Cessar-fogo pode começar sem que se saiba escala real de mortos em Gaza

palestinian israel conflict

VICTOR LACOMBE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Com o cessar-fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas iniciado neste domingo (19), o mundo ainda não sabe com precisão a escala real das mortes causadas pelos intensos bombardeios e ataques israelenses na Faixa de Gaza desde o início do conflito, em 7 de outubro de 2023.

Pesquisadores envolvidos na checagem independente do número de palestinos mortos por Israel na guerra esperam que, com o fim das hostilidades, seja possível trabalhar em campo e chegar a uma cifra clara e definitiva –com os conflitos intensos e mortes recorrentes de trabalhadores humanitários em ataques israelenses, isso é hoje inviável.

Enquanto isso, o número utilizado por boa parte da imprensa é aquele divulgado pelo Ministério da Saúde de Gaza: embora seja controlado pelo Hamas, entidades como as Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde e a ONG Human Rights Watch consideram a contagem historicamente confiável.

Segundo a pasta, mais de 46 mil palestinos foram mortos nos ataques ao longo de 15 meses, e cerca de 110 mil ficaram feridos.

Uma vez que a contagem é feita por um órgão ligado ao grupo terrorista em guerra com Israel, esse número é frequentemente atacado por apoiadores do país e já foi questionado por Tel Aviv e pelos Estados Unidos, principal fiador militar e diplomático do Estado judeu.

Newsletter Lá Fora Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo * Mas um estudo publicado no último dia 9 conduzido pela universidade London School of Hygiene and Tropical Medicine (LSHTM) e publicado na revista científica The Lancet, reconhecida por sua relevância global em pesquisa médica e saúde pública, apontou que os dados do ministério palestino não apenas não foram inflados como podem apresentar subnotificação de cerca de 40%.

“Isso acontece por uma combinação de diferentes fatores”, explica à Folha Francesco Checchi, professor de epidemiologia da LSHTM e um dos autores do estudo. “O Ministério da Saúde obtém seus dados a partir de necrotérios de hospitais, que registram as mortes em um sistema eletrônico. Hoje, esse sistema não está mais funcionando direito, como o próprio ministério admite. E muitos hospitais, é claro, já não estão mais operando.”

Além disso, prossegue o pesquisador, as condições catastróficas dos hospitais que ainda funcionam em Gaza provavelmente dificultam o registro minucioso dos mortos. “Outro problema é que muitas pessoas avaliam ser perigoso demais levar um familiar morto até o hospital e acabam realizando o enterro nas próprias casas. Por fim, algumas vezes famílias inteiras são mortas e não resta ninguém para relatar o ocorrido.”

A análise conduzida pelos pesquisadores da LSHTM cobre o período de outubro de 2023 até junho de 2024. Como fontes, o estudo utiliza os dados coletados pelo Ministério da Saúde em necrotérios, uma lista online divulgada pela pasta pedindo que pessoas registrassem familiares mortos, e uma análise de publicações em redes sociais de palestinos anunciando a morte de membros da família e conhecidos.

Segundo o estudo, 64.260 palestinos em Gaza foram mortos por ataques e bombardeios nesse período –no dia 27 de junho, a cifra oficial divulgada pelo Ministério da Saúde de Gaza era de 37.765. O levantamento conclui, portanto, que provavelmente mais de 70 mil palestinos foram mortos na guerra até aqui.

Checchi ressalta que nenhuma evidência de fraude nos números do ministério foi encontrada. A pesquisa também aponta que, das vítimas das quais é possível analisar idade e sexo, 60% são mulheres, crianças ou idosos. “Não posso fornecer nenhuma explicação para isso além de dizer que a campanha militar [israelense] foi desproporcional e não fez o bastante para distinguir entre combatentes e civis”.

Questionado se os dados abrem espaço para que se fale em genocídio da população palestina, como denunciado por entidades como a Anistia Internacional, o pesquisador pontua que isso requer uma análise jurídica da guerra, “o que foge do escopo do estudo”. Entretanto, afirma que a escala da violência e a taxa de mortalidade são relativamente mais consistentes com casos de genocídio e limpeza étnica do que com campanhas militares convencionais.

Israel tem reiterado que suas operações militares têm sempre como alvo instalações usadas pelo Hamas.

Além disso, afirma que seus serviços de inteligência buscam minimizar o dano a civis.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.