Levantamento aponta que 3 em cada 10 entregadores de SP e RJ enfrentam insegurança alimentar

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ALÉXIA SOUSA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

Com uma mochila térmica nas costas e o celular como principal ferramenta de trabalho, entregadores por aplicativo se tornaram parte do cotidiano das cidades. Mas por trás da mobilidade constante e da aparente autonomia, muitos enfrentam um cenário de insegurança alimentar e falta de perspectivas.

Uma nova pesquisa da ONG Ação da Cidadania revela que 32% desses trabalhadores vivem em insegurança alimentar –ou seja, três em cada dez entregadores convivem com algum nível de restrição no acesso à alimentação, seja ela leve, moderada ou grave.

Realizado nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, o levantamento mostra que a condição desses trabalhadores é pior do que a média nacional entre a população ocupada, estimada em 9,4%. Quando se considera apenas os casos moderados e graves –em que há efetiva restrição alimentar–, a situação é ainda mais crítica.

“Isso significa que essas pessoas já vivem com restrição alimentar efetiva. Ou seja, ou não comem uma refeição completa, ou não têm acesso a proteína, ou precisam pular refeições para garantir que os filhos se alimentem. São dados alarmantes e acima da média nacional para trabalhadores em qualquer setor”, explica Rodrigo Afonso, diretor executivo da Ação da Cidadania.

Entregadores de aplicativos fazem o Breque dos Apps, com concentração no Pacaembu e motociata até a sede do iFood em Osasco Danilo Verpa Folhapress A imagem mostra uma grande multidão de motociclistas em uma estrada, todos usando capacetes. Alguns motociclistas levantam o punho em sinal de protesto. A maioria está vestida com jaquetas e camisetas de diferentes cores, e a cena é dominada por uma sensação de unidade entre os participantes. Além da fome, os dados mostram que quase 60% dos entregadores entrevistados trabalham todos os dias da semana, por cerca de dez horas por dia, sem qualquer tipo de vínculo empregatício ou proteção social.

“O trabalhador aceita essas condições pelo retorno financeiro imediato e por acreditar que pode controlar sua jornada. Mas, na realidade, ele paga pelo próprio trabalho e, muitas vezes, nem consegue se alimentar direito. É uma falsa sensação de liberdade que mantém essas pessoas presas a um ciclo de pobreza”, diz Afonso.

A maioria dos trabalhadores ouvidos é composta por homens, jovens e negros. Apenas 10% cursam ou concluíram o ensino superior, e a baixa escolaridade dificulta a inserção em outras áreas do mercado de trabalho.

O levantamento expõe ainda o alto risco desses trabalhadores. De acordo com o estudo, 41% dos entregadores já sofreram algum tipo de acidente durante as entregas e 16% precisaram se afastar por conta disso. No entanto, 90% não têm plano de saúde ou seguro de vida, e recorrem ao SUS para atendimento. Quase 70% não possuem seguro para seus veículos.

Os dados alertam ainda para o impacto desse modelo de trabalho no futuro desses trabalhadores. Cerca de 72% não contribuem com a Previdência Social, o que compromete sua aposentadoria e acesso a benefícios como auxílio-doença e licença-maternidade. O cenário é ainda mais alarmante considerando que 66,6% são chefes de família e dependem exclusivamente da renda das entregas.

“A gente está falando de um grupo que, quando chegar na velhice, provavelmente não terá direito à aposentadoria porque não conseguiu contribuir com o mínimo exigido. Isso significa que essas pessoas vão depender do BPC (Benefício de Prestação Continuada), que só pode ser acessado por quem está na extrema miséria”, afirma o diretor executivo da Ação da Cidadania.

Para Afonso, a pesquisa reforça a importância da regulação do trabalho intermediado por plataformas digitais. Ele defende uma legislação específica para esses trabalhadores e a criação de um modelo que garanta contribuições proporcionais ao tempo trabalhado.

“O que falta não é dinheiro para essas empresas, é prioridade. Elas lucram cada vez mais e seguem sem nenhuma obrigação de garantir condições dignas para os trabalhadores. Enquanto isso, o Estado, que deveria estar regulando, acaba financiando indiretamente o lucro dessas plataformas ao assumir os custos sociais dessa precarização”, afirma.

O levantamento será encaminhado a fóruns do Governo Federal, além da Câmara dos Deputados e do Senado. “A gente não está aqui criminalizando o setor privado. O que queremos é um modelo mais justo, que garanta direitos mínimos para quem faz esse trabalho essencial. O Brasil precisa enxergar que esse tipo de trabalho sem nenhuma segurança não é sustentável a longo prazo”, conclui Afonso.

A pesquisa foi realizada em agosto de 2024, com 1.700 entregadores por aplicativo nas cidades de São Paulo (1.146) e do Rio de Janeiro (554). O levantamento foi feito por meio de entrevistas presenciais com trabalhadores maiores de 18 anos, que atuam em plataformas de entrega de comida. A coleta de dados foi conduzida pelo Instituto Vox Populi, com questionário estruturado. O estudo é uma iniciativa da Associação Comitê Rio da Ação da Cidadania, em parceria com o Djanira Instituto de Ensino e Pesquisa e o Instituto de Nutrição Josué de Castro, da UFRJ.

Protestos no Brasil

Diante desse cenário, entregadores reivindicam mudanças no setor e, por isso, realizam protestos em todo o país. Na última terça-feira (1º), um grupo se reuniu em frente ao Palácio da Cidade, em Botafogo, na zona sul do Rio, em um ato que fez parte da paralisação nacional iniciada na segunda (31). Protestos também ocorreram em estados como São Paulo, Paraná, Goiás, Maranhão, Ceará, Minas Gerais e Rio Grande do Norte.

Entre as principais demandas da categoria estão:

o Reajuste da taxa mínima por entrega: de R$ 6,50 para R$ 10;
o Aumento do valor pago por quilômetro rodado: de R$ 1,50 para R$ 2,50;
o Limitação das rotas de bicicleta: máximo de 3 km por pedido;
o Pagamento integral por entrega, sem cortes quando há múltiplos pedidos no mesmo trajeto.

Empresas defendem modelo de trabalho flexível

A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que representa a maioria das empresas do setor, afirma que suas associadas “buscam equilibrar as demandas dos entregadores e a situação econômica dos usuários”. A entidade também declarou apoiar a regulamentação do trabalho intermediado por plataformas digitais para garantir segurança jurídica e proteção social aos trabalhadores.

Já o iFood disse ainda que estuda um reajuste no valor pago por quilômetro rodado ainda este ano e destacou que seus entregadores cadastrados têm acesso a um seguro pessoal gratuito para casos de acidentes, além de planos de saúde e apoio jurídico.

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