Juliana Dal Piva lança livro sobre o assassinato de Rubens Paiva, marido de Eunice Paiva

Uma das mais notáveis repórteres de sua geração, Juliana Dal Piva vai lançar, em fevereiro, o livro “Crime Sem Castigo — Como os Militares Mataram Rubens Paiva”. A obra sairá pela Editora Matrix. Se der tempo, segue a sugestão de uma pequena mudança no título, com a retirada de “os”: “Crime Sem Castigo — Como Militares Mataram Rubens Paiva”. Ficará mais preciso. Porque nem todos “os” militares mataram o ex-deputado pelo PTB.

De acordo com Mônica Bergamo, colunista da “Folha de S. Paulo”, “a autora se debruça sobre documentos do processo aberto em 2014 para apurar o homicídio e a ocultação de cadáver do ex-deputado, que desapareceu após ser levado por um grupo de militar da casa de sua família, no Rio de Janeiro, em 1971”.

Há um bom livro sobre o caso: “Segredo de Estado — O Desaparecimento de Rubens Paiva” (Objetiva, 331 páginas), do jornalista Jason Tércio, ex-repórter da BBC de Londres, do “Jornal do Brasil”, de “O Globo” e de “Movimento”. É um profissional experimentado.

Marcelo Paiva conta a história de Eunice Paiva no livro “Ainda Estou Aqui”. O filme baseado nesta obra, com o mesmo título, deu o Globo de Ouro para a atriz Fernanda Torres, que é cotada para o Oscar.

“O livro de Dal Piva se propõe a esmiuçar as investigações que foram feitas sobre o caso desde os anos 1970. Relata, por exemplo, como a ditadura monitorou de perto os passos de pessoas interessadas em desvendar o desaparecimento com o objetivo de impedir que elas chegassem à verdade”, diz Mônica Bergamo.

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Morte de Rubens Paiva permanece obra aberta

[Texto publicado no Jornal Opção em janeiro de 2011]

Com apoio de amplos setores civis, tanto nas elites quanto entre populares, militares derrubaram o presidente João Goulart, no início de abril de 1964. O primeiro presidente militar, Castello Branco, supostamente planejou uma transição com candidato civil para substitui-lo. O mineiro Bilac Pinto, um liberal, era uma de suas apostas. Não deu pé. A linha dura, liderada por Costa e Silva, optou pela continuidade da caserna e manteve o poder.

A manutenção de partidos políticos, Arena e MDB, portanto de eleições, contribuiu para que a ditadura, embora autoritária, não se tornasse totalitária. A cassação de mandatos, com evidentes exageros, não impediu que políticos de proa da oposição, como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, se manifestassem com frequência.

Uma das principais falhas da historiografia patropi é concentrar-se demasiadamente na ação armada dos guerrilheiros, de resto útil aos militares duros para tornar o regime ainda mais fechado, e menoscabar a oposição legalista e os liberais arenistas (que nada tinham de truculentos). Políticos emblemáticos como Ulysses e Tancredo (poderia citar outros) pressionaram o regime o tempo todo e permaneceram na oposição. Liberais da Arena, ainda que omissos em alguns pontos, também contribuíram para que o regime fosse menos cruento.

É possível que a omissão pública tenha sido menor do que a pressão interna — o que cabe aos historiadores, como os rigorosos Carlos Fico, Elio Gaspari e Ronaldo Costa Couto (autor de um magnífico livro sobre a Abertura), investigar. Sobretudo, arenistas e emedebistas, especialmente os liberais, sugeriam, mesmo quando falavam pouco, que havia uma alternativa democrática ao sistema ditatorial. Tanto que, 21 anos depois do golpe de 64, os civis voltaram ao poder, numa combinação de um emedebista (peemedebista), Tancredo Neves, com um arenista (pedessista), José Sarney.

Mas tudo foi possível mais cedo porque havia uma tendência liberalizante tanto nos quarteis quanto no partido governista. Ao assumir a Presidência da República, em 1975, o general Ernesto Geisel se impôs uma missão — “matar” a ditadura por meio da Abertura. Geisel e Golbery do Couto e Silva eram, por assim dizer, discípulos de Castello Branco. Liberalizaram o regime de tal forma que João Figueiredo, mesmo com alguns duros no governo, não tinha mais energia nem legitimidade para fechá-lo. O processo de Abertura havia envolvido a sociedade política e a sociedade civil de tal forma que recuar era praticamente impossível.

Mas por que o regime, depois de Castello Branco, “endureceu”? Não se pode culpar apenas os guerrilheiros da esquerda, porque, mesmo antes da consolidação da Ação Libertadora Nacional (ALN), do MR-8, da VAR-Palmares e outros grupos minoritários, Costa e Silva, ainda como ministro da Guerra do primeiro governo militar, já comandava um grupo radicalizado que acabou dando as cartas até o governo do presidente Emilio Garrastazu Médici.

