De como fazer poesia faz amanhecer o que se tem de mais adormecido dentro de nós

Soninha Santos

Especial para o Jornal Opção

Manoel de Barros (1916-2014) já se consagrou como um dos maiores poetas brasileiros e sua poesia se destaca como daquelas manifestações humanas mais sutis e misteriosas.

Manoel de Barros costuma dizer que qualquer coisa pode se tornar matéria de poesia, mas apesar dessa afirmação, sua obra magistral parece, mas não é nada fácil de fazer. Cravar poesia em um caco de vidro ou criar pela poesia ferramentas de pensar não é pouca coisa. Estimular ideias, pensamentos e ações por meio de versos é tarefa de grandes mestres da lírica.

Eis que me chega à mão a mais nova edição de “O Fazedor de amanhecer” (Companhia das Letrinhas, 47 páginas). Já possuía a edição anterior e essa que me chega agora encheu-me de alegria, pois cada vez mais uma poesia de boa qualidade estética, dedicada especialmente às crianças, está ficando rara nos nossos lançamentos literários.

Esse livro, ilustrado de maneira divertida e brincalhona por Fernanda Massotti e Kamila João, representa um brinde e mil vivas à poesia infantil e juvenil.

O poeta sugere, já no primeiro verso que inventemos uma ferramenta de pensar, ação tão necessária nesses dias turbulentos de agora.

Manoel de Barros diz que o seu “desapetite” para “inventar coisas prestáveis“ condiz com sua “leseira”. Só esses versos seriam motivos suficientes para se querer conhecer o livro todo, mas Manoel de Barros não para de surpreender o leitor: sua leitura de mundo e sobretudo das coisas pequenas faz florescer a palavra transmutada em imagens.

O bardo de Cuiabá faz poesia de alcance inimaginável para crianças que, sendo livres de coisificações desnecessárias, voltam ao avô real ou imaginário, aquele avô apresentado nos livros, o avô que, nas palavras do poeta, “dava grandeza ao abandono”. Ou ainda ao personagem que é apresentado ao leitor como seu Bernardo, que já era, como ele próprio diz, “árvore quando eu o conheci”. Também merece destaque seu ponto de vista tão peculiar e particular.

Página a página, o leitor/leitora vai descobrindo um mundo de seres e coisas enaltecidos pela proeza do poeta: transformar o nada em tudo.

Assim é Manoel de Barros quando fala às crianças; sem voltas e sem meias, sem vocabulário ostentoso nem sofisticado, ele diz o que é, faz afirmações sem precisar mostrar argumentos. Seus versos traduzem a vida da palavra e a palavra da vida.

Fica a dica: seria sempre possível, de maneira poética, por meio das palavras “multiplicar os silêncios?” Pergunte isso a uma criança que, certamente, ela responderá sem muito divagar. São delas as palavras de Manoel de Barros e não resgatar a grandeza desse vocabulário poético nas escolas pode acarretar um grande atraso: atraso pedagógico, atraso de vida, com certeza!

Soninha Santos é crítica de literária especializada em literatura infantojuvenil. É colaborador do Jornal Opção.

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