Sanches da Federal: “O prefeito tem pressa, mas Goiânia esteve abandonada por 4 anos; não há soluções simples para problemas complexos”

Luiz Fernando Naves Sanches de Siqueira, eleito vereador de Goiânia pelo nome de urna Sanches da Federal (PP), assumiu recentemente seu primeiro mandato e, embora admita ainda estar se habituando à Câmara Municipal, já tem clareza sobre o foco de seu mandato. Ele foi superintendente regional da Polícia Rodoviária Federal em Goiás (PRF), agente municipal de trânsito, campeão brasileiro de judô e jogador profissional de futebol (começou no Atlético Goianiense, seu time de coração). Assim, mobilidade, segurança pública, esporte e lazer são algumas áreas para as quais o parlamentar possui propostas. 

Além de suas áreas de interesse, Sanches da Federal já mostra disposição para fiscalizar o Executivo municipal: é autor do requerimento de informações sobre o repasse de R$ 190 milhões à Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) e tem acompanhado de perto os decretos do prefeito Sandro Mabel (UB) sobre mobilidade urbana. 

Nesta entrevista ao Jornal Opção, Sanches da Federal revela o orgulho que sente de pertencer à PRF, e mostra preocupação com a perda de prestígio da corporação nos últimos anos. A decisão de entrar para a política se deu, diz ele, foi motivada pela perseguição sofrida nos anos seguintes à sua superintendência durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Por fim, o policial rodoviário federal prescreve medidas para aperfeiçoar a segurança pública: investimento em inteligência e na integração das forças — medidas contrárias às que o governo federal toma atualmente, diz ele. 

Ton Paulo — O senhor participou da reunião geral com os líderes da base na última terça-feira, onde esteve com o prefeito. Como foi esse encontro? O senhor também conversou sobre os requerimentos relacionados à Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg); pretende apresentar novos requerimentos cobrando medidas do Executivo? Como foi recebida sua solicitação?

Um princípio que sigo é ser verdadeiro e leal ao que acredito e às pessoas que confiaram em mim. Sempre exercerei meu papel de fiscalização com qualidade, respeito, ética e eficiência, sem fazer críticas infundadas ou buscar visibilidade desnecessária. Os holofotes já estavam voltados para a Comurg — jamais faria críticas ou fiscalização infundadas para “ganhar likes”, mas o aporte de R$ 190 milhões em um momento de calamidade financeira gera preocupação.

A questão da COMURG é sensível. Trata-se de uma companhia de grande porte, envolvida em suspeitas de contratos superfaturados e salários elevados. O recente aporte levanta questionamentos. Tentei um contato prévio com o prefeito, mas não obtive retorno. Por isso, apresentei um requerimento formal para esclarecer como esse recurso será utilizado.

O Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) sugeriu que a transferência ocorresse diretamente pelo Executivo, sem passar pela Câmara. Isso, no entanto, poderia tornar a Comurg dependente do município, o que implica consequências na fiscalização. Precisamos entender o destino desses recursos, se haverá economia e se essa alocação é, de fato, uma prioridade.

O requerimento foi apresentado por mim, mas aprovado por toda a Câmara. Nosso objetivo é garantir a correta gestão do dinheiro público e prestar contas à sociedade. Durante a reunião, também tratamos de outros temas, como saúde e educação. Esse diálogo será constante. Sempre que houver necessidade de esclarecimentos, buscarei respostas, seja por contato direto ou por requerimentos formais. Nosso papel é proteger o interesse público e honrar a confiança que recebemos.

Vereador Sanches da Federal em entrevista a Fabrício Vera, Italo Wolff e Ton Paulo | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Fabrício Vera — Houve dúvidas se a reunião ocorreu em função do seu requerimento. Qual é a sua percepção sobre isso?

Essa é uma ótima pergunta, Fabrício. Houve um ruído sobre a motivação da reunião. Pelo que compreendi, foi um encontro com vereadores próximos ao prefeito Sandro Mabel, e não exclusivamente com integrantes da base. Inclusive, alguns parlamentares do PL, que não integram formalmente a base, participaram e esclareceram que apoiam pautas específicas.

A reunião abordou diversos temas, não apenas a Comurg. Meu requerimento, no entanto, deve ser respondido formalmente, pois foi apresentado pela Câmara e precisa ser tratado com respeito a todos os vereadores, já que nem todos estiveram presentes nesse encontro.

A reunião foi produtiva, contou com 28 vereadores e durou cerca de cinco horas. Foi um debate extenso e esclarecedor. Entendi vários pontos sobre a Comurg, mas o assunto ainda precisa ser amadurecido. O Executivo conduzirá o processo, mas continuaremos acompanhando e solicitando esclarecimentos sempre que necessário. Nosso objetivo é levar as informações ao plenário para deliberação conjunta.

