A meses da COP30, oferta de imóveis em Belém tem preços irreais, contratos atípicos, despejo e represamento

belém do pará, sede da cop 30

VINICIUS SASSINE
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)

Diante de uma ausência de regulação e organização de vagas disponíveis para o período da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas), o mercado imobiliário em Belém passa por anomalias com preços exorbitantes e irreais em plataformas, contratos atípicos, intenções de despejo, represamento de imóveis e ofensivas de grandes empresas por apartamentos.

A menos de dez meses da realização da cúpula da ONU (Organização das Nações Unidas), a primeira a ser feita na Amazônia, proprietários e administradores de imóveis na capital paraense se sentiram livres para operar um mercado com regras próprias.

Há um déficit de vagas para a COP30 em Belém, e tanto o governo Lula (PT) quanto o governo do Pará, de Helder Barbalho (MDB), tentam improvisar na ampliação de ofertas de leitos aos 40 mil visitantes esperados para a cúpula, que costuma reunir representantes -chefes de Estado e de governo entre eles- dos mais de 190 países integrantes da convenção do clima da ONU. Atualmente há cerca de 18 mil leitos na cidade.

Entre as medidas improvisadas, estão a ancoragem de navios de cruzeiro num porto de Outeiro, distrito de Belém, para oferta de leitos de luxo e a adaptação de escolas para oferta de vagas comuns.

Enquanto não há definição sobre a quantidade de vagas existentes e sobre a maneira como serão ofertadas, nem medidas concretas sobre centralização, busca e oferta de imóveis, a transação de vagas se transformou num vale-tudo.

Nesta sexta-feira (24), em entrevista coletiva após encerramento de uma missão de equipe da ONU em Belém, a secretária-executiva da Casa Civil da Presidência, Miriam Belchior, disse que medidas serão adotadas para conter os preços -na linha do que foi feito na Rio+20 em 2012 e na Copa de 2014- e que uma plataforma será selecionada para gerenciamento de vagas.

“Sofremos situações semelhantes na Copa e na Rio+20, e tomamos medidas relacionadas à defesa do consumidor que fizeram com que os preços se comportassem melhor”, afirmou. “Medidas que nós adotamos em outras situações e que foram efetivas serão tomadas também no caso de Belém.”

Em nota, o governo do Pará afirmou que haverá aumento “significativo” de vagas nos próximos meses e que isso contribuirá para uma “acomodação dos preços”, conforme as regras do mercado.

“O planejamento para a COP traçado pelos governos federal, estadual e municipal prevê a oferta de no mínimo 40 mil leitos durante o período do evento”, cita a nota. “Esse número atende com tranquilidade a demanda projetada de participantes. Em Baku [capital do Azerbaijão, sede da última COP], o pico foi de 29 mil pessoas.”

Proprietários de imóveis estão represando vagas de aluguel para ofertá-las durante a COP30, que vai de 10 a 21 de novembro, diante da perspectiva de ganhos estratosféricos. Há ofertas na casa dos milhões de reais em plataformas privadas, que se tornaram parceiras do governo do Pará, como Airbnb. Essas ofertas são tidas como irreais, ilusórias e abusivas pelo Creci (Conselho Regional de Corretores de Imóveis) no Pará.

Um apartamento com cinco camas, disponível para 17 diárias durante o período da conferência, foi anunciado por R$ 2,3 milhões. Outro, também com cinco camas, sairia por R$ 2 milhões para duas semanas. Um terceiro, com uma cama, foi anunciado por R$ 635 mil para período semelhante.

Uma rede de hotel chega a cobrar US$ 2.000 (R$ 11.840, pela cotação do dólar nesta quinta-feira, 23) por um leito, por dia, durante a COP30, para hospedagem numa unidade em Ananindeua, cidade colada em Belém. Assim, se o hóspede conseguir vaga para os 12 dias de evento, pagará US$ 25.200,00 (R$ 149.184,00), com o acréscimo de impostos. Uma diária, hoje, custa R$ 336.

