Estamos muito confiantes, afirma advogado sobre julgamento de Mariana (MG) em Londres

tragédia mariana

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS)

Tom Goodhead estará no tribunal em Londres nesta semana acompanhando o “nado sincronizado” da mineradora anglo-australiana BHP, que seu escritório processa na Inglaterra pelo desastre de Mariana (MG), a maior tragédia ambiental da história do Brasil. A descrição do advogado galês é uma brincadeira como o fato de os defensores da mineradora anglo-australiana sempre repetirem os argumentos.

Podem ser repetidos, mas são sólidos. A empresa diz que não pode ser responsabilizada por ações de uma subsidiária, a Samarco, joint-venture com a Vale; que não houve negligência no manejo da barragem do Fundão; que já assinou um acordo de repactuação, com anuência das autoridades brasileiras, o que tornaria uma eventual derrota na Inglaterra como uma espécie de segunda punição.

A ação, em curso desde outubro passado e que analisa o problema à luz do direito ambiental brasileiro, está em suas considerações finais. Goodhead, CEO do escritório Pogust Goodhead, diz que seu time está confiante e já se prepara para a fase seguinte do processo. Se a juíza do caso aceitar o pedido de responsabilização, o próximo passo será determinar quem tem direito a ela e valores. Uma sentença é aguardada para meados deste ano e o eventual prosseguimento, para outubro de 2026.

Em entrevista, Goodhead diz acreditar que o processo no exterior acelerou o acordo no Brasil, mas que seus clientes, mais de 640 mil pessoas físicas e jurídicas e 31 prefeituras, terão “um campo de jogo mais nivelado” para buscar ressarcimento em Londres. Há muito mais dinheiro para dividir na ação coletiva (R$ 260 bilhões contra R$ 170 bilhões da repactuação), mas também problemas, como o dilema de quem desistiu de um processo para receber do outro. “Não há uma resposta boa para isso.”

Vinte e seis dos 49 municípios elegíveis aderiram à repactuação e mais de 50 mil pessoas se cadastraram no PID (Programa Indenizatório Definitivo), que prevê R$ 35 mil sem discussão. Os números surpreenderam o departamento jurídico da BHP, que não esperava tanta recepção por causa do Carnaval.

Qual é o seu balanço sobre o julgamento até aqui?

Estamos extraordinariamente confiantes. A BHP é uma poluidora e, segundo a lei brasileira, poluidores devem pagar. Eles extraíram bilhões e bilhões de dólares em dividendos da Samarco por um período de quase 40 anos em que estiveram na posse e operação da empresa. E aí tivemos o pior desastre ambiental da história do Brasil. A questão principal é que eles são responsáveis por indenizar as vítimas. Não acreditamos que isso seja controverso. Há outras questões sendo discutidas, se as vítimas trouxeram suas reivindicações a tempo, se os municípios têm o direito de litigar no exterior, renúncias que as vítimas assinaram quando receberam valores muito modestos de compensação sete, oito anos atrás. Novamente, não achamos que nenhuma dessas questões seja controversa. Estou extremamente confiante de que a juíza ficará do lado das vítimas do caso.

Havia cerca de 40 municípios no começo da ação, e parte deles estão entre os 26 que acabaram assinando a repactuação no Brasil. Isso prejudica a argumentação?

Para ser franco, um tribunal inglês não vai se importar com isso. A juíza é muito experiente, muito capaz, decidirá com base nas evidências apresentadas em relação às reivindicações de quem quer que esteja diante do tribunal. Em relação aos municípios, obviamente é decisão de cada um sobre o que é melhor para a cidade e para as pessoas que vivem nela.

Acho que ainda há 31 municípios na ação dos 46 originais. A BHP disse ao mundo no fim da primeira semana do julgamento, quando assinaram a repactuação no Brasil, que o acordo resolveria tudo. Alguns aderiram, sentiram que não tinham outra escolha. Receberão valores ao longo de 20 anos que, em muitos casos, não correspondem às perdas que realmente sofreram. Muitos municípios brasileiros estão sob pressão fiscal significativa. Há histórias de que nem mesmo conseguiu pagar o 13º salário. Infelizmente, as empresas conseguem usar isso. É assim há nove anos e meio, desde o desastre.

Ao mesmo tempo, uma decisão na Inglaterra também levaria anos para reverter recursos aos municípios.

Isso está superestimado. O julgamento já foi agendado para outubro de 2026 para o valor dos danos. O trabalho já está em andamento. Veja, já são nove anos e meio, a corte não permitirá atrasos adicionais. E há também o que, na Inglaterra, chamamos de pagamento provisório: se os municípios forem bem-sucedidos, eles poderão peticionar ao tribunal que devem receber parte de seu valor e isso poderia ser feito no final deste ano ou no início do próximo ano. Então é concebível, considerando tudo, que as coisas poderiam levar talvez mais três anos, por exemplo. Prefeitos têm mandato, estão ansiosos para saber se isso estará resolvido dentro do prazo. Dado onde estamos nos procedimentos agora, é extremamente provável que tudo seja resolvido dentro do mandato.

Recentemente houve uma atualização no contrato com os clientes da ação. Ficou mais evidente que quem desistir do processo pode ser eventualmente chamado a indenizar o escritório pelos custos da ação.

Sempre tivemos essa cláusula em nossos contratos, desde 2018. A razão é que esses casos custam centenas de milhões de libras para litigar. Quero dizer, a BHP e a Vale sozinhas gastaram mais de 150 milhões de libras (R$ 1,1 tri) se defendendo na Inglaterra e, imagino, outras centenas de milhões de libras no Brasil também.