Italo Wolff — O senhor foi designado líder da Comissão de Esporte, Lazer e Turismo, uma comissão importante, mas que há anos não está em funcionamento na Câmara. Qual é a sua visão para essa área? Há planos para reativá-la?

Ainda estou me ambientando com as comissões, secretarias e órgãos relacionados na Câmara Municipal. Como presidente da Comissão de Esporte, Lazer e Turismo, percebo que o lazer vem passando por mudanças. O Clube do Povo, por exemplo, estava em transição, podendo ficar sob responsabilidade da Secretaria de Esporte ou da Secretaria de Negócios e Parcerias, que ainda não tem um titular definido.

Já discutimos diversos projetos para essa área. Em uma cidade com uma economia fragilizada e uma população enfrentando dificuldades, é essencial pensar em alternativas de lazer acessíveis. Temos equipamentos importantes, como o Zoológico, o Mutirama e o próprio Clube do Povo, que precisam ser revitalizados e mantidos em funcionamento.

Minha experiência no Executivo, como superintendente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), ainda me faz enxergar os desafios com uma visão administrativa. Meu papel é contribuir com projetos concretos para resgatar e estruturar o lazer na cidade. Já conversei com o prefeito e com o secretário sobre essa pauta, e é um tema que seguirá em discussão, inclusive na Secretaria de Negócios e Parcerias, assim que houver uma definição de liderança.

Como vereador, vou lutar para que o lazer seja uma área valorizada, porque o ser humano também é feito disso, não é? É trabalho, mas tem de ter um momento de lazer — é direito de todos. Infelizmente, o lazer não foi uma prioridade no passado, e estamos em uma situação difícil. Precisamos profissionalizar a gestão desses espaços e garantir que pessoas em situação de vulnerabilidade também tenham acesso ao lazer, assim como aqueles que possuem mais recursos financeiros. O lazer não pode ser um privilégio, mas um direito. Minha atuação à frente da comissão será firme nesse sentido.

“Seria positivo que o prefeito comparecesse à prestação de contas para dialogar com os vereadores”, diz Sanches da Federal | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Ton Paulo — Desde o início da gestão de Sandro Mabel, tem-se falado que Goiânia teve, por um período, dois prefeitos simultaneamente. Nos últimos meses, Mabel assumiu a liderança diante do estado de calamidade da cidade. Desde o começo, houve um esforço significativo do Legislativo para colaborar na recuperação dos setores que estavam em crise. No entanto, recentemente, surgiram ruídos sobre um possível atrito entre a Câmara e o Executivo. Isso começou com a questão das emendas impositivas, quando o Executivo tentou implantar alguns critérios e o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) se antecipou com uma norma. Depois, veio a polêmica sobre a Comurg, com o aporte de R$ 190 milhões sem passar pela Câmara. Como o senhor avalia hoje a relação entre o Legislativo e o prefeito Sandro Mabel, especialmente após a última reunião?

Essa é uma pergunta interessante, pois trata-se de um tema complexo e, de certa forma, polêmico. O que posso pontuar sobre o prefeito é que ele tem realizado uma gestão muito ativa, com vigor e empenho. Ele e sua equipe estão trabalhando intensamente, e os secretários lutam para acompanhar seu ritmo. Há uma grande vontade de resolver os problemas da cidade, mas esses problemas são profundos e exigem soluções estruturadas.

Goiânia passou quase quatro anos abandonada, e não podemos simplificar questões tão complexas. O prefeito tem pressa, o que é positivo, mas não podemos vender a ideia de que tudo já foi resolvido. A saúde, por exemplo, melhorou muito, mas ainda há falta de medicamentos e leitos. Os mutirões são ótimos, mas algumas regiões ainda não foram plenamente atendidas. Então, o cenário é de avanços, mas com desafios significativos pela frente.

Quanto à relação do prefeito com a Câmara, acredito que sempre foi boa. Na última reunião, por exemplo, estiveram presentes 28 vereadores, e outros poderiam ter comparecido se a comunicação tivesse sido mais clara. Alguns se sentiram excluídos, mas, no geral, a disposição para o diálogo existe.

O prefeito está se adaptando ao cargo. Ele já foi deputado e empresário, mas gerir o Executivo é um desafio diferente. A Câmara, por vezes, sente-se atropelada ou pouco prestigiada, algumas vezes com razão, outras talvez não. O fato é que todos querem participar das decisões, respeitando a independência e a harmonia entre os poderes.

