Fruticultura hi-tech: inovação norteia produção

Há meio século, poucos ousariam apostar que o árido Vale do São Francisco, no Norte da Bahia, se tornaria um laboratório a céu aberto de inovação agrícola. Hoje, a região desafia a lógica do sertão com pomares de uvas sem semente, mangas douradas e frutos tropicais que são disputadas em mercados globais. “Aqui, você escolhe o dia da colheita, domina a planta, induz a produção e corre atrás de cada desafio “, celebra o agrônomo Frederico Teixeira, sócio da RKF e um dos artífices dessa metamorfose.Para ele, não há melhor lugar no mundo. “É indescritível o que acontece aqui! Mas não é à toa, temos muito conhecimento e tecnologia para chegarmos onde estamos. O Vale do São Francisco é um verdadeiro espetáculo em tecnologia e superação”, comemora.No Vale, a irrigação de precisão convive com drones que mapeiam pragas, máquinas autônomas guiadas por GPS e nutrição via água – técnicas que transformaram o semiárido em um celeiro de eficiência. “Não é modernidade por modismo: cada avanço reduz custos e garante frutos competitivos”, ressalta Teixeira.O segredo, segundo ele, está na combinação entre o conhecimento ancestral sobre o solo e as ferramentas digitais, permitindo a colheita em qualquer época do ano, que é possível graças à tecnologia e conhecimento profundo de irrigação, solo e planta, quebrando com o velho conceito das ‘frutas da estação’. “Com tecnologia e técnicas, principalmente de irrigação, podemos ter fruta quando quisermos. E tecnologia não é só máquina – é conhecimento, é saber usar. Por isso, o Vale se tornou um celeiro de tecnologias de ponta e já é um polo agrícola sustentável e produtivo”, reforça Teixeira.Como quem foi rei nunca perde a majestade, a cadeia continua dando muitos frutos no Oeste baiano. A região ostenta 12,8 mil hectares de pomares e investe em biotecnologia para cacau. “A produção de mudas saltará de 500 mil para 10 milhões anuais até 2027”, projeta o gerente de negócios da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Aloísio Júnior. Os números, segundo ele, se refletem também nos empregos: só na cacauicultura, mais de 600 hectares impulsionam novos negócios e demandam por postos de trabalho.

Agrônomo Frederico Teixeira, sócio da RKF

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ExportaçõesDados da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (Seagri) mostram que a Bahia é o terceiro maior exportador de frutas frescas do Brasil, ficando atrás apenas de Rio Grande do Norte e Pernambuco. Para uva sem semente e manga, o estado figura em segundo lugar no ranking nacional.Embora o ano de 2024 tenha sido marcado por desafios logísticos, o setor segue otimista com a expectativa de crescimento nas exportações para 2025, com as novas conquistas. “Abraçamos novos e importantes mercados”, constata o titular da Seagri, Wallison Oliveira (Tum), ao se referir à China (uvas); Japão (avocado); Chile (avocado); e Índia (limão e avocado). Atualmente, segundo a Seagri, as frutas são exportadas principalmente para Estados Unidos, Reino Unido, Coreia, Argentina, Chile e Canadá.Tum ressalta que o uso da tecnologia é decisivo para a fruticultura, considerando sua contribuição no aumento da produtividade da terra, desde às práticas culturais, técnicas de irrigação – como microaspersão, produção de mudas, melhoramento genético e controle de pragas e adubação – até o uso dos drones, que servem para monitorar a transmissão de calor em frutas e reduzir perdas na pós-colheita, além de ser usado para análise da plantação e para detectação de pragas e doenças, falhas no plantio, excesso ou falta de irrigação e afins.

