Brasil e França selam acordo para mapear ‘DNA do ouro’ que sai da Guiana Francesa

MAYARA PAIXÃO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS)

Quase um ano após os presidentes Lula (PT) e Emmanuel Macron assinarem uma carta de intenções para ampliar as ações dos dois países no combate ao garimpo ilegal que ocorre na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, o acordo finalmente entrou em vigor.

O documento, acessado pela reportagem, prevê três pontos-chave para combater a atividade ilegal que ocorre amplamente no território francês na América do Sul com participação majoritária de mão de obra do Brasil e consequências já bem mapeadas para os indígenas.

A assinatura do acordo de sete páginas ocorreu nesta semana durante visita do ministro da Justiça e da

Segurança Pública do governo Lula, Ricardo Lewandowski, a Paris. Do lado francês, o documento recebeu a assinatura do ministro do Interior, Bruno Retailleau.

Uma das novidades do texto, dado que em tese as forças policiais dos dois países já colaboravam para combater a mineração ilegal, está no compartilhamento de tecnologia brasileira para mapear a origem do ouro que é extraído da Guiana Francesa. A ideia é monitorar se o metal vem de uma região autorizada ou não.

A iniciativa ocorre por meio do programa Ouro Alvo, da PF (Polícia Federal), que descobre o “DNA do ouro” (a assinatura físico-química da amostra, para relacioná-la a seu território de origem).

Espera-se que seja possível identificar, entre outras coisas, quando garimpeiros brasileiros tentarem comercializar no território do Brasil o ouro que retiraram da Guiana Francesa. Delegações brasileiras serão enviadas ao território vizinho para mapear as jazidas, para ter as informações em um banco de dados.

Nas palavras de um interlocutor que acompanhou a formulação do acordo, o objetivo é inibir a legalização do recurso levado de um país para o outro. O governo Lula quer também enviar a mensagem de que não apenas tenta combater o garimpo em seu território como colabora para o fim da atividade nos vizinhos.

Num passo além, o objetivo também seria o de desoxigenar a atuação do crime organizado transnacional na amazônia -nos últimos anos, grupos como o PCC (Primeiro Comando da Capital) passaram a atuar na porção amazônica desse território francês, inclusive submetendo garimpeiros a trabalho análogo à escravidão.

Outro artigo do acordo prevê que o Brasil facilite aos franceses acesso ao chamado Programa Brasil Meio Ambiente Integrado e Seguro (ou Mais, acrônimo como é conhecido), um software de mapeamento da amazônia com imagens de satélite para mapear o desmatamento. Paris poderia comprar a ferramenta, em um acordo separado.

Por fim, o documento também prevê a intensificação da colaboração policial, com ações conjuntas e reuniões mensais. Sob reserva um interlocutor explica que antes não havia uma plataforma jurídica e institucional que estabelecesse, por exemplo, que as provas produzidas do lado francês (como o próprio ouro extraído de áreas preservadas) pudessem ser usadas em processos judiciais no Brasil.

Existem 400 garimpos ilegais na Guiana Francesa, cuja população de 286 mil habitantes é majoritariamente negra, com muitos indígenas e forte influência de imigrantes do Brasil e do Caribe. Ao menos 150 deles estão no Parque Amazônico, área de proteção ambiental de 3,4 milhões de hectares, criada em 2007.

Autoridades calculam que de 5.000 a 8.000 garimpeiros ilegais atuem no país, e 90% deles seriam do Brasil, a maioria do Maranhão. Também calculam que de 5 a 10 toneladas de ouro são extraídas por ano pelo setor ilegal (nos últimos quatro anos, foram 27 toneladas).

Quando esteve no Brasil no ano passado, o presidente Emmanuel Macron prometeu a Lula que Paris priorizaria a análise de derrubar a exigência de visto para brasileiros entrarem na Guiana Francesa.

A exigência não é feita pelo Brasil aos moradores do departamento francês. E brasileiros tampouco precisam do documento para ir ao território europeu da França.

A exigência foi por muito tempo vista como parte da estratégia para combater o garimpo ilegal e também grandes fluxos migratórios. Mas a maior parte dos garimpeiros não entra de maneira regular no território vizinho. Brasília espera que o acordo de colaboração firmado nesta semana seja um incentivo para a derrubada do visto.

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