Ainda estamos nos primeiros meses de gestão, e os ajustes são naturais. O prefeito precisa se adaptar a trabalhar com o Ministério Público e a Câmara, assim como nós também nos ajustamos ao seu estilo de gestão. A comunicação entre os poderes tende a melhorar com o tempo.

Nesta quinta-feira, 13,  o Programa de Recuperação de Créditos Tributários, Fiscais e Não Tributários (Refis) passou pela Comissão de Finanças, da qual faço parte. Foram incluídas emendas importantes para a sociedade, como a inclusão de pit dogs e taxistas, além dos feirantes. Isso mostra que há diálogo entre Executivo e Legislativo.

O ajuste fino entre os poderes leva tempo, mas o importante é que todos estão focados no bem da cidade e da população. E acredito que a sociedade está percebendo isso.

Fabrício Vera — O prefeito afirmou que não pretende comparecer à Câmara para prestar contas na sessão marcada pelo vereador Capitão Amaral para o dia 24 de março. O senhor foi um dos vereadores que repercutiu essa questão no plenário. Qual é a sua opinião sobre essa decisão do prefeito? Ele deveria comparecer para prestar contas, mesmo não sendo uma obrigação legal?

Ele poderia enviar uma equipe da Secretaria de Finanças (Sefin), como previsto, mas seria um gesto positivo da parte do prefeito comparecer pessoalmente para dialogar com os vereadores. Isso demonstraria boa vontade e respeito à Câmara; mostraria que não há problema algum em prestar esclarecimentos. 

Mesmo que a gestão passada tenha sido a responsável direta pela situação financeira atual, Sandro Mabel já vinha participando das decisões antes de assumir oficialmente. Se hoje temos um decreto de calamidade financeira, é por conta das contas herdadas e de sua articulação para aprovar o decreto. Então, ele tem conhecimento sobre o cenário, mesmo que não tenha tido controle total no período anterior.

Sempre que houver necessidade de esclarecimentos, buscarei respostas, seja por contato direto ou por requerimentos formais

Se eu estivesse no lugar dele, levaria minha equipe e responderia tudo que estivesse ao meu alcance. Como não se trata de uma prestação de contas da sua própria gestão, não há nada a esconder. Acredito que ele pode rever essa decisão e comparecer à Câmara.

É natural que ele tenha receio de que a discussão saia do tema principal e outros assuntos sejam levantados, o que pode tornar o ambiente mais tenso. No entanto, cabe à Câmara garantir um tom respeitoso. O prefeito pode e deve ser questionado de forma firme, mas dentro de um contexto de esclarecimento, sem transformá-lo em um embate político.

A transparência entre Executivo e Legislativo é fundamental. Assim como o prefeito nos chamou para reuniões, nós também o chamamos, sem qualquer intenção de confronto, apenas para obter informações. Afinal, ele não tem responsabilidade direta pelo que aconteceu em 2024, mas pode contribuir para esclarecer a situação.

Fabrício Vera – Alguns diretores também sugeriram convocar o ex-prefeito Rogério Cruz (SD), já que a prestação de contas se refere ao último quadrimestre da gestão passada, pelo qual ele era responsável. Há articulações nesse sentido, e faz sentido que ele também esclareça as questões pendentes. Qual é a sua visão sobre a importância da presença do ex-prefeito?

Na política, existem ações eleitoreiras e ações efetivas. Acredito que o ex-prefeito já esteja sendo investigado por diversos órgãos, e há muitas apurações em andamento. Não sei qual seria a real efetividade dessa convocação.

Para a sociedade, pode parecer interessante dizer que queremos chamá-lo para prestar esclarecimentos, expor questionamentos e repercutir o assunto nas redes sociais. Mas, na prática, mesmo quando era prefeito, ele evitava responder diretamente.

Ton Paulo – Ele chegou a deixar uma sessão mais cedo, certo?

Exatamente. Então, será que agora, sem o cargo, ele responderia? Provavelmente não. Ele pode simplesmente se esquivar novamente.

Por outro lado, não há prejuízo em chamá-lo. Se for colocado em votação, eu sou favorável à convocação. Mas tenho certeza de que os órgãos de investigação já estão conduzindo apurações detalhadas em diversas secretarias. Sabemos que há suspeitas de irregularidades nos últimos anos, e esse assunto não ficará sem desdobramentos. Acredito que, a qualquer momento, possamos ter novidades sobre essas investigações.

