Crise na saúde mental leva mais de 11 mil goianos a se afastarem do trabalho no último ano

O número de afastamentos no trabalho por transtornos mentais e comportamentais nunca foi tão alto no Brasil. Em 2024, o Ministério da Previdência Social registrou quase meio milhão de concessões de benefícios por incapacidade temporária devido a condições como ansiedade, depressão e estresse grave. Em Goiás, o cenário também é preocupante: o estado somou 11.119 afastamentos apenas no último ano. Entre os principais diagnósticos estão transtornos de ansiedade, com 2.953 registros, e episódios depressivos, que levaram 2.750 trabalhadores a se afastarem. 

Dez anos antes, em 2014, aproximadamente 203 mil brasileiros haviam sido afastados do trabalho devido a transtornos psicológicos. Desde então, os números dispararam, e o aumento de 68% entre 2023 e 2024 marca o maior crescimento em uma década. Goiás, por sua vez, teve 11.826 benefícios concedidos ao longo do ano passado.

Dados do Ministério da Previdência Social mostram que, entre os casos registrados no estado em 2024, os transtornos de ansiedade lideraram as concessões. Em seguida, aparecem o transtorno afetivo bipolar, com 2.795 benefícios, e os episódios depressivos, que resultaram em 2.750 afastamentos. Já o transtorno depressivo recorrente contabilizou 1.047 concessões, enquanto reações ao estresse grave e transtornos de adaptação somaram 365 casos. Outros diagnósticos incluem transtornos relacionados ao uso de múltiplas drogas e outras substâncias psicoativas, com 352 afastamentos, esquizofrenia, com 326, transtornos mentais e comportamentais decorrentes do uso de álcool, com 313, além de outros transtornos mentais associados a lesões cerebrais ou doenças físicas, com 130 concessões. O menor número de afastamentos no estado foi registrado para os transtornos específicos da personalidade, que totalizaram 88 casos em 2024.

Para compreender melhor os fatores que impulsionam essa epidemia silenciosa, o Jornal Opção conversou com Aline Da Mata, psicóloga especializada em comportamento humano e gestão organizacional. Segundo ela, a saúde mental dos trabalhadores está diretamente relacionada a um conjunto de fatores que vão além do ambiente corporativo. “Em relação a essa demanda de saúde mental dentro de espaços de trabalho, eu acredito que isso não envolve só uma condição vinculada ao trabalho, porque quando falamos de saúde mental, estamos falando de um contexto geral. A pessoa circula entre família, trabalho, amigos e instituições religiosas”, explicou.

Aline destaca que o avanço da tecnologia alterou significativamente as interações sociais, tornando o ambiente digital um fator determinante na forma como as pessoas lidam com o mundo real. “A tecnologia ocupa um espaço muito grande dentro da nossa vida, dentro do nosso dia, e isso de algum modo vai fazendo com que as nossas interações humanas passem por esse canal”, afirmou. 

Ela destaca que a exposição constante às redes sociais e a comparação com outras pessoas podem gerar sentimentos de inadequação e estresse. “As pessoas seguem desde Elon Musk até a tia no Facebook. Isso cria uma pressão por comparação e afasta as pessoas de um movimento de saúde emocional”, explica.

Para a especialista, essa mudança interfere diretamente na forma como os trabalhadores lidam com o estresse no ambiente profissional, especialmente quando há cobranças excessivas e pouca preparação emocional.

Fatores que contribuem para a crise da saúde mental no trabalho

O estresse excessivo, a pressão por resultados imediatos e a falta de segurança psicológica no ambiente corporativo são alguns dos principais gatilhos para o aumento dos transtornos mentais entre os trabalhadores. “O estresse excessivo é muito comum. As pessoas têm prazos curtos, pressão por resultados e falta de assertividade na liderança”, analisou Aline.

A psicóloga também destacou a ascensão da síndrome de burnout, um problema cada vez mais frequente em diversos setores da economia. “Do estresse excessivo, a gente tem o burnout, que é caracterizado por uma exaustão extrema desse trabalho. De fato, a pessoa entra ali numa despersonalização onde ela tem uma queda de desempenho devido a esse estresse”, explicou. Além do esgotamento, quadros de ansiedade e crises de pânico também estão se tornando mais recorrentes, afetando diretamente a produtividade e o bem-estar dos profissionais.

“ A ansiedade afeta o sono, a memória e a capacidade de concentração. Já as crises de pânico podem se manifestar como medo de sair de casa ou de interagir socialmente”, detalha Aline.

