O lembrete a Gayer de que o Parlamento não é boteco

Um levantamento do instituto Locomotiva/Ideia Big Data divulgado há alguns anos apontou que impressionantes 96% dos brasileiros não se sentiam representados pelos políticos do País. Ainda segundo a pesquisa, que ouviu 1.500 pessoas com 18 anos ou mais, 95% dos entrevistados disseram que os políticos não são transparentes, e 89% responderam acreditar que os eleitos não se preparam para desempenhar bem seus mandatos.

A pesquisa foi divulgada ainda em 2018. Contudo, a maior parte dos mandatários que atua no Congresso Nacional hoje, e a postura que eles adotam dentro e fora do Parlamento, leva a crer que se trata de uma percepção atemporal do brasileiro – e que se a pesquisa fosse feita hoje, em 2025, os 96% poderiam, quiçá, encostar nos 100% de decepcionados com a política e seus representantes.

A impressão que se tem é de que o modus operandi da maioria massiva do Congresso de legislar em causa própria é o fundo do poço. Entra mandato, sai mandato, projetos de lei, requerimentos e PECs que contrariam totalmente os interesses da população e beneficiam um pequeno grupo político e/ou econômico continuam a ser pautados com uma urgência inusitada, tramitando sem embaraços.

De absurdos mascarados, como propostas que adequam o processo de indicação de emendas parlamentares ao Orçamento, mas mantêm brechas que ocultam a identidade dos parlamentares que repassam a verba, até o mais esculachados, como o projeto – pasme, caro leitor – votado em regime de urgência (dispensando prazos padrões e avaliação de comissões temáticas) que equipara o aborto a homicídio, até em casos de estupro (em que a gestação transcorre há 22 semanas ou mais), parlamentares (leia-se, não todos) pautam quase que diariamente os mais extremos disparates, em um quase teste de sanidade e paciência para o brasileiro.

No entanto, há aqueles que surgem para nos fazer ver que, o que se pensa que é o fundo do poço, é apenas o primeiro piso dele. O deputado federal Gustavo Gayer é um exemplo disso. O parlamentar, de maneira constante e naturalizada, usa o espaço e a voz que possui na Câmara dos Deputados para atacar adversários políticos, incitar linchamentos virtuais contra desafetos (sejam eles colegas parlamentares ou não) e achincalhar qualquer um que discorde do nobre parlamentar em suas posições. Mas na última semana, Gayer ultrapassou seus próprios limites quando o quesito é degradação e o desvirtuamento da boa política. 

O parlamentar havia começado sua argumentação partindo de um muito sensato princípio. Oportunismo ou não, como alguns apontaram, Gayer apontou e condenou acertadamente uma fala de tom extremamente machista e misógina do presidente Lula da Silva sobre a agora ministra Gleisi Hoffmann. Disse o chefe do Executivo federal: “Eu quero mudar, estabelecer a relação com vocês; por isso, eu coloquei essa mulher bonita para ser ministra de Relações Institucionais”. Um presidente da República utilizar como critério de competência a aparência física de uma mulher é, e sempre será, uma demonstração descarada e asquerosa de machismo.

E isso foi bem pontuado, sim, por Gayer. Até certo ponto. O desenvolvimento da argumentação do nobre parlamentar nos trouxe de volta à realidade, de que ele se porta de modo a justificar os 96% de brasileiros que não se sentem representados pela classe política. Afirmou Gayer, em suas redes sociais: “Me veio a imagem a imagem da Gleisi, Lidbergh [namorado de Gleisi] e Davi Alcolumbre [presidente do Senado] fazendo um trisal. Que pesadelo!”.

Gayer, mais uma vez, tirou a tampa do esgoto e conseguiu o feito de chocar até mesmo os mais acostumados com suas “façanhas”.  O efeito político, claro, foi imediato. Alcolumbre já avisou que entrará com uma ação na Justiça contra o deputado federal e, também, pedirá sua cassação no Conselho de Ética da Câmara. Gayer, claro, apagou a postagem e tentou se justificar em um áudio enviado ao presidente do Senado por um aplicativo de mensagens instantâneas – áudio que teria sido sumariamente ignorado.

Gustavo Gayer, agora, está com medo. Ele sabe das consequências que poderá enfrentar em razão de sua fala abjeta e desrespeitosa. Não à toa, diz-se que o PL, seu partido, monta uma força-tarefa para tentar reverter a situação. A cassação de Gayer (que há tempos já não anda bem das pernas com a Justiça, tendo virado réu recentemente por calúnia e difamação contra Vanderlan Cardoso) estremeceria uma base bolsonarista já apavorada com a possibilidade de prisão de seu líder maior.

É triste ter a percepção de que o brasileiro não se sente representado pela classe política. Mas seria ainda mais triste se ele se sentisse contemplado por parlamentares que se portam como se estivessem se embriagando em um boteco de esquina e vão a público falar em “trisal” entre deputados e senadores. A pesquisa mencionada no começo deste artigo me preocupou, mas também me acendeu uma luz de esperança.

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