca em Recife é inigualável. “Comparar os dois é covardia; estamos apenas tentando implantar um pouco dessa estrutura aqui em Brasília.”

Em jogo

Apesar da sua resistência ao carnaval de Brasília, Mércia acredita que o Galinho é uma “respiro” para os pernambucanos na cidade.

“Ele ajuda a unir os pernambucanos que estão dispersos aqui.” Contudo, ela também expressa suas reservas sobre o carnaval local. “Eu me recuso a escutar outro tipo de música que não seja o frevo, então por isso eu só vou no Galinho mesmo.”

Luiz, por sua vez, é otimista quanto ao futuro do Galinho. “É dar tempo ao tempo; não é de uma hora para outra que a festa vai acontecer e você vai para o abraço”. Ele acredita que o carnaval pernambucano, como patrimônio cultural, merece reconhecimento mundial.

Mércia, que se juntou ao Galinho nos primeiros anos morando em Brasília, compartilha sua visão sobre a importância do bloco. “O Galinho é uma forma de resistência cultural. É uma maneira de dizer: ‘Aqui estamos, e o frevo é nosso!’”.

Para ela, a experiência de brincar no Galinho é um retorno às raízes, um resgate das tradições que moldaram sua identidade.

Patrimônio

A importância do Galinho se reflete não só em sua música, mas também na forma como ele se entrelaça com a identidade cultural de Brasília. Em 2007, o frevo foi reconhecido pelo Iphan, como patrimônio imaterial da cultura pernambucana, e em 2012, pela Unesco, como patrimônio cultural da humanidade.

“A cultura pernambucana é uma joia que deve ser preservada e celebrada”, afirma Romildo. “E o Galinho é uma forma de levar essa cultura para o Brasil e o mundo.”

A história do Galinho de Brasília é um testemunho de como as tradições culturais podem se adaptar e florescer em novos contextos. Em meio à luta por reconhecimento e à busca por preservação, Romildo e sua equipe continuam a levar o frevo às ruas de Brasília, mantendo viva a conexão com o Galo da Madrugada e a cultura pernambucana.

Em cada passo de dança e em cada nota do frevo, a história do Galinho se entrelaça com a de Pernambuco, revelando a riqueza de um legado cultural que, mesmo distante de sua terra natal, permanece vibrante e cheio de vida. E assim, em um ritmo contagiante, Brasília também se torna parte dessa grande festa, unindo corações e celebrando a cultura do nosso Brasil.

Conquistas

No entanto, a trajetória do Galinho não foi isenta de desafios. Romildo lembra que a dificuldade de trazer o frevo para Brasília era uma barreira.

“O frevo estava muito restrito a Pernambuco. Nossa missão era divulgar essa cultura”, destaca.

Ao longo dos anos, o Galinho enfrentou resistência de alguns moradores e autoridades locais, que questionavam a viabilidade do bloco em um espaço urbano em transformação.

As dificuldades foram acompanhadas de conquistas. O Galinho de Brasília se tornou um ponto de referência no Carnaval local, atraindo pessoas de diferentes origens que queriam experimentar a alegria do frevo. Luiz Lima, também integrante do bloco, afirma: “O Galinho trouxe não apenas a música, mas um sentimento de pertencimento. É um espaço onde todos podem se sentir em casa”.

Olhar pernambucano

Contudo, a visão sobre o carnaval em Brasília ainda é complexa. Mércia reflete sobre o que ela chama de “carnaval café com leite”, onde as tradições pernambucanas ainda não se firmaram como deveriam.

“As quadras são pequenas, a vivência é diferente. Sinto falta da energia que envolve as ladeiras de Olinda.”

Ela fala sobre a sensação de estranhamento que permeia sua experiência no carnaval brasiliense. “Talvez seja um preconceito meu, mas eu não consigo me abrir para outras experiências. Para mim, carnaval é sinônimo de frevo.”

Luiz, por sua vez, enxerga o carnaval de Brasília como uma oportunidade. “A cidade está em transformação. O Galinho é um passo importante para que a cultura pernambucana ganhe espaço e se espalhe.”

Ele afirma que a música, a dança e a festa podem unir as pessoas e construir uma nova identidade cultural na capital. “Cada ano, mais pessoas se juntam a nós, e essa diversidade é o que faz o carnaval se tornar especial.”

Futuro

Com a aproximação do carnaval, a expectativa cresce. Mércia acredita que ainda há muitos pontos que o Galinho poderia aprimorar e tornar ainda mais representativo. “Seria incrível trazer passistas de frevo, grupos de maracatu. Isso adicionaria um brilho especial ao nosso bloco”, sugere, sempre buscando maneiras de enriquecer a experiência.

“Temos um potencial incrível aqui. A união de diferentes culturas pode transformar o carnaval em um evento ainda mais grandioso”, afirma Luiz.

Ele acredita que o Galinho pode ser uma plataforma para mostrar a riqueza do carnaval pernambucano, inspirando outros a valorizarem suas raízes, além de incentivar outros blocos a também implementarem as músicas pernambucanas e outros aspectos do maior carnaval.

“O carnaval pernambucano é um patrimônio cultural que merece ser celebrado. Não é apenas uma festa; é uma manifestação de alegria, resistência e identidade.”

Celebração

Enquanto a cidade se prepara para mais um carnaval, a paixão de Mércia e Luiz ressoa na multidão. O galinho de Brasília se torna um símbolo de resistência e celebração, unindo a cultura pernambucana a novas tradições.

Em cada passo do frevo, em cada risada compartilhada, a cultura nordestina se entrelaça com a vida em Brasília, reafirmando que, onde quer que estejam, os laços do carnaval nunca se quebram.

“O carnaval é um lembrete de que, independentemente de onde estivermos, nossas raízes estão sempre conosco, e isso é o que torna tudo tão bonito”, afirma Mércia. E, quando o sol se põe, Brasília se ilumina com a energia do carnaval…

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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