A radicalização à direita precede a guerrilha. Mas é fato que, com a guerrilha, os militares duros conseguiram “provar” que suas teses estavam “certas”, que os movimentos de esquerda queriam tomar o poder com o objetivo de instalar uma ditadura teoricamente proletária. Uma ditadura comunista. Militares e militantes radicais, à direita e à esquerda, passaram a se “alimentar”. Os contraditórios se “exigiam”, com os duros levando a melhor. Trocaram chumbo de 1968, a ascensão de ALN e outros grupos, a 1974 (ou 1975), com o fim do foco comunista do PC do B na Guerrilha do Araguaia. Militares e políticos civis que preferiam a democracia, que a esquerda renegava chamando-a de “burguesa” e a direita militar atacava como “corrupta”, ficaram em segundo plano, ainda que sem deixar de trabalhar pelo retorno à legalidade.

O ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva

No meio do fogo cruzado entre extremistas militares e militantes da esquerda ficaram aqueles políticos moderados que queriam a democracia mas não cortaram todos os laços com a esquerda, como o ex-deputado federal Rubens Beyrodt Paiva, do PTB, cassado logo depois do golpe (dita revolução) de 1964.

Político sem muitas luzes, mas de posições aparentemente firmes, o engenheiro e empresário do ramo de construção civil Rubens Paiva foi preso por militares da Aeronáutica em 20 de janeiro de 1971. Foi sequestrado em sua casa. Os militares não apresentaram nenhum mandado de prisão. Torturado barbaramente por militares, morreu numa unidade do Exército, no Rio de Janeiro.

Os militares queriam saber qual a ligação de Rubens Paiva com os guerrilheiros, principalmente os que estavam no Chile e tiveram algum envolvimento com sequestros de diplomatas, como o embaixador americano Charles Burke Elbrick.

O ex-deputado conhecia mesmo Carmina, que alugou a casa para esconder Elbrick, em 1970, num bairro do Rio de Janeiro. Conhecia muito mais porque era filha de seu amigo Baby Bocayuva (Luiz Fernando Bocayuva Cunha). Além de escondê-la num apartamento de sua propriedade em São Paulo, ajudou-a na discussão da guarda de uma filha.

Segundo os dados apurados por pesquisadores criteriosos, Rubens Paiva não deu dinheiro para a guerrilha, nem articulou a sério com nenhum esquerdista de primeira ou segunda linha. Era, no máximo, um bom burguês, de consciência intranquila por viver a dolce vita dos ricos. Era dono de duas construtores, a Geobrás e a Paiva Construtora, com obras em São Paulo e Rio de Janeiro. Chegou a construir viaduto em Brasília. Prosperava, com o apoio do pai, Jaime, anticomunista, em plena ditadura, sem ser importunado. Era um dos beneficiários do Milagre Econômico do governo Médici.

Por conta dos excessos e mesmo inexperiência investigatória dos militares, Rubens Paiva foi detido, sem ter informações privilegiadas dos guerrilheiros, e foi severamente torturado. Militares o levaram e outros militares ficaram em sua casa, com quatro de seus cinco filhos e a mulher, Eunice Paiva.

Nas unidades da Aeronáutica e do Exército, as perguntas e afirmações eram sempre as mesmas. Rubens Paiva seria comunista e queriam saber sobre suas ligações com o Chile. O empresário frisou que não era comunista e não tinha ligação com guerrilheiros. Respondia com irritação, corajosamente, o que deixava os torturadores nervosos. Bateram tanto que Rubens Paiva teve hemorragia e morreu.

O livro de Jason Tércio sobre Rubens Paiva

Passados 40 anos, completados em 20 de janeiro, não se sabe onde estão enterrados os restos mortais de Rubens Paiva. Alguns livros contaram sua história, mas há lacunas. Em cinco páginas, da página 324 à 328, no livro “A Ditadura Escancarada” (Companhia das Letras, 507 páginas, 2002), Elio Gaspari publica síntese precisa. Mas agora saiu o livro “Segredo de Estado — O Desaparecimento de Rubens Paiva” (Objetiva, 331 páginas), do jornalista Jason Tércio, ex-repórter da BBC de Londres, do “Jornal do Brasil”, de “O Globo” e de “Movimento”. É um profissional experiente.

O livro conta a história de Rubens Paiva, mas, como há lacunas e não há documentação precisa disponível. Jason Tércio usa a imaginação literária onde, possivelmente, falha (e falta) a documentação. Os espaços “vazios” são preenchidos, com certa lógica, por uma narrativa, de excepcional qualidade, próxima da literatura, mas, em geral, sem descuidar dos fatos históricos. Há problemas.

