Suspensão de parcerias entre PRF, PF e MP é retrocesso que custará vidas

Há duas semanas, uma notícia crucial sobre segurança pública passou relativamente despercebida pela imprensa, especialmente em Goiás. No dia 27 de fevereiro, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) cancelou todos os acordos de cooperação técnica com os Ministérios Públicos estaduais e com a Polícia Federal (PF). Jornais noticiaram o fato, mas o fim do compartilhamento de inteligência entre as instituições tem implicações enormes, e as razões do diretor-geral da PRF, Antônio Fernando Souza Oliveira, para tomar a atitude merecem análise aprofundada. 

A decisão faz com que os agentes que trabalhavam em parceria com os Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaecos), do Ministério Público, e com as Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (Ficcos), da PF, terão de retornar a suas unidades de origem. Na prática, fica inviabilizada a cooperação em prol da inteligência das polícias e do MP. 

O diretor-geral justificou que a PRF buscava evitar insegurança jurídica com a suspensão das parcerias com outros órgãos do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). “É preciso reavaliar a forma de atuação cooperada da PRF em todo o Brasil”, explicou em comunicado o diretor-geral da corporação, Antônio Fernando Oliveira.

A medida contraria as melhores práticas adotadas no mundo, que revelam que a segurança pública baseada em informações e inteligência é mais eficiente do que aquela fundamentada em policiamento ostensivo e repressão. É basicamente uma admissão de que o governo federal entende a segurança pública como nos anos 1970, quando a criminalidade era monitorada pelo agente na rua com seu “tirocínio”, e não por câmeras com reconhecimento facial. 

É ainda uma afronta ao próprio eleitor do governo Lula da SIlva (PT), que frequentemente critica (com razão) a brutalidade policial como meio de chegar à segurança. O antídoto para a violência do Estado não é a passividade das forças; é a prevenção da violência quando possível, e, quando inevitável, a ação cirúrgica e justa que afeta apenas aqueles em conflito com a lei, e não os inocentes. A única forma de chegar à essa precisão é com o uso da inteligência. 

Sobre a importância da colaboração entre as polícias, Marcela Rodrigues,  superintendente da PF em Goiás, afirmou em entrevista ao Jornal Opção de 7 de abril de 2024: “O primeiro programa lançado por Flávio Dino foi a Ficco, que significou uma união de esforços entre as diferentes forças policiais para a apuração dos principais crimes cometidos pelas facções e organizações criminosas. No ano passado, tivemos quase 500 mandados de prisão cumpridos em Goiás a partir dessa força integrada. A Ficco não significa apenas que as polícias passam a trabalhar juntas, existe inclusive uma destinação de verbas.”

Questionada sobre o mapeamento da rede de distribuição de drogas que encontra em Goiás um entreposto logístico, a superintendente respondeu: “A Polícia Federal trabalha com inteligência para mapear esse iter criminis. A Ficco é fundamental para montar esse quebra-cabeças. Como o sistema da Polícia Civil é diferente do da Polícia Federal, até um passado recente as forças não compartilhavam tantas informações. Com o programa de integração, cada instituição vem com suas peças para conseguirmos juntos montar esse quebra-cabeça. Antes, tínhamos conhecimento de elementos isolados do tráfico internacional. Agora, conseguimos filtrar e direcionar investigações de uma forma mais abrangente, abordando aspectos que antes ignorávamos”.

Durante o período em que as forças puderam atuar com mesmo objetivo, em 2022, os 489 agentes da PRF nos 3 mil quilômetros de rodovias de Goiás apreenderam 40 toneladas de drogas — mais que o dobro de qualquer outro ano. Cocaína e maconha vindos da Bolívia e Peru passam por Mato Grosso do Sul e Goiás — Jataí tem a quinta delegacia que mais aprende drogas em todo o país. O entrevistado dessa semana do Jornal Opção, Luiz Fernando Naves Sanches de Siqueira, ex-superintendente da PRF, fala com tristeza sobre a desestruturação dos órgãos.

Se a eficácia da integração é tão auto-evidente e se os próprios agentes policiais preferem trabalhar por eficiência, por que então a direção tem atuado em sentido contrário? Parte da explicação é o que aconteceu em 2022. O uso político da PRF durante as eleições levou a bloqueios de rodovias em regiões onde o opositor de Jair Bolsonaro (PL) era mais forte. Silvinei Vasques, então superintendente da força, ficou quase um ano preso por envolvimento com a tentativa de golpe de estado. 

Eleito com a bandeira da defesa da democracia, Lula da Silva precisou dar uma resposta ao golpismo que supostamente permeava a cultura organizacional da PRF. Sanches de Siqueira, que foi superintendente da PRF no período de Bolsonaro, foi impedido de ocupar qualquer posição de poder após 2023, não importando que tivesse estado à frente da corporação em seu período de maior eficiência. O mesmo se repetiu com superintendentes de outros estados. 

O desmonte dos órgãos de combate à criminalidade foi confundido com o desbaratar do golpismo, e o governo Lula desarticulou estruturas das polícias por entender que os chefes desses órgãos estavam em algum grau associados ao ex-presidente. O objetivo do novo governo (tornar mais republicanas as corporações) pode ou não ter sido alcançado, mas o trabalho dos agentes foi definitivamente dificultado. 

Pessimista, Sanches de Siqueira prevê que o resultado será visível em cerca de dois ou três anos. Menos apreensões de drogas significam mais orçamento para facções, mais armamentos e contingente em seus exércitos, enfim, mais conflitos. As consequência não necessariamente vão se manifestar em Goiás, que é mais um corredor logístico do que mercado consumidor de drogas, mas no Rio de Janeiro e São Paulo. 

Distante do problema geograficamente e temporalmente, será difícil associar a desarticulação da PRF em Goiás em 2025 com o aumento de conflitos no Sudeste em 2027. Para fazer a conexão, seria necessário investimento em inteligência.

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