Sanches da Federal: “O foco dos agentes deveria estar na orientação e segurança viária, a fiscalização das infrações deve ser feita, preferencialmente, por meio eletrônico” | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Italo Wolff – O senhor tem experiência em mobilidade urbana e, nos primeiros dias da gestão do prefeito Sandro Mabel, diversas medidas foram tomadas em relação ao trânsito. Qual é a sua impressão sobre essas ações?

Mobilidade é um problema complexo e não pode ser tratado com soluções simplistas. O trânsito de Goiânia está congestionado porque o planejamento urbano não acompanhou a demanda crescente da mobilidade. Houve foco na expansão econômica e imobiliária, mas sem considerar o impacto no trânsito, no meio ambiente e na infraestrutura. O resultado é esse cenário caótico.

O prefeito tomou diversas medidas, e algumas eu questionei desde o primeiro dia de mandato. Acredito que todas têm um propósito, mas algumas poderiam ter sido implantadas de forma gradual. O “livre à direita”, por exemplo, foi uma ótima iniciativa, pois foi aplicado em pontos específicos e com boa sinalização. Talvez uma campanha educacional prévia tivesse sido ideal, já que a preferência continua sendo do pedestre, e os motoristas precisam estar atentos a isso. Ainda assim, os riscos são controláveis.

O que mais me preocupou foi a liberação da faixa compartilhada entre ônibus e motocicletas. Minha dúvida foi se havia um estudo técnico sobre o impacto dessa medida na fluidez do trânsito. O custo foi zero, já que apenas pintaram a faixa, e se trouxesse algum ganho, seria positivo. No entanto, havia um risco significativo. O trânsito é feito de vidas, e não podemos ignorar os pontos cegos e a condição do asfalto. Nas faixas onde rodam veículos pesados como ônibus, o asfalto fica degradado, o que pode ser perigoso para motociclistas. Além disso, tanto motoristas de ônibus quanto motociclistas são pressionados e acabam cometendo infrações sob o estresse adicional. Colocá-los na mesma faixa sem uma campanha educativa prévia foi uma decisão arriscada.

Outra medida importante foi a proibição de estacionamento na terceira faixa. Para o trânsito, é excelente, mas comerciantes reclamaram do impacto no comércio. Nenhuma decisão é fácil, pois o problema é complexo. O prefeito tomou a decisão e assumiu a responsabilidade de encontrar alternativas para os comerciantes. A gestão precisa tomar decisões, e eu respeito isso. Meu papel não é decidir no lugar dele, mas contribuir tecnicamente com sugestões.

Italo Wolff —  O senhor também mencionou que tem propostas para melhorar o trânsito de Goiânia. Poderia destacar as principais?

Sim. Hoje, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), os radares de avanço de sinal vermelho não registram infrações entre 23h e 4h59. Pretendemos transformar isso em lei para garantir mais fluidez e segurança, especialmente no contexto da segurança pública. Muitas pessoas desconhecem essa regra e acabam se sentindo inseguras ao parar em determinados locais de madrugada.

Outro ponto fundamental é o aumento do número de agentes de trânsito. O último concurso foi em 2009, e antes disso, só havia sido realizado em 1997. Ou seja, temos um efetivo reduzido e “envelhecido”. Não gosto de dizer isso porque eu também entrei nesse concurso, então também estou “envelhecido” [risos]. Acredito que o foco dos agentes deveria estar na orientação e segurança viária, como auxiliar pedestres, e que a fiscalização de infrações seja feita, preferencialmente, por meio eletrônico. O contato direto entre agente e motorista pode gerar conflitos desnecessários, pois ninguém gosta de ser fiscalizado.

Ton Paulo — Além das obras e medidas adotadas, como o senhor avalia o impacto de um trânsito ruim na vida dos cidadãos?

O trânsito não é apenas um meio de deslocamento, ele afeta diretamente a qualidade de vida das pessoas. Ficar preso no trânsito pode influenciar o humor, causar estresse, afetar o rendimento no trabalho e até gerar conflitos familiares. Eu vivo essa realidade diariamente, levando meus filhos para a escola. Sei que as obras na cidade são necessárias, mas atrapalham bastante o trânsito. 

O importante é que agora posso atuar como uma voz ativa para buscar melhorias. Nosso objetivo é garantir um trânsito mais fluido, um transporte público eficiente e uma mobilidade urbana que realmente beneficie a população. Se tivermos um trânsito melhor, com ônibus funcionando bem e menos congestionamentos, a vida de todos será mais leve.

