Acordo que destravou emendas teve reuniões secretas e ‘climão’ nos bastidores

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MARIANNA HOLANDA E RAPHAEL DI CUNTO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A decisão do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), de homologar o acordo para destravar as emendas parlamentares se deu após semanas de articulação para reaproximar os Poderes, envolvendo intermediários, reuniões sigilosas e conversas que intercalavam um clima de descontração e momentos de tensão.

Nesses encontros, Dino fez a cobrança que, em última instância, levou à aprovação do acordo: a individualização do nome dos autores das emendas de relator e de comissão, uma das principais exigências de transparência que, na visão do ministro, vinham sendo descumpridas pela cúpula do Congresso.

O magistrado mantém desde janeiro conversas reservadas com os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP), respectivamente. Os encontros ocorreram inclusive antes da eleição dos dois, em 1º de fevereiro, segundo interlocutores.

Essas reuniões, mantidas sob sigilo e fora da agenda oficial, buscaram distensionar a relação entre os dois Poderes, além de se chegar a um acordo para o cumprimento das regras estabelecidas pelo STF de aumentar transparência e rastreabilidade das verbas.

As emendas de relator e de comissão se tornaram alvo de críticas por não identificarem o parlamentar responsável por decidir como seria gasto o dinheiro público.

As conversas culminaram na homologação do plano apresentado pelo Congresso Nacional, na véspera da decisão, que propõe divulgar o nome dos autores das emendas para conseguir a liberação dos recursos.

Para isso, será aprovado um projeto de resolução no plenário, as emendas serão votadas pelas comissões temáticas, e os sistemas internos das duas Casas serão adaptados.

A necessidade de identificação do autor foi mencionada pelo próprio ministro em encontro com líderes da Câmara na semana passada. A reunião, informal e feita sob reserva, iniciou uma reaproximação com o Dino, após meses de crise.

O almoço ocorreu na semana passada na casa do ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e contou com pouco mais de dez pessoas, entre elas o ministro do STF Gilmar Mendes. Segundo relatos de participantes, foi espécie de “quebra-gelo”.

Apesar da informalidade, não houve recuo do ministro quanto às suas decisões de cobrar maior transparência e rastreabilidade. A reportagem apurou que Dino disse haver regras em qualquer lugar.

Em determinado momento, ele afirmou ainda que a questão das emendas estava 85% solucionada, faltando apenas 15%.

Nesse percentual faltante, mencionou a questão da individualização das emendas, contas específicas para repasses na saúde e plano de trabalho para as “emendas Pix”, ou seja, transferidas diretamente para os caixas do ente beneficiado sem identificação do projeto a ser contemplado.

A medida foi contemplada na decisão de Dino desta quarta-feira.

No almoço, o ministro do STF foi questionado por parlamentares a respeito do inquérito aberto no ano passado sobre R$ 4,2 bilhões de emendas parlamentares, suspensas por determinação dele. Na época, ele atendeu a uma representação do PSOL, que citou ofício encaminhado ao governo assinado por 17 líderes de partido.

De acordo com parlamentares, Dino disse que não abriu inquérito para investigar os líderes e sim para apurar as emendas, mas que os líderes poderiam eventualmente ser implicados caso constatada alguma irregularidade.

Esse foi um dos momentos de tensão no encontro, e o magistrado disse que não pode deixar de apurar uma informação que chegasse a ele. Afirmou ainda que já foi da política, mas que hoje é juiz e não vai prevaricar.

Em outro momento em que o clima pesou, o deputado Elmar Nascimento (União-BA) falou sobre a operação Overclean, na qual foi alvo. Dino não teceu comentários sobre nenhum caso específico.

Apesar disso, no geral, a conversa foi em tom descontraído. E, segundo parlamentares, cumpriu o objetivo que era de melhorar a relação para destravar as emendas.

Participaram do encontro líderes como doutor Luizinho (PP-RJ), Mário Heringer (PDT-MG), Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), Antonio Britto (PSD-BA), o presidente do Solidariedade, Paulinho da Força (SP), entre outros.

Além desse almoço, Dino teve reuniões “bilaterais” com Motta e Alcolumbre para expor os limites do que o STF aceitaria. Na avaliação de líderes partidários, a decisão do ministro soluciona o impasse sobre as emendas e permite apaziguar a crise.

Motta foi às redes sociais comemorar a homologação. “[A decisão] É resultado dos esforços do Legislativo em dialogar com os demais Poderes. É também um reconhecimento das prerrogativas dos parlamentares”, disse.

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