Depois de 40 anos, com uma bibliografia razoável sobre Rubens Paiva, esperava-se mais revelações sobre seu desaparecimento.
No lugar de apresentar os nomes dos sequestradores e torturadores, Jason Tércio cita os “codinomes” Leão, Girafa, Morcego, entre outros. Apresenta alguns nomes esparsamente, vinculando-os ao sequestro e morte de Rubens Paiva, mas sem firmar posição.

Nem mesmo o médico que atendeu o moribundo Rubens Paiva, Amilcar Lobo, é citado pelo nome. É apresentado como “Carneiro”. A história é a mesma contada por Elio Gaspari, com a diferença de que este dá nome aos bois. No DOI da Barão de Mesquita, o aspirante-a-oficial e médico Amilcar Lobo “encontrou um homem, nu, deitado, com os olhos fechados. Tinha todo o corpo marcado de pancadas e o abdômen enrijecido, clássico sintoma de hemorragia interna. ‘Rubens Paiva’, murmurou duas vezes o preso, abrindo os olhos. (…) Pretendiam esquartejá-lo. Comandava o DOI o major José Antonio Nogueira Belham”, conta Elio Gaspari.

“Assassinara-se um ex-deputado federal cuja atividade política era desassombrada, porém inofensiva, e cuja vida pessoal acompanhava muito mais os padrões da elite do Milagre do que os códigos da militância esquerdista. Contara-se uma história insustentável, e encerrara-se o assunto. Tinha razão o deputado Pedroso Horta: ‘Não há nada a fazer. E, realmente, não há’”, escreve Elio Gaspari. Citando fontes, Elio Gaspari esclarece o caso.

Jason Tércio precisou de 331 páginas, mas não elucida toda a história. E sem citar suas fontes. “Medici dobra a carta, enfia no envelope, acende um cigarro e liga o radinho de pilha sobre a mesa”, conta Jason Tércio. Qual é a fonte? A informação não tem tanta importância, pode-se dizer. Mas de onde Tércio a tirou? Ele não cita fontes. O livro é ruim? Não. Mas deixa espaço para uma obra menos enigmática.

A história da morte de Rubens Paiva está esclarecida. Tudo indica que o corpo foi esquartejado, na Casa da Morte, em Petrópolis. Mas o que foi feito dos restos mortais? Militares, intramuros, consideraram o assassinato um erro? Há espaço para um livro mais rigoroso. (Euler de França Belém)

A resposta de Jason Tércio ao Jornal Opção

Prezado Euler de França Belém, sou o autor do livro sobre Rubens Paiva. Agradeço os elogios e quero rebater as críticas.

1

Você diz que Rubens era “político sem muitas luzes”, mas na verdade ele era uma das lideranças nacionais emergentes: vice-líder do PTB, fazia parte do grupo de maior projeção do partido, foi vice-presidente de uma CPI de grande repercussão e participava regularmente de reuniões com Jango, tudo isso num primeiro mandato e que durou pouco mais de um ano.

2

Você diz “no lugar de apresentar os nomes dos sequestradores e torturadores, Jason Tércio cita os “codinomes” Leão, Girafa, Morcego”. No epílogo do livro eu cito os nomes dos cinco acusados pela tortura e morte de Rubens.

3

Você cita um trecho do livro de Elio Gaspari no qual este diz que quando Rubens morreu “comandava o DOI o major José Antonio Nogueira Belham”. Está errado. Quem comandava o DOI, como eu digo no meu livro, era o major Francisco Demiurgo Santos Cardoso, tenho documento comprovando.

4

Você diz “citando fontes, Elio Gaspari esclarece o caso.” Ele não esclareceu nada, apenas resumiu a história, com outros erros que ocupariam muitas linhas aqui se eu fosse citar e rebater, e não é Gaspari que está em questão, eu o respeito muito.

5

Eu não cito fontes em função da linguagem literária adotada, que não é jornalística nem acadêmica, embora eu domine também a linguagem acadêmica, inclusive fiz mestrado.

6

Você diz “Tudo indica que o corpo foi esquartejado, na Casa da Morte.” Esta é a versão de um ex-agente da repressão, na qual não acredito, por vários motivos. Há sete versões sobre o destino do corpo de Rubens, todas relatadas no final do livro.

7

Por fim, talvez lhe tenha passado despercebido, mas meu livro revela claramente, pela primeira vez, como a cúpula do Exército, o Ministério da Justiça, o STM, o partido do governo na época e até o presidente Médici contribuíram para ocultar a morte de Rubens e impedir as investigações. (Jason Tércio)

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