“Se tivermos um trânsito melhor, com ônibus funcionando bem e menos congestionamentos, a vida de todos será mais leve”, diz Sanches da federal | Foto: Reprodução / SET

Ton Paulo — Sabemos que Instituições públicas estão sujeitas a pressões externas e políticas. O senhor, como policial do governo federal, mencionou que enfrentou esse tipo de situação enquanto atuava na PRF. Poderia especificar exatamente o que aconteceu?

Eu respeito algumas decisões do Executivo, pois fazem parte da conveniência e da estratégia política de cada gestão. Fui o comandante-geral da PRF em Goiás durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Gostem ou não, a Polícia Rodoviária Federal teve grande visibilidade e foi valorizada nesse período, pois apresentamos números expressivos e tivemos uma imagem institucional forte. Fico feliz por isso, e gostaria que o atual governo tivesse hoje o mesmo apreço pela PRF.

Ton Paulo — O senhor percebe uma animosidade do atual governo em relação à PRF?

Não tenho dúvidas disso. Mas o ponto principal é que o atual presidente não tem uma posição ativa sobre a PRF. Ele não demonstra nem apreço nem rejeição — simplesmente ignora a instituição.

Quando deixei a gestão, meu substituto era alguém que trabalhou comigo por três anos e manteve a mesma linha de trabalho. No entanto, eu não podia mais participar de nada. Trouxe uma emenda parlamentar para a renovação da frota de viaturas, e quando chamavam todos os superintendentes, eu não podia comparecer, pois poderia gerar desconforto. Em ações sociais que eu havia liderado nos anos anteriores, fui aconselhado, de maneira informal, a não participar, pois isso poderia “pegar mal”.

O descaso com a PRF hoje é inaceitável. A PRF é um símbolo centenário. Temos identidade, história e respeito.

Fabrício Vera — Isso influenciou sua decisão de entrar na política?

Sim, foi determinante. O momento mais marcante para mim foi quando fui impedido de participar de uma ação social que sempre apoiei: a campanha “Policiais Contra o Câncer Infantil”. As crianças e suas mães me perguntavam se eu estaria lá, e eu não podia responder. Eu queria participar, mas fui impedido. Isso foi muito difícil para mim.

Até que um dia senti um chamado: percebi que, se continuasse retraído, não conseguiria ajudar as pessoas da forma como gostaria. Foi quando tomei a decisão de entrar para a política. Deus me mostrou o caminho, e eu segui.

Hoje, a PRF não é uma prioridade do governo federal. No governo anterior, éramos. O ex-presidente visitava nossos postos nas rodovias, comparecia a eventos institucionais e demonstrava reconhecimento pelo nosso trabalho. Isso tem um impacto importante. O prefeito Sandro Mabel, por exemplo, quando participa de mutirões, veste o boné da Comurg. Se ele visita a Guarda Municipal, os agentes se sentem valorizados. Esse reconhecimento institucional fortalece qualquer corporação.

Recentemente, fiz um vídeo defendendo a PRF, que repercutiu bastante internamente. O ministro da Justiça fez um comentário desdenhoso, dizendo algo como: “Chamem essa polícia do que quiserem”. Mas a PRF não é apenas uma sigla, é um símbolo centenário. Temos identidade, história e respeito.

O descaso com a PRF hoje é inaceitável. E essa não é apenas a minha percepção. Pergunte a qualquer policial rodoviário federal, em sigilo, e verá o que eles dizem. O nível de desleixo e indiferença com a instituição é absurdo.

Italo Wolff — Na prática, essa situação se manifesta com menos financiamento? O que acontece concretamente?

São várias questões. Já na transição de gestão entre 2022 e 2023, houve uma tentativa de extinguir diretorias de gerência de inteligência parlamentar e de gestão estratégica. Isso significaria um enfraquecimento institucional, dificultando avanços na área.

Agora, essa PEC da Segurança Pública pode comprometer seriamente a Polícia Rodoviária Federal (PRF). E não digo isso apenas por mim. Basta entrar no Instagram da Federação Nacional da PRF para ver inúmeras reclamações. O problema da PEC não é salarial; a questão central é a perda de atribuições. A PRF quer trabalhar, quer continuar desempenhando seu papel com relevância, mas está sendo esvaziada.

Se a PEC for aprovada como está, perderemos espaço na inteligência, nas operações de busca e apreensão e em outras áreas essenciais. Na semana passada, por exemplo, todas as nossas ações integradas foram suspensas. Tenho experiência no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público, conheço o funcionamento dessas operações e sei da gravidade dessa suspensão. Operações em andamento em Goiás foram paralisadas, comprometendo o trabalho policial.

