Entenda as raízes de Fernanda Torres no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro

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RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

Fernanda Torres se lembra bem do dia em que o elevado Paulo de Frontin, no Rio Comprido, na zona norte da capital fluminense, desabou. Era um sábado, 20 de novembro de 1971. Duzentos metros de cimento armado caíram sobre 20 carros, além de um ônibus e um caminhão, e 48 pessoas morreram.

Torres tinha seis anos e se arrumava para visitar os avós paternos na Tijuca, bairro vizinho ao Rio Comprido, quando soube do desastre pela televisão. Em suas memórias também está a rua Padre Elias Gorayeb, onde ficava a casa da família de seu pai, o ator e produtor Fernando Torres.

“Era um apartamento de três andares no fim da rua, do lado de um rio que marca o limite da ruazinha. A gente brincava na rua, comia no café Palheta, na lanchonete, e ia ver filmes nos cinemas da praça Saenz Peña”, diz a atriz.

Do universo de artistas que estarão presentes na cerimônia do Oscar, no próximo domingo, só Torres é tijucana, algo de que ela se orgulha. “Minha família morava no Jardim Botânico. Como meus pais trabalhavam muito no fim de semana, no teatro, passei grande parte da infância ali.”

O café Palheta virou uma farmácia, os cinemas da praça viraram uma igreja. A rua onde a família de Torres morou não era um estacionamento informal de carros, como hoje, nem tinha tantos espaços de fisioterapia e farmácias de manipulação.

No cenário, a Tijuca da infância de Torres, que hoje vive na zona sul, é bem diferente. Mas no jeito de ser parece a mesma -um lugar de classe média que encontra o orgulho próprio menos na paisagem e mais no estado de espírito. Um bairro de memorabilia.

Da união entre Fernando Torres e Fernanda Montenegro, uma carioca de Madureira, também na zona norte, nasceu Fernanda e Cláudio Torres, que virou um diretor de cinema. As crianças passavam finais de semana na Tijuca.

“Meus primos, Aline e Chico, moravam no apartamento com minha tia Ilma, o tio Paulo, e minha tia-avó Suzel. Foi o apartamento em que o meu pai cresceu”, conta Torres. “Eu era sócia do Tijuca Tênis Clube, fui a muito baile de Carnaval no clube. Fui dama de honra da vizinhança.”

É dessa época que o benemérito do Tijuca Tênis Clube, Jorge Amaro da Silva Pinto, de 71 anos, diz se lembrar da presença de Torres ainda criança por ali. “Em 1975, montamos uma discoteca no clube chamada Baby Boate. Este negócio foi crescendo e por algumas vezes vi Fernanda aqui com uma prima”, afirma. “Eles eram uma família tijucana raiz.”

A Tijuca fica na zona norte, mas está mais perto da zona sul e do centro do que seus vizinhos do subúrbio. O bairro, longe do mar, fica aos pés do maciço da Tijuca, cadeia de montanhas coberta pela floresta.

Na cultura, a Tijuca é berço de Tim Maia, Erasmo Carlos, Ivan Lins e Lucinha Lins -a relação entre os dois começou no bairro-, além do compositor Aldir Blanc. O bairro também ajudou a criar laços para os vizinhos Luiz Melodia e Gonzaguinha, do Estácio, Jorge Ben Jor, do Rio Comprido, e Roberto Carlos, que morou no Lins de Vasconcelos, mas passava temporadas na casa da tia Amélia, na Tijuca, período da vida contado na canção “Minha Tia”.

Na década de 1970, formavam a classe média tijucana alguns artistas, advogados, militares e funcionários públicos sem rumo, num Rio de Janeiro pós-perda da capital federal para Brasília.

Torres se lembra do início da construção do metrô, em 1976. “O bairro virou um canteiro de obra com barulho e poeira. Perdeu a qualidade de vida que tinha”, diz. As três estações do bairro foram inauguradas em 1982. “Quando fecharam o buraco, minha avó já tinha ido, minha tia-avó também, tio Paulo separado. Mas me sinto muito ligada à Tijuca.”

