Retorno de Trump não deve afetar relação EUA-China, dizem especialistas

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NELSON DE SÁ
PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS)

Encerrada a conversa entre Donald Trump e Xi Jinping nesta sexta-feira (17), investidores correram para apostar em fundos ligados às ações chinesas.

Segundo Pequim, o presidente eleito dos Estados Unidos teria dito que as duas economias “devem se dar bem por anos”. O próprio americano relatou ter afirmado que espera “resolver muitos problemas junto” com o líder da China, desde já tendo abordado como “equilibrar o comércio”.

Essa promessa, que parecia confirmar que Trump estava disposto a ceder para alcançar acordos, animou o mercado financeiro. Mas dias antes, três pesos-pesados do debate de política externa na China tinham desenhado um quadro bem menos otimista.

Wang Jisi, Yan Xuetong e Zhang Yuyan dirigem os institutos de relações internacionais das universidades de Pequim e Tsinghua e da Academia Chinesa de Ciências Sociais, respectivamente. Por duas horas e meia, eles questionaram as ilusões em torno do novo presidente americano.

Wang afirmou que “Trump superestima a sua própria força”, terá apenas quatro anos no cargo e não conseguirá “completar tudo o que quer”. Também disse que “não se devem levar as suas palavras tão a sério”, porque elas poderiam esconder as intenções reais do republicano.

Zhang, da Academia, instituição mais próxima do regime, afirmou que o novo presidente vai seguir com a estratégia americana de “manter superioridade em relação à China, sem mudanças significativas”.

Concordou com Wang no sentido de que não se deve “levar a sério cada palavra de Trump”, mas apontou a necessidade de atenção para medidas que ele prometeu durante a campanha, como as tarifas de 60% sobre produtos chineses.

Sobre maior abertura para negociações, Yan, da Tsinghua, não estava convencido de que Trump era um líder flexível “só porque tem estado envolvido em negócios há anos”.

Ele disse acreditar que havia espaço para cooperação, em especial “no gerenciamento de questões sobre o Estreito de Taiwan” e na negociação dos princípios políticos que devem guiar o desenvolvimento da inteligência artificial (IA). Mas são casos em que a cooperação é necessária por interesse mútuo, não por eventuais qualidades do novo presidente, acrescentou.

Questionado se Elon Musk terá influência nas relações bilaterais entre China e EUA, Wang respondeu que isso certamente seria positivo, uma vez que o empresário tem “conhecimento tecnológico de alto nível e que conhece o povo chinês, o visitou muitas vezes”. Acrescentou, porém, que “não se pode igualar a atitude de uma pessoa em relação à China com toda a política dos EUA”.

Também questionou se Musk planeja investir no país a longo prazo ou vai se afastar, agora que a Tesla enfrenta concorrência. “Não podemos colocar as nossas esperanças para as relações sino-americanas num único indivíduo”, concluiu.

Yan adendou que indivíduos só podem influenciar no terreno internacional se têm poder em seus próprios países. No caso, “Trump é o indivíduo que pode influenciar mudanças”, disse.

Sobre o quadro mais geral, Wang reconheceu que tanto Pequim como Washington se veem hoje como adversários e que a situação remete à Guerra Fria. “A relação sino-americana, há cerca de dez anos, entrou num estado similar de confronto que pode durar tanto quanto a Guerra Fria, 44 anos, até mais”, afirmou.

Isso deve se intensificar nos próximos dez anos, mas não sem chegar a um conflito armado. Para Wang, “a possibilidade de uma guerra China-EUA é muito pequena”, com a disputa se concentrando nas áreas econômica e tecnológica. No seu entender, “ainda há muitos fatores racionais em jogo”, o que reduz esse risco.

Para Yan, “a competição estratégica sino-americana começou quando os EUA iniciaram seu giro para a Ásia, 14 anos atrás, que posicionou a China como o maior concorrente deles”.

Ele discordou do paralelo com a Guerra Fria. Nestes 14 anos, “nenhum dos lados se engajou em guerras por procuração, como na competição americano-soviética”. Projetou que, com Trump, a desglobalização econômica vai se intensificar, mas não irá retornar para o que era nos tempos da União Soviética.

De todo modo, com a posse do novo presidente, segundo Yan, “as principais potências vão se voltar cada vez mais para decisões baseadas em poder, apoiando-se mais em meios violentos para resolver disputas”.

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