Aplicação tratorizada na lança no mamão

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Sobre o monitoramento do setor, o secretário destaca que as tecnologias estão presente até na hora de fiscalizar. A Agência de Defesa Agropecuária (Adab) já utiliza drones para fortalecer a fiscalização agropecuária. “Os agentes da Adab já foram treinados para operar drones remotamente pilotados (RPA), o que dá mais agilidade e efetividade ao processo”, ressalta o gestor.Entre as diversas tecnologias usadas na fruticultura baiana estão incluídas robótica, biotecnologia, química ecológica, agricultura de precisão, tecnologia da atmosfera controlada, embalagens inteligentes, inteligência artificial, Internet das Coisas (IoT), big data, melhoramento genético e muitos outras, que são gradualmente integradas à fruticultura, com o objetivo de aumentar a eficiência e a produtividade de forma sustentável. Sensores de solo, drones e imagens de satélite já são utilizados para monitorar as condições das plantações, permitindo ajustes na irrigação e na aplicação de fertilizantes.“Qualquer que seja a tecnologia, tem potencial para promover maior rendimento e qualidade dos frutos, além de reduzir custos operacionais e minimizar o impacto ambiental”, observa o pesquisador e chefe-geral da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Francisco Laranjeira.

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Segundo ele, a Embrapa, em parceria com empresas e associações de produtores, tem trabalhado em soluções que aliam inovação e sustentabilidade, como o desenvolvimento de um novo protetor solar para plantas, que é o Sombryt BR, uma inovação que vai proteger as culturas sem prejudicar o meio ambiente.“É necessário democratizar o acesso a essas ferramentas tecnológicas, garantindo que pequenos e médios produtores também possam usufruir dos benefícios da agricultura digital, como, por exemplo, o uso do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), que auxilia na tomada de decisão”, completa Laranjeira.Lote 79: vanguardaHá uma década, o produtor da Lote 79 e engenheiro agrônomo Onailton Barbosa da Silva, iniciava sua jornada com 1,5 hectare de banana no Vale do São Francisco, onde a aridez do solo parecia ditar limites. Hoje, sua fazenda é um exemplo de como a tecnologia pode ressignificar o semiárido, elevando a Bahia ao protagonismo nacional na fruticultura de precisão. Tudo começou com uma aposta em mudas de laboratório. “Utilizamos plantas desenvolvidas a partir de meristemas, técnica que garante frutos uniformes e livres de doenças”, explica, referindo-se ao cultivo in vitro que revolucionou a sanidade dos bananais. A segunda etapa veio com fertilizantes líquidos de alta eficiência.

Produtor de bananas, Onailton Barbosa da Silva

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“São adubos que ‘conversam’ com as necessidades da planta”, brinca. Em 2020, a Lote 79 investiu R$ 150 mil em irrigação localizada. Gotejadores e microaspersores passaram a distribuir água e nutrientes diretamente nas raízes, técnica batizada de fertirrigação. “Reduzimos o uso de mão de obra em 40% e economizamos 30% de água”, destaca. O resultado? Salto de produtividade, das 20 toneladas/hectare iniciais para as atuais 35 toneladas. Em 2023, a pulverização via drone entrou em cena. “Empresas internacionais trouxeram equipamentos que aplicam defensivos com milimétrica precisão”, comenta. Paralelamente, a chegada de players globais ao Vale acelerou a adoção de big data e sensores de solo, integrando a propriedade a uma rede de inovação. Com produtividade triplicada, a Lote 79 mira agora em 50 toneladas por hectare ao ano, meta que exigirá investimentos de R$ 300 mil até 2026. “Queremos drones com IA para monitoramento 24h e estufas inteligentes”, planeja o produtor, cuja área já soma 12 hectares. O crescimento reflete um setor em ebulição: a banana baiana, hoje exportada para 15 países, vive a era da rastreabilidade blockchain e das embalagens biodegradáveis. Apesar do sucesso, o caminho é espinhoso para pequenos produtores. “Tecnologia ainda é artigo de luxo: um drone custa mais que a renda anual de muitas famílias”, reconhece. Para virar o jogo, ele defende parcerias entre governo e empresas: “Precisamos de linhas de crédito específicas e treinamento massivo. A Bahia tem potencial para liderar a agricultura digital tropical”. Enquanto colhe cachos de banana prata sob o sol do semiárido, ele resume a trajetória: “Começamos na enxada, hoje falamos em algoritmos. Mas o essencial permanece: é preciso ter raízes fortes – na terra e no conhecimento”.

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