“Goiás é considerado um dos estados mais seguros do país, e a PRF tem um papel fundamental nisso. A integração com a Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Penal sempre foi muito forte”, diz Sanches da Federal | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Ton Paulo — O senhor concorda com a crítica do governador Ronaldo Caiado (UB) de que essa PEC retira a autonomia dos estados na gestão de suas forças de segurança?

Sim, essa PEC reduz significativamente o poder dos estados e não traz nenhum benefício à Polícia Rodoviária Federal. Pelo contrário, coloca em risco atribuições que já exercemos hoje. Uma articulação dessa magnitude exige uma análise cuidadosa do cenário atual. Hoje, temos um diretor-geral da PRF apagado, sem voz ativa institucionalmente, enquanto o delegado-geral da Polícia Federal é altamente influente e respeitado pela presidência. Isso cria um descompasso, e a PRF acaba sendo esvaziada de suas funções e sua importância.

O reflexo disso já pode ser visto. Estados como Santa Catarina e Goiás, que historicamente realizavam grandes operações integradas contra o crime, tiveram essas ações suspensas. Basta questionar: por que operações eficazes de combate à criminalidade estão sendo interrompidas?

Para exemplificar, realizamos uma das maiores operações do país contra o uso de rebite por caminhoneiros, uma prática que não apenas envolve drogas, mas também causa acidentes e mortes no trânsito. Essa operação, que ainda estava em andamento junto ao Gaeco, foi suspensa. Se você acessar o Instagram do Ministério Público de Santa Catarina, verá até mesmo um PRF denunciando a suspensão dessas atividades.

Italo Wolff — Na semana passada, houve uma portaria que suspendeu a integração das inteligências. O que exatamente aconteceu?

Exatamente. Foi publicada uma portaria, que já está disponível publicamente. Trata-se de uma decisão do diretor-geral da PRF, que suspendeu todas as ações integradas da corporação com outras forças de segurança em todo o país. Isso significa que hoje, por exemplo, operações conjuntas da PRF com a Polícia Federal, o GAECO e o Ministério Público estão suspensas. Quando fui superintendente, trabalhávamos de forma integrada, inclusive com policiais civis e militares atuando em nossa sede. Agora, essa cooperação foi interrompida.

Italo Wolff — Essa decisão vai na contramão do que tem se mostrado eficiente. Antes de começarmos a entrevista, o senhor mencionou que, durante sua gestão, houve recorde de apreensão de drogas. Qual a importância disso para Goiás?

Sim, e esse é um ponto crucial. Os policiais continuam sendo os mesmos, profissionais honrados e altamente capacitados. O problema está na mudança de diretrizes. Isso afeta os números de apreensão e prejudica a segurança pública.

Goiás é o centro logístico do país. Aqui circulam bens, serviços, riquezas e, infelizmente, também atividades ilícitas. O estado é rota para o tráfico de drogas, especialmente cocaína vinda de Rondônia, Mato Grosso, Bolívia e Peru. Já a maconha, em grande parte, vem da Colômbia e do Mato Grosso do Sul. A delegacia de Jataí, por exemplo, é a quinta no país em apreensão de drogas.

Em 2022, apesar das crises e bloqueios nas rodovias, conseguimos apreender 40 toneladas de drogas. E isso com um efetivo reduzido: 489 policiais rodoviários federais em Goiás, trabalhando em escala de 24 por 72 horas, cobrindo mais de 3 mil quilômetros de rodovias. Para se ter uma ideia, em um dia, cerca de 70 policiais fazem a segurança de toda essa extensão. Esses profissionais são altamente especializados, utilizam inteligência para otimizar abordagens e realizar ações precisas.

Goiás é considerado um dos estados mais seguros do país, e a PRF tem um papel fundamental nisso. A integração com a Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Penal sempre foi muito forte. E essa parceria faz falta. Muitos colegas de outras forças de segurança nos procuram até hoje relatando a ausência dessa cooperação.

Italo Wolff — Qual o impacto dessa suspensão a longo prazo?

O impacto do crime não é imediato. O que estamos vivendo agora—essa redução de ações integradas e de inteligência — vai refletir nos próximos anos. Pode ser que daqui a um, dois, três ou cinco anos vejamos um aumento da criminalidade como consequência da falta dessas operações.

As forças estaduais ainda estão segurando a situação, mas o tráfico de drogas continua. Esse dinheiro continua circulando, e sabemos que ele financia armas e violência. Estatisticamente, cada fuzil no crime representa três mortes. Então, essa preocupação é real.

Quem estará exposto quando esse problema crescer? O policial. E, nesse cenário, a segurança pública passa a ser alvo de críticas da sociedade e da mídia.