Com população maior do que Copacabana -são 142.909 tijucanos e 128.919 moradores de Copacabana-, a Tijuca tem escolas, universidades, hipermercados e shoppings e ainda possui comércios antigos, como açougues, sapatarias e bares sem nome, em que os boêmios parecem observar o movimento frenético da rua em outro compasso.

O advogado e escritor Eduardo Goldenberg, de 56 anos, autor do livro “Tijucanismos”, foi um desses boêmios. Hoje morador de Copacabana, ele vê semelhanças entre os dois lugares. “Existe uma inacreditável cultura da fofoca nos dois bairros. É de uma cafonice emocionante”, diz o escritor, que era amigo próximo de Aldir Blanc, morto em 2020. Blanc, ele acrescenta, foi quem melhor soube traduzir o microcosmo Tijuca.

Em telefonemas diários, ao longo de 25 anos de amizade, Goldenberg e Blanc teorizavam se o tijucano médio é um ser conservador. “O tijucano é mais tradicionalista do que conservador. A Tijuca tem essa coisa da família toda junto nos almoços de domingo, mesmo que todos queiram se matar depois da sobremesa.”

Apesar de hoje ter o mar de Copacabana mais próximo, Goldenberg ainda tem a Tijuca como o cenário de um dia perfeito. “Acordar muito cedo, tomar café, ir à feira e beber de manhã -a cerveja passou a noite toda na geladeira, ainda não tem nenhum chato no bar. Depois voltar para casa, fazer um almoço para os amigos e terminar o domingo no Maracanã.”

Antes dos bares, escolas, cinemas e Maracanã, antes mesmo da formação das favelas, a Tijuca era toda uma plantação de café. “O café chega à Tijuca pelo clima, a água abundante e a disponibilidade de terreno. É um tipo de planta que gosta de relevo alto, e a Tijuca oferecia essas condições. Nobres do império e comerciantes portugueses investem no café usando a mão de obra escravizada”, conta Mário Brum, professor do departamento de história da Uerj, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Na metade do século 19, as árvores da mata atlântica que hoje compõem o maciço da Tijuca já estavam todas cortadas e tinham dado lugar aos cafezais. Um reflorestamento aconteceu a partir de 1850. “Nessa época, o centro está densamente povoado, abafado e sujeito a epidemias. Uma atmosfera úmida e insalubre. Tijuca e Botafogo se tornam áreas destinadas a uma certa elite da cidade. Famílias abastadas passam a ocupar a Tijuca em palacetes, chácaras, casas com quintal.”

Fábricas ocuparam terrenos da Tijuca na primeira metade do século 20, espalhando pelo bairro vilas operárias e construções sobre os morros, que deram início às favelas. Os morros do Salgueiro, Borel e Turano foram batizados com sobrenomes dos donos das terras da região.

“Herdeiros do Emílio Turano quiseram despejar os moradores nos anos 1950, e eles conseguiram permanecer. O morro passou a se chamar Morro da Liberdade durante um tempo, depois voltou a prevalecer o nome Turano. No Borel, surgiu a União dos Trabalhadores Favelados também por conta de uma resistência.”

Na noite em que Torres venceu o Globo de Ouro de melhor atriz, por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”, a Tijuca fervilhava. Era 5 de janeiro, primeiro domingo deste ano, ápice do verão. A escola de samba Acadêmicos do Salgueiro fazia uma apresentação gratuita em frente a um bar na praça Niterói e o morro da Formiga estava em festa com as tradicionais folias de reis.

Na noite do domingo, a Tijuca deve fervilhar mais uma vez. Seis blocos estão programados para desfilar pela região, além do desfile da vizinha Mangueira na Marquês de Sapucaí. Os bares estarão abertos e alguns se preparam para exibir transmissão televisiva dupla, com revezamento entre as escolas de samba e a cerimônia de premiação. Duplos também serão os chopes, todos esperam, para celebrar a vitória.

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