Entre os desafios que mais contribuem para a deterioração da saúde mental nos ambientes corporativos, Aline elenca três principais:

  1. Falta de comunicação eficiente: Quando a comunicação interna não flui, os trabalhadores tendem a sentir insegurança, o que aumenta os níveis de estresse e ansiedade.
  2. Liderança despreparada: A ausência de treinamento adequado para gestores resulta em tomadas de decisão arbitrárias e ambientes de trabalho tóxicos. “Empresas onde a comunicação não circula criam um ambiente de medo e insegurança. Líderes sem treinamento em gestão de pessoas tendem a cometer injustiças, o que gera mais estresse”, enfatizou Aline.
  3. Ausência de segurança psicológica: Funcionários que não têm espaço para expressar suas opiniões e que trabalham sob constantes cobranças sem retorno construtivo tendem a desenvolver transtornos emocionais mais rapidamente.

NR-1 e a nova obrigatoriedade de cuidados com a saúde mental no trabalho

Diante do agravamento da situação, novas regulamentações estão sendo implementadas para garantir que as empresas adotem medidas eficazes para a preservação da saúde mental de seus colaboradores. A partir de 28 de maio de 2025, entrará em vigor a alteração na Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), estabelecida pela Portaria nº 1.449 do Ministério do Trabalho e Emprego. A partir dessa data, fatores psicossociais como estresse, assédio e burnout precisarão ser incluídos no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) das empresas. 

Sobre a mudança, Aline Da Mata destaca a necessidade de um olhar mais estratégico para a gestão dos recursos humanos. “As empresas a partir de maio são obrigadas a se preocuparem com a saúde mental de seus colaboradores. Dentro das práticas da NR-1, o que eu traria de soluções para as empresas é: tenha um RH estratégico, que vai pensar na comunicação interna, na cultura desse negócio e no acesso a instituições que prestam atendimentos psicológicos”, explicou.

A psicóloga também enfatizou que não se trata apenas de oferecer suporte emocional, mas sim de estruturar mecanismos que promovam o bem-estar dos trabalhadores de maneira contínua. “A eleição de espaços onde as pessoas consigam trazer a opinião delas é fundamental. Treinamentos para gestores também são indispensáveis, já que esses profissionais ocupam posição de autoridade e suas decisões impactam diretamente na equipe”, complementou.

Como funciona o afastamento por saúde mental

O afastamento do trabalhador por motivos de saúde mental envolve um processo que exige acompanhamento profissional. Conforme explicou Aline da Mata, o trabalhador precisa passar por uma avaliação psicológica ou psiquiátrica para obter um diagnóstico que justifique o afastamento. Ela destaca que condições como burnout, estresse e crises de ansiedade não se resolvem em poucos dias, diferentemente de problemas físicos que podem ser tratados em curto prazo. “Não são problemas que se resolvem em três dias. Esses afastamentos costumam ser mais prolongados”, explica Aline.

Um dos pontos enfatizados por Aline é a importância do setor de Recursos Humanos na intermediação entre o colaborador e a empresa. Para ela, a presença de um RH estruturado pode facilitar a comunicação e viabilizar soluções como a antecipação de férias, além do próprio afastamento. “Mandar a pessoa para casa sem oferecer suporte pode piorar a situação. É preciso oferecer acompanhamento psicológico, psiquiátrico e até incentivar a prática de exercícios físicos, que liberam neurotransmissores como dopamina e serotonina”, diz.

O preconceito e o desafio do retorno ao trabalho

Outro desafio enfrentado por quem retorna ao trabalho após um afastamento por saúde mental é o preconceito. Aline alerta que, em muitas empresas, ainda há estigmas relacionados às questões emocionais e psicológicas. “É provável que haja um cenário preconceituoso quando o colaborador retorna ao trabalho após um afastamento. Isso pode gerar desmotivação ou até novos gatilhos”, afirma.

Para evitar esse problema, ela sugere que as empresas promovam ações psicoeducativas. “Palestras sobre saúde mental, técnicas de relaxamento e boas práticas de comunicação podem ajudar a desmistificar o tema e criar um ambiente mais acolhedor”, explica.

Saúde mental como prioridade: o que pode ser feito?

Aline finaliza com orientações tanto para os funcionários quanto para as empresas. “Para quem está passando por dificuldades, busque uma rede de apoio. Profissionais como psicólogos e psiquiatras estão preparados para ajudar. Dentro da empresa, procure uma liderança de confiança para falar sobre o que está acontecendo”, diz. Para a psicóloga, essa comunicação transparente pode evitar demissões e promover uma reintegração mais equilibrada ao ambiente corporativo.

Para as empresas, Aline da Mata reforça a importância de investir nas pessoas. Esse movimento, segundo a psicóloga, gera um impacto positivo para todos, promovendo um ambiente de trabalho mais acolhedor e estimulante, onde os colaboradores se sintam respeitados e motivados a contribuir com o crescimento da empresa.

“As empresas que investem em comunicação interna, capacitação de lideranças e reconhecimento dos colaboradores criam um ambiente mais saudável e produtivo. Isso beneficia tanto os funcionários quanto o negócio”, conclui.

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