Hoje, Goiás ainda é um estado seguro, porque há um investimento forte do governo na segurança pública e porque o policial goiano é vocacionado. Diferente do que se pode imaginar, o policial não age apenas pelo salário, que cairia na conta dele independentemente do que ele fizesse. Ele trabalha porque tem compromisso com a sociedade, quer dar respostas ao crime e sente orgulho de garantir a segurança do cidadão.

“Quando ouço alguém dizer que Goiás é um estado seguro, me sinto orgulhoso. Sei que contribuí para isso”, diz Sanches da Federal | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Hoje, em Goiás, se um crime acontece, todas as forças de segurança se mobilizam para encontrar os responsáveis rapidamente. O policial goiano tem orgulho de dizer que “bandido aqui não se cria”. As pessoas podem andar com o celular na mão, contar dinheiro na rua ou sair à noite sem medo, porque sabem que há uma estrutura de segurança funcionando.

Quando ouço alguém dizer que Goiás é um estado seguro, me sinto orgulhoso. Sei que contribuí para isso, assim como meus colegas de corporação. Sempre faço questão de parabenizá-los pelo trabalho.

Sou policial de carreira e tenho orgulho da minha trajetória e da instituição que represento. No meu gabinete, faço questão de contar com profissionais da segurança pública, porque acredito no policial como um líder, um gestor e uma pessoa íntegra. Nossa linha de trabalho é baseada em disciplina e hierarquia, sem extremismos, mas com um sistema que funciona e no qual confio.

Italo Wolff — Na Câmara, não é possível colaborar diretamente com a PRF, mas há possibilidade de atuação junto à Guarda Civil Metropolitana (GCM). Como o senhor vê a transformação da GCM em Polícia Municipal? 

Essa mudança, em teoria, é apenas uma alteração de nomenclatura, mas tem um significado muito relevante. A Guarda Metropolitana se tornará Polícia Municipal, assim como os agentes prisionais passaram a ser chamados de policiais penais. A nomenclatura influencia a forma como os profissionais se enxergam e como são percebidos pela sociedade.

Hoje, os guardas municipais se tornarão, oficialmente, policiais do município, o que fortalece a categoria. Essa mudança precisa vir acompanhada de investimentos em capacitação, treinamento de qualidade, armamento adequado e equipamentos não letais, que são amplamente utilizados nas abordagens. O uso de força letal é extremamente raro, sendo necessário focar em técnicas de controle progressivo da força.

Sempre defendi a integração entre as forças de segurança e vou trabalhar para viabilizar isso. Quando fui agente de trânsito, havia uma grande distância entre essa categoria e a GCM. Hoje, ambas ganharam mais relevância. A Polícia Municipal, por exemplo, já possui um comandante, o que aumenta sua representatividade.

Uma das pautas que defendo é a valorização dos agentes de trânsito, possibilitando que um deles possa, futuramente, comandar a Secretaria de Mobilidade. Muitos desses profissionais foram meus instrutores e são plenamente capacitados. Seria importante ver um comandante da Polícia Municipal e um comandante dos agentes de trânsito uniformizados, representando suas categorias ao lado do prefeito e de outras autoridades. Isso reforçaria a legitimidade desses profissionais perante a sociedade.

O agente de trânsito não quer ser visto apenas como alguém que aplica multas. Ele quer ser reconhecido por garantir a segurança viária, por ajudar crianças a atravessar a rua em frente às escolas. Precisamos mudar essa percepção, e eu tenho um grande orgulho da minha trajetória nessa área. Antes de ingressar na PRF, fui agente de trânsito. Foi minha primeira profissão depois da carreira no futebol. Trabalhei no controle de tráfego, conheci a rotina das ruas e aprendi o valor dessa função. Por isso, sou grato e defendo a valorização desses profissionais.

Italo Wolff — Nesse âmbito municipal, o senhor tem propostas para a segurança pública?

Hoje, o policiamento não se baseia apenas no patrulhamento visual. A inteligência policial se tornou essencial. Defendo a implementação de câmeras de reconhecimento facial, integração de bancos de dados entre diferentes forças de segurança e monitoramento estratégico de escolas, rotas de fuga, saídas da cidade e veículos suspeitos.

A Polícia Municipal precisa estar conectada com todas as demais forças: Polícia Militar, PRF, Polícia Federal e Polícia Civil. A informação que uma não tem, a outra pode ter. Essa troca de dados e a criação de sistemas integrados são fundamentais para fortalecer o combate ao crime e ampliar a segurança da população.

