Municípios atingidos em tragédia de Mariana escolhem ação em Londres em vez de acordo no Brasil

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CAROLINA LINHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Indivíduos e municípios atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco têm até esta quinta-feira (6) para aderirem ao acordo de repactuação costurado pelo governo federal e homologado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que totaliza R$ 170 bilhões em ações de reparação e indenização.

O problema é que, ao assinar o pacto, eles são obrigados a abrir mão de uma ação judicial movida em Londres –cujo valor pode chegar a R$ 260 bilhões– contra a BHP, empresa anglo-australiana que controla a Samarco ao lado da brasileira Vale.

Nesta semana, serão apresentadas as alegações finais no processo do Reino Unido, e uma decisão da Justiça é esperada até o meio do ano. Caso a BHP seja condenada, os valores de indenização serão então estipulados pela corte em uma etapa que pode durar até outubro de 2026 –há 620 mil indivíduos representados na ação pelo escritório Pogust Goodhead.

Até agora 17 entre 49 municípios atingidos em Minas Gerais e Espírito Santo optaram pela repactuação, que foi assinada em outubro de 2024 pelas mineradoras e pelo governo federal, além de Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União, Justiça Federal, defensorias públicas dos estados e os governos mineiro e capixaba.

A maioria das cidades, inclusive Mariana (MG), preferiu não aderir ao pacto por considerá-lo insuficiente. O acordo prevê R$ 6,1 bilhões para os municípios a serem pagos em 20 anos, enquanto na ação de Londres esse valor pode chegar a cerca de R$ 50 bilhões.

A aproximação do prazo desencadeou uma série de ofensivas de parte a parte. Integrante da comissão de atingidos de Mariana, Mauro Marcos da Silva conta à Folha que carros de som da Samarco circulam pela cidade chamando os atingidos a assinarem a repactuação.

“As pessoas têm liberdade, mas a comissão recomendou que não assinem o acordo. A gente vê com preocupação a repactuação, porque nunca houve a participação dos atingidos. Costumo dizer que falam pela gente e decidem pela gente, mas nunca a nosso favor”, diz ele, que morava em Bento Rodrigues, distrito destruído pela lama.

Ele estima, porém, que entre os atingidos representados na ação em Londres apenas 36% cumprem as condições para aderir à repactuação, como não ter assinado termos de quitação anteriormente. Portanto, a grande maioria dos atingidos, ao contrário dos municípios, não está pressionada pela escolha.

“É algo incerto, mas a expectativa é que, se não acontecer nada muito extraordinário, certamente a BHP vai ser responsabilizada”, afirma Silva sobre a ação no Reino Unido.

Em outra frente, Mariana e outros 20 municípios ajuizaram uma nova ação civil pública, na sexta-feira (28), contra a Samarco, a Vale e a BHP pedindo R$ 46 bilhões em indenizações. Os representantes das cidades argumentam que os valores da repactuação são “absolutamente insuficientes”.

O prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), afirma à Folha que a coincidência temporal entre o acordo de repactuação, que levou 9 anos desde a tragédia em 2015, e o efetivo andamento da ação do Reino Unido foi proposital.

“Foi proposital para evitar que a condenação em Londres saia primeiro, já que os valores de lá são muito maiores”, diz. Outros atingidos também veem no acordo de repactuação uma tentativa de esvaziar a ação judicial.

“No Reino Unido, além do valor que está proposto no Brasil, que já é um direito nosso, a gente espera que outros pedidos também sejam acolhidos. A economia de Mariana foi embora junto com o rompimento da barragem”, completa Duarte.

Na semana passada, a Samarco anunciou que os municípios que aderirem ao acordo até esta quinta terão um adiantamento na primeira parcela da indenização.

Responsável por conduzir a repactuação, a AGU (Advocacia-Geral da União) também trabalhou a favor do acordo na reta final do prazo. No encontro nacional de prefeitos promovido pelo governo federal em Brasília no último dia 13, um dos painéis exaltou pontos positivos do pacto.

Além disso, a AGU realizou encontros, na semana passada, com representantes das mineradoras e com o prefeito de Mariana numa última tentativa de acerto. Segundo Mauro Marcos da Silva, o encontro “gerou estranheza” e foi visto como uma forma de pressão entre os atingidos, algo que a AGU nega.

Defensores da repactuação, por outro lado, argumentam que a ação judicial em Londres fere a soberania nacional.

A Prefeitura de Ponte Nova (MG), por exemplo, preferiu aderir ao acordo. Fernanda Ribeiro, secretária de Governo do município, lembra que a cidade não era considerada atingida, mas ganhou esse direito em uma ação na Justiça.

“No nosso contexto, o acordo nos pareceu o mais inteligente e o mais tangível. Pelo impacto que tivemos, pelo que de fato é mensurável, o acordo atente. São R$ 160 milhões e uma parte já vem agora para destinar a escolas”, diz.

Ribeiro, no entanto, teve que explicar a decisão a vereadores da oposição na semana passada, justamente por causa da ação em Londres. “O questionamento é que nos contentamos com algo que poderia ser maior, mas não valeria esperar algo que talvez nem viesse ou poderia ser menor. A gente preferiu a garantia”, completa.

Em nota, a Samarco afirma que o acordo “foi construído ao longo dos últimos anos com o envolvimento do poder público e segue como a única alternativa de negociação que assegura a continuidade e a conclusão definitiva da reparação”.

O advogado Tom Goodhead, CEO do Pogust Goodhead, afirma estar confiante de que o julgamento em Londres vai alcançar “a reparação justa e completa pelo enorme dano causado para os municípios e os atingidos”.

“Os prefeitos sempre deixaram clara sua disposição de negociar, mas a intransigência das empresas e o assédio judicial aos municípios são sintomáticos do comportamento dos causadores do maior desastre ambiental do Brasil nesses quase 10 anos”, completa.

Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão liberou 43,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos, provocando 19 mortes e gerando impactos para populações de dezenas de cidades mineiras e capixabas ao longo da bacia do rio Doce.

Municípios que já aderiram ao acordo de repactuação


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