
Em cenário mais pessimista, projeções indicam queda de até 20% em dez anos. Mas pesquisadores apontam alternativas com expansão da área de cultivo, etanol de segunda geração e outras culturas. Mudanças climáticas podem derrubar produção de etanol em até 26% segundo pesquisa
Uma pesquisa realizada por especialistas da Unicamp e do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) em Campinas (SP) projeta a redução na produtividade de etanol devido os impactos das mudanças climáticas.
Segundo a pesquisa, os eventos extremos são cada vez mais comuns no Brasil e atingem a região produtiva de álcool, principalmente na forma de regime irregular de chuvas e temperaturas muito altas. Esses fenômenos climáticos irregulares podem derrubar a produção de álcool em 26% até o fim do século e 20% nos próximos 10 anos.
Ainda que a produção se encontre em queda, os pesquisadores apontam alternativas para amenizar o cenário com a expansão nas áreas de cultivo, o uso do etanol de segunda geração e a possibilidade de utilizar outras plantas para fazer o etanol.
Para entender como a pesquisa foi desenvolvida e quais os impactos apontados em diferentes cenários projetados, o g1 conversou com o engenheiro agrícola Gabriel Petrielli da Unicamp e Eduardo Couto, diretor do laboratório nacional de biorrenováveis do CNPEM.
Colheita da cana-de-açucar
TVCA/ Reprodução
Os pesquisadores lembram que esta é a primeira pesquisa do mundo que avalia como as mudanças climáticas estão afetando a produção de cana-de-açúcar e a geração de energia. Ela foi elaborada a partir da construção de diferentes modelos, dos mais otimistas, aos mais pessimistas.
O cenário mais otimista desenvolvido pelos pesquisadores identificou a queda de cerca de 5% na produção de cana-de-açúcar. No entanto, ela só pode acontecer caso a participação de fontes renováveis de energia aumente até o fim do século e de maneira global.
“Se isso acontecer, a gente pode ter quedas menores, ou ficar mais ou menos igual à produção de cana que a gente tem hoje”, avalia Petrielli .
Uma projeção mais pessimista leva em conta o comportamento das pessoas permanecer inalterado e manter a tendência de aumento no consumo e na emissão de gases de efeito estufa, deixando de lado a substituição por energias renováveis. Nesse caso, Petrielli identifica que a queda de 20% em dez anos e pode chegar a 26% até o fim do século.
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TV Globo/Reprodução
Fenômeno que já pode ser observado na safra de 2024/2025, pois segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) deve ocorrer uma redução de 3,8% devido à escassez de chuvas e das altas temperaturas na região centro-sul que concentra a maioria da produção no Brasil.
“Os dados sobre o ciclo da cultura são analisados diariamente e tudo é levado em consideração para fazer essas estimativas”, conta Petrielli.
Apesar dos modelos, Couto adverte que é importante compreender a diferença entre previsão e projeção do tempo. A primeira se refere a análises meteorológicas para poucos dias à frente, enquanto as projeções são estimativas que consideram múltiplos fatores, não apenas meteorológicos e podem avançar décadas no futuro.
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A irregularidade no regime de chuvas e nas mudanças de temperatura afetam qualquer cultura. O pesquisador explica que, devido à água participar de todo o ciclo de vida da cana-de-açúcar, em especial na época da maturação da planta, períodos muito longos de seca diminuem a produtividade.
Outro elemento preocupante é o calor, Gabriel explica que a cana-de-açúcar é bem adaptada aos trópicos e tem uma faixa larga de temperatura onde a planta se desenvolve bem, ela varia de 18 °C a 35 °C, mas a tendência é de ter mais dias acima desse limite.
“A água é fundamental para qualquer planta e uma seca muito grande, muitos dias sem chover é maléfico para a cultura. Porém, temperaturas muito elevadas por muitos dias seguidos, acima de 35 °C, por exemplo, também prejudica e implica em queda na produtividade”, fala Petrielli.
Os pesquisadores avaliaram possíveis áreas de expansão com objetivo de reverter, ou ao menos, amenizar os impactos das mudanças climáticas na queda da produtividade. Uma das opções estudadas foi a de encontrar áreas de expansão que obedecessem aos limites do zoneamento agroecológico.
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Claudia Assencio/g1
O zoneamento é uma ferramenta de análise que qualifica uma região ou uma área específica conforme a sua capacidade agrícola, considerando o clima, solo, potencial produtivo, impacto ambiental, etc.
Ele explica que para a cana-de-açúcar, a área ideal está dentro da região centro-sul, em especial os estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, responsáveis por produzir atualmente 90% da cultura no Brasil.
A possibilidade de expansão das áreas de plantio se encontra principalmente, segundo Gabriel, nas áreas de pastagem. No entanto, boa parte dessa área é muito impactada pelas mudanças climáticas também.
“Outras áreas fora desse zoneamento agroecológico já é um pouco mais complicado de a gente falar em expansão, porque podem ter outros impactos da expansão nos ecossistemas”, explica Petrielli.
Couto complementa que um dos avanços nos estudos do CNPEM é a elaboração de modelos que olham para regiões com pouca ou nenhuma informação sobre determinada cultura, estimando a produtividade em lugares que nunca tiveram cana.
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Unem/ Divulgação
Outras possibilidades apontadas por Gabriel é o melhor uso do etanol de segunda geração, que é retirado a partir dos resíduos da cana-de-açúcar, como a palha e o bagaço que sobra o primeiro processo.
“A maior parte dos 30 milhões de litros de etanol produzido no Brasil por ano é de primeira geração, mas vale a pena ressaltar que o de segunda geração tem um desenvolvimento tecnológico bastante importante. E isso ainda é um gargalo no país porque ele depende de enzimas industriais que são importadas”, aponta Couto.
E complementa que, se fosse utilizado todo o resíduo deixado pelo processo tradicional já é consolidado no país, a produção aumentaria de 30 a 50% “sem ter que plantar mais nada.”
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Wilson Ribeiro/TV Centro América
Os pesquisadores comentaram também sobre a possibilidade de utilizar outras plantas para geração de etanol, como milho, soja e eucalipto. O CNPEM inclusive já aplicou a mesma modelagem para essas culturas com objetivo de mapear os impactos das mudanças climáticas e devem apresentar os resultados em breve.
Mas já adiantam, a importância de estudos mais aprofundados, pois afirmam que entre 15 e 20% do etanol produzido no Brasil hoje já vem do milho.
“São cerca de 6 bilhões de litros de um total de 36, e isso vem crescendo”, encerra.
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