De Castello Branco à Medici, os primeiros governos da Ditadura e a violenta repressão

O período mais sombrio da história política brasileira — iniciado em 1964, quando os militares derrubaram o presidente João Goulart e tomaram o poder, até o processo de redemocratização, em 1985, com a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral — reservou um desprezo especial por políticos, militantes, militares e população de Goiás. O Jornal Opção mostrou na primeira reportagem desta série — que vai de Jânio Quadros (1961) até os primeiros dias do golpe — que os militares planejaram e iniciaram a execução do que seria um massacre na Praça Cívica em novembro de 64, com a explosão de bombas e até caças que sobrevoaram o local onde estavam mais de 10 mil pessoas que lutavam pela permanência do governador eleito, Mauro Borges Teixeira.

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Fotografia mostra três bombardeiros sobream a Praça Cívica em ameaça às manifestação a favor de Mauro Borges | Foto: Hélio de Oliveira

A defesa pela legalidade iniciou-se, para Mauro Borges, ainda em 1961, quando Jânio da Silva Quadros renunciou e João Goulart, o Jango, foi impedido de assumir a Presidência da República.

Naquele período, Mauro Borges se alinhou ao governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola para defender a posse de Jango. O movimento ficou conhecido como Rede da Legalidade.

Mauro Borges chegou a armazenar armas para defender a posse de Jango e montou barricadas no topo do Palácio das Esmeraldas. Mas se afastou do presidente após embate pela companhia de siderurgia estatal criada pelo governador e apoiou a deposição do presidente pelos militares. O governador goiano era coronel do Exército e amigo de Castello Branco, o primeiro presidente militar.

O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, foi o primeiro a ser destituído pela ditadura. Ele foi preso em 1º de abril de 64 no quartel do Derby, em Recife, e depois exilado na Argélia por ser considerado “subversivo”. Na verdade, ele apoiava as reformas de base de Jango e se opôs ao golpe civil-militar. Na sequência, os militares destituíram Seixas Dória (Sergipe), Celso Peçanha (Rio de Janeiro), Francisco Lacerda de Aguiar (Sergipe), Newton Bello (Maranhão), além de outros 10 chefes de Estado civis.

Ao apoiar o golpe de 64, Mauro Borges ficou mais tempo no poder, mais do que outros governadores. No entanto, por não ter deixado o governo e nem ter renunciado, passou a ser visto com desconfiança pelos militares, sobretudo pela linha dura (general Costa e Silva), que tinha ramificações em Goiás (Hélio de Brito, Ary Valadão, entre outros). As ameaças e movimentações das tropas para a capital goiana se deram pelo Decreto de Intervenção Federal em Goiás, de 1964, que colocava como interventor o ex-comandante do 16º Batalhão de Caçadores de Cuiabá Carlos de Meira Mattos. O general substituiu Mauro Borges, que era acusado de adotar medidas subversivas e manter um governo com tendências comunistas. O gestor goiano chegou a afastar pessoas de esquerda do governo, mas era tarde. Entre os “comunistas” que colaboravam com o governante do PSD estava Tarzan de Castro, hoje com 86 anos. Ressalte-se que Mauro Borges não era comunista. Era nacionalista.

Fim do governo de Mauro Borges e início das perseguições

O general João Baptista Figueiredo, último presidente do regime militar, revelou em uma entrevista à “Folha de S.Paulo”, em 1978, o desprezo que os militares brasileiros sentiam pela população goiana e nordestina. Proibidos de gravar ou tomar notas da conversa, os repórteres Getúlio Bittencourt e Haroldo Cerqueira Lima reproduziram cada palavra dita pelo general. Ao ser questionado sobre o voto direto para presidente da República, Figueiredo afirmou que o eleitor brasileiro não tinha o nível do eleitor americano ou do francês. O general lembrou que Getúlio Vargas, que, nas palavras dele “fez uma ditadura sanguinária e acabou sendo eleito [em 1950] para rejeitar a ideia de pôr fim ao regime de escolha indireta”. O pai de Figueiredo foi preso e exilado no governo de Vargas.

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Indagado se o povo só aprenderia a votar, votando, Figueiredo disse que era verdade, desde que feito aos poucos. “Vejam se em muitos lugares do Nordeste o brasileiro pode votar bem, se ele não conhece noções de higiene? Aqui mesmo em Brasília, eu encontrei outro dia, num quartel, um soldado de Goiás, que nunca escovara os dentes e outro que nunca usara um banheiro. E por aí vocês me digam se o povo já está preparado para eleger o presidente da República”.

Esse desprezo se refletiu no exílio de 19 políticos durante a ditadura civil-militar, além da morte e tortura de políticos, militantes e camponeses goianos. Segundo a Associação dos Anistiados do Estado de Goiás (ANIGO), estima-se que cerca de 500 pessoas foram punidas ou indiciados por crimes políticos pelo Estado brasileiro no estado de Goiás durante o período do regime.

CIA, Intelligence Information Cable sobre “Saída de Goulart de Porto Alegre para Montevidéu”, 2 de abril de 1964 |

Fita de áudio da Casa Branca, o presidente Lyndon B. Johnson discutindo o golpe iminente no Brasil com o subsecretário de Estado George Ball, 31 de março de 1964

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A explicação, dada por Elio Chaves Floes, em “A Gestão do Último Eldorado Brasileiro”, reforça que a conjuntura brasileira pós-anos 1960 passou por uma rica transformação político-social, iniciada na ” ruptura e banimento do populismo desenvolvimentista da órbita do governo e do próprio Estado (1961-1966)”. A partir de 1966 há uma radicalização político-ideológico com a mistura do militarismo com o setor burocrático e a esquerda, formada por estudantes, profissionais autônomos, operários, intelectuais liberais, além dos movimentos sociais que, cortados das reformas agrárias propostas por Jango, lutavam por terras (a Reforma Agrária).

