Empresários minimizam efeito Trump sobre agenda climática no Brasil

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JOANA CUNHA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Apesar das jogadas de Donald Trump contra a descarbonização em seu retorno à Casa Branca, empresários brasileiros favoráveis à transição energética minimizam o potencial impacto que a pressão do republicano pode trazer ao mercado local.

O aumento da frequência dos eventos climáticos extremos, em secas, enchentes ou incêndios pelo mundo, já vem consolidando a convicção, tanto de investidores quanto do público em geral, sobre a urgência de avançar na pauta ambiental, avaliam empresários ouvidos pela Folha.

Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Gávea Investimentos, diz esperar que as pressões de Trump não influenciem o posicionamento de empresas no Brasil com relação ao tema.