Hoje, a cidade está muito mais segura. A criminalidade organizada perdeu espaço, e a sociedade já não teme grandes assaltos ou crimes violentos cometidos por facções. No entanto, o que ainda preocupa são os pequenos furtos com grave ameaça ou violência, especialmente envolvendo pessoas em situação de vulnerabilidade, como dependentes químicos.

Essas pessoas, muitas vezes, já não têm plena capacidade mental e acabam cometendo delitos sem receio da polícia. Essa questão exige uma abordagem interdisciplinar, envolvendo saúde, assistência social e moradia. Mas, do ponto de vista da segurança pública, o problema se agrava quando há o consumo de drogas. Se uma pessoa nessas condições comete um crime, independentemente de qual seja, e está armada, pode matar alguém por um relógio que será vendido por R$ 10. E, mesmo diante da presença de uma viatura policial, essa pessoa não reage com medo, pois muitas vezes já perdeu a capacidade de discernimento.

Precisamos enfrentar essa situação com seriedade. Hoje, as mulheres são as que mais sentem medo ao caminhar pelo centro da cidade à noite. Mas essas pessoas em vulnerabilidade não são criminosos no sentido tradicional. Elas cometem crimes, sim, mas isso decorre da condição em que se encontram. E esse tipo de ocorrência é ainda mais difícil de conter, porque a raiz do problema não está no crime em si, mas na vulnerabilidade social.

Por isso, não podemos oferecer soluções simplistas. O problema é complexo e precisa ser tratado com responsabilidade. Não podemos permitir que a situação dos moradores em situação de rua se torne permanente. Atos de solidariedade, como doação de alimentos, são importantes, mas não podem criar um ciclo de dependência. O objetivo deve ser oferecer dignidade, reintegrá-los ao mercado de trabalho e proporcionar oportunidades para que voltem a ter uma vida com lazer, convivência social e segurança. A solução não pode ser apenas permitir que permaneçam dormindo em condições precárias, consumindo drogas e, inevitavelmente, gerando risco social.

Vereador Sanches da Federal: “uracos no asfalto, iluminação pública, roçagem de mato. Alguns políticos evitam essas questões porque querem atuar como deputados, mas meu compromisso é com a comunidade” | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Ton Paulo — Agora, no início de seu mandato, como projeta sua atuação pelos próximos quatro anos? Qual será o balanço que gostará de fazer ao fim de sua legislatura?

Acredito que meu mandato será marcado por empenho, efetividade e credibilidade. Quero atuar como um verdadeiro representante do povo, focado nas necessidades locais. Meu trabalho envolve diferentes áreas: administrativa, legislativa, jurídica, política e de comunicação. Além disso, me preocupo com as demandas do dia a dia, aquilo que chamamos de “varejo” da política — buracos no asfalto, iluminação pública, roçagem de mato. Alguns políticos evitam essas questões porque querem atuar como deputados, mas meu compromisso é com a comunidade, e estarei presente onde for necessário.

Hoje, minha voz tem mais alcance. O que digo aqui tem mais peso do que antes, quando ainda não era vereador. Posso não ter poder para criar leis federais, mas posso defender a Polícia Rodoviária Federal e outras pautas que acredito. Se minhas palavras chegarem a um deputado federal, por exemplo, isso pode gerar mudanças.

Atualmente, tenho acesso ao prefeito, aos vereadores da base e da oposição, ao governador, ao vice-governador e aos senadores. Esse acesso me permite apresentar demandas reais, sempre com respeito e buscando soluções para o povo. Não busco benefícios pessoais—tenho uma vida estruturada, uma família sólida e uma profissão que amo. Estou bem pessoal e profissionalmente. Meu objetivo é deixar um legado.

Assim como na PRF, onde ajudei a mudar uniformes, otimizar a segurança pública e contribuir para a nova sede da instituição, quero agora fazer a diferença na política. Quero olhar para uma praça e saber que ajudei a revitalizá-la, ver um campo de futebol ou um projeto social de judô e saber que tive uma participação na formação de crianças e jovens. No trânsito, na mobilidade urbana, na educação e na saúde, quero contribuir para mudanças reais.

Minha atuação será sempre pautada pela qualidade e pelo conteúdo. Acredito que posso ajudar Goiânia em diversas áreas, e isso já foi percebido tanto pela Câmara quanto pelo Executivo. Meu compromisso é com a população. Quero representar, honrar os votos que recebi e trabalhar para melhorar a cidade, sem desvios, sem artimanhas, apenas com dedicação e transparência.

O post Sanches da Federal: “O prefeito tem pressa, mas Goiânia esteve abandonada por 4 anos; não há soluções simples para problemas complexos” apareceu primeiro em Jornal Opção.

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