A disputa ideológica derivada da Guerra Fria entre capitalismo (representado pelos Estados Unidos) e comunismo (representado pela União Soviética) motivou, segundo os militares que prestaram depoimento na Comissão da Verdade, o autoritarismo militar. Estavam em guerra.

As cidades se formatavam com o aumento do fluxo populacional e novas relações de trabalho, com novas dinâmicas de ganhar a vida, produziram desejos individuais e coletivos que estruturava as bases sociais em Goiás e no país. É somente a partir da contextualização das estruturas de poder no Cerrado e do entendimento de quais mecanismos do coronelismo regional que se tornam possível entender o que ocorreu em níveis estaduais e municipais.

Castello Branco

O governo do marechal Humberto de Alencar Castello Branco é marcado pela extinção dos partidos e pelo início repressão política, enquanto implementava reformas neoliberais e uma política alinhada aos EUA. Há documentos e gravações americanas, como a do presidente Lyndon Johnson, orientando um assessor para se preparar para ajudar os golpistas em 31 de março de 1964.

“Acho que devemos tomar cada passo que pudermos, estar preparados para fazer tudo o que precisamos fazer”, o presidente Johnson instruiu seus assessores sobre os preparativos por um golpe no Brasil em 31 de março de 1964, mostram documentos desclassificados sobre as deliberações políticas dos EUA e operações que levaram à derrubada do governo Goulart entre 31 de março e  1º de abril de 1964. Os documentos revelam novos detalhes sobre a prontidão dos EUA para apoiar as forças golpistas. Mas o golpe nem precisou da ajuda direta dos EUA. Foi mesmo “made in Brazil”.

Áudio Lyndon Jhonson: https://nsarchive2.gwu.edu/NSAEBB/NSAEBB118/index.htm#docs

Ai-5

Como a república populista havia sido substituída abruptamente pelo regime militar, os movimentos estudantis se fortaleciam e lutas de guerrilhas também começam a se formar a partir de intelectuais, camponeses, estudantes e lideranças políticas populares, como Carlos Maringhella, autor do “Manual do Guerrilheiro Urbano”, publicado no mesmo ano da cassação do prefeito de Goiânia, Iris Rezende, por meio do AI-5. O Marechal Costa e Silva, que assumira o poder em 67, apertou o cerco nos poderes municipais das capitais e “carimbou”, nas fichas das Divisões de Segurança e Informações (DSI) nos ministérios e os Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS) nos estados.

O apoio americano fortalecia a resistência por meio de ações secretas da CIA para incentivar comícios de rua pró-democracia e sentimento anticomunista no Congresso, além de forças armadas, igrejas, negócios e grupos de estudantes. O embaixador dos EUA Lincoln Gordon alimentava em seuslongos telegramas para os mais altos oficiais de segurança nacional do governo dos EUA, incluindo o diretor da CIA, John McCone, e os secretários de Defesa e Estado, Robert McNamara e Dean Rusk, uma avaliação que o presidente Goulart está trabalhando com o Partido Comunista Brasileiro para “tomar o poder ditatorial”.

O tencionamento da repressão e a resistência armanda fazem com que os militares formem uma junta militar interina para escolher um novo presidente, que antes de ser eleito chefiou o Serviço Nacional de Inteligência (SNI): o General Emílio Garrastazu Médici. Se a junta militar aperta ainda mais as repressões, fomentadas pelos sistemas de informações e pela criação do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), que tinha como chefe o Major Carlos Brilhante Ustra, condenado por tortura.

Com os jornais já sobre o regime da nova Lei de Imprensa, que passou a não tolerar “processos de subversão da ordem política e social” e liberou que o Governo a exercer a censura sôbre os jornais em caso de estado de sítio. Mas foi a partir de 67, com a criação do Conselho Superior de Censura, que os jonais e artistas foram obrigados a “passar pelo crivo” dos militares.

Lei da imprensa 1967: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5250.htm

Criação do Conselho de Censura: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5536-21-novembro-1968-357799-publicacaooriginal-1-pl.html

Lyceu vira bunker de informações contra a Ditadura

Uma das características mais marcantes da política goianiense sem dúvidas são os secundaristas. Pesquisadores do assunto contam que ao contrário de outros Estados mais desenvolvidos na época, Goiás não tinha um movimento operário tão relevante, sendo a maioria política, então, estudantes. Pedro Wilson Guimarães, iniciou sua carreira política no movimento estudantil durante o regime militar.

Ex-prefeito de Goiânia em dois momentos, Pedro Wilson foi eleito presidente do Grêmio Estudantil Felix de Bulhões em maio de 1964, um mês antes do início da Ditadura Militar no Brasil. A experiência como líder estudantil, no entanto, já tinha se iniciado durante o estudo no Colégio Ateneu João Bosco. Lá, como presidente do Grêmio Auri-verde, já se ‘estranhava’ com os estudantes do Lyceu nos jogos escolares.

“O colégio virou um verdadeiro bunker de informações para lidar com a Ditadura. Corríamos muito para a Faculdade de Direito, que era na Rua 20, pertinho do Lyceu. Trocávamos informações com eles para saber como estava o processo e como seria a nossa caminhada de luta”, lembra.

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