Tem que haver uma realidade comercial para fornecer um serviço e tem que haver uma cobrança por isso.

Essa realidade é a proteção contratual. No entanto, há uma diferença entre ter uma proteção e realmente fazer cumprir um contrato. Eu represento mais de 3 milhões de pessoas em todo o mundo, e uma vítima pode aderir a um acordo diferente ou desistir de uma reivindicação. Nunca procurei dinheiro de qualquer vítima que já representei em qualquer lugar do mundo em qualquer caso. E não tenho intenção de fazer isso.

O que essa proteção contratual permite é que eu persiga a BHP por meus honorários quando ela monta um esquema para as pessoas reivindicarem compensação diretamente. Não é apenas meu escritório que é alvo disso, mas também advogados brasileiros que têm acordos com vítimas. Quando explico isso, todos entendem que eu preciso disso para poder prosseguir.

O senhor já declarou que ser responsável por uma ação de risco de um bilhão de libras o mantinha vigilante à noite. A de Mariana vale 36 bilhões, é o maior caso de seu escritório, pode ser um sucesso, mas também um fracasso gigantesco.

É um peso enorme. No fim das contas, são meus clientes que me preocupam em relação a tudo que faço.

Assumir um financiamento assim foi necessário para enfrentar a BHP e a Vale. Temos casos contra a família Cutrale, Braskem, Norsk Hydro, Repsol, grandes empresas.

Um bilhão de libras parece muito dinheiro, mas comparado ao valor de mercado da Vale ou da BHP, é uma gota no oceano. O que tenho tentado fazer é equilibrar um pouco o campo de jogo, permitindo que as vítimas tenham alguma chance. Considero os advogados que trabalham para mim alguns dos melhores do mundo, incluindo brasileiros que trabalham em nosso escritório em Londres. E temos parcerias com escritórios de advocacia no Brasil, muitas vezes com advogados jovens, ambiciosos e idealistas.

É uma grande pressão, mas eu não estaria nesses casos se não acreditasse neles. Investidores institucionais, seguradoras e outros nos apoiaram repetidamente nos últimos sete anos. Isso não significa que vamos ter sucesso, mas acho que dá um conforto tanto para as vítimas como para meu escritório.

O julgamento na Inglaterra se dá à luz do direito ambiental brasileiro, ao mesmo tempo que no Brasil se discute questões como soberania. Há um saldo no processo?

Acho que já aconteceu: a repactuação, o acordo de R$ 170 bilhões. Claro que não é um acordo perfeito.

Para as vítimas e para os municípios em particular, foi um acordo muito ruim. Eles foram excluídos da negociação. Mas acho bom que haja verbas indo para o governo federal, para os estados, que serão usados em programas que certamente beneficiarão as regiões afetadas.

A reivindicação na Inglaterra colocou uma pressão significativa sobre as empresas e sobre as instituições para fazer um acordo. Certamente foi um acordo muito melhor do que, por exemplo, o TAC de 2016. Esta é a terceira tentativa de resolver o caso Mariana no Brasil. Houve movimentos positivos. Eu li muitos discursos de membros do Judiciário brasileiro, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), de promotores públicos. Não sou brasileiro, não estou qualificado para comentar em detalhes. Mas, como alguém que é apaixonado pelo país e pela legislação brasileira, acho que as coisas têm sido bastante positivas.

Sobre soberania, as empresas tentam usar essa retórica de ataque à soberania nacional, que o Brasil não é uma colônia. O irônico é que não estamos processando uma empresa brasileira, mas sim uma empresa australiana. E estamos usando a lei ambiental brasileira em uma corte inglesa. Acho incrivelmente empoderador isso, descrevo como colonialismo reverso.

Em caso de vitória de seu escritório, o senhor acredita em uma proposta de acordo?

Para ser honesto, estou surpreso que ainda não tenham feito um. Eu estava no tribunal hoje [sexta-feira (7)], ouvindo nossos advogados explicando a negligência da BHP em relação ao colapso da barragem, o financiamento ao Ibram [Instituto Brasileiro de Mineração] para patrocinar a ADPF [ação de descumprimento de preceito fundamental] no STF [Supremo Tribunal Federal], a tentativa de impedir centenas de milhares de vítimas de receberem qualquer forma de compensação. Em última análise, acredito que serão racionais porque são a maior ou segunda maior empresa de mineração do mundo.

Eles têm que proteger seus acionistas. Mas já fui surpreendido antes.

No processo que o senhor patrocina, há dezenas ou centenas de milhares de pessoas físicas que podem viver a situação de ter renunciado ao caso para aderir à repactuação. O que acontecerá com elas em caso de vitória do seu escritório?

Essa é realmente uma pergunta boa. Sob os termos do acordo da repactuação, elas têm de desistir da reivindicação na Inglaterra ou instruir meu escritório de advocacia que vão desistir da reivindicação ou dar à BHP o direito de apresentar ao tribunal inglês evidências do acordo de adesão que assinaram. É algo que fizemos o nosso melhor para instruir e explicar. As pessoas tiveram a escolha de aceitar um valor muito menor, especialmente considerando juros e inflação. Eu viajo bastante pelo Brasil. As pessoas são abordadas por advogados, são convidadas a assinar coisas. São abordadas pelas empresas, que dizem ‘assine aqui, receba dinheiro’. Elas nem sempre entendem as consequências do que estão desistindo. É uma preocupação real, mas não há uma boa resposta para isso.

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