São ofertas do tipo, que circulam de grupo em grupo de Whatsapp, que alimentam a expectativa de proprietários de imóveis por ganhos estratosféricos durante a COP30, o que resulta no consequente bloqueio de vagas para aluguéis. Os preços cobrados em contratos firmados no início de 2025 também estão bem acima do aceitável no mercado imobiliário em Belém.

Diante desse cenário, passaram a ser comuns contratos atípicos, como por sete ou oito meses, para que o imóvel esteja livre durante a conferência da ONU. Também há contratos de 12 meses com intervalo acertado para o período da cúpula. Nesses casos, o inquilino precisará deixar o imóvel nas datas do evento.

Corretores relatam ainda que passou a ser comum que proprietários manifestem intenção de despejar inquilinos, de olho em rendimentos exorbitantes durante a COP30.

Grandes empresas deram início a ações de busca por dezenas de imóveis em Belém, diante do temor de falta de vagas durante o evento.

Em um caso, uma multinacional de tecnologia enviou e-mails a imobiliárias em que solicitava todos os imóveis disponíveis, que passariam por procedimentos de averiguação de segurança antes da locação.

Outra empresa está atrás de apartamentos mobiliados de alto padrão para executivos e diretores. ONGs também buscam grupos de imóveis, para abrigar funcionários durante a COP30.

ALUGUEL PELO PREÇO DE VENDA

A presidente do Creci no Pará, Luísa Carneiro, afirmou que o conselho não foi chamado pelo governo do Pará e pelo governo federal para participar de soluções para a oferta de vagas durante a conferência da ONU.

Luísa disse ter enviado ofício ao gabinete da vice-governadora do estado, Hana Ghassan (MDB), presidente do comitê estadual para a COP30, pedindo uma reunião sobre o assunto. Uma conversa sobre o mercado imobiliário e as vagas a serem disponibilizadas para o evento da ONU deve ocorrer em fevereiro.

“Os valores colocados em [anúncios nas] plataformas são abusivos e irreais, e prejudicam o mercado”, afirmou a presidente do Creci. “Tem proprietário que mandou cancelar a venda de um imóvel para a esperar a COP, achando que vai alugar o imóvel pelo valor de venda.”

Há ofertas, segundo a presidente do Creci, que pedem R$ 2 milhões pela temporada, enquanto o imóvel custa cerca de R$ 120 mil.

“Os preços vão ser diferenciados, isso já se sabe. Mas é preciso estabilizar o mercado”, disse Carneiro.

A menos de dez meses para a COP30, imobiliárias e corretores não sabem por que canal podem ser ofertados imóveis, de uma forma ajustada à realidade do evento.

“Não há um lugar indicado pelos governos, e o Creci nunca sentou com os governos estadual e federal para discutir isso”, afirmou a presidente do conselho.

OFERTA E DEMANDA

A secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, afirmou nesta sexta que é “natural” o que ocorre a menos de dez meses para a COP30, diante da “lei da oferta e da demanda”. “É um problema que ocorre em todos os lugares que sediam esse tipo de evento.”

Ela não detalhou quais medidas serão adotadas. Segundo Belchior, o governo está selecionando uma plataforma “que seja capaz de gerenciar melhor a distribuição de acesso às acomodações”.

As afirmações da integrante da Casa Civil foram feitas em entrevista coletiva em Belém nesta sexta, por ocasião do encerramento da visita feita por uma comitiva da ONU para avaliar obras de infraestrutura da COP30. A missão foi realizada desde a segunda-feira (20), sem divulgação de agenda e cronograma dos lugares visitados.

Participaram do encerramento da visita o embaixador indicado pelo presidente Lula (PT) para presidir a COP30, André Corrêa do Lago, o secretário extraordinário para a COP30, Valter Correia da Silva, e o governador do Pará, Helder Barbalho, entre outras autoridades que atuam na organização do evento.

Noura Hamladji, secretária-executiva adjunta da UNFCCC (sigla em inglês para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), esteve à frente da visita a Belém. Segundo ela, a questão dos preços das hospedagens é um desafio em todas as COPs.

“Fizemos recomendações sobre isso, e agora vamos ver a implementação”, afirmou. “Estamos aqui para propor soluções, e depois voltamos para ver se funcionou e se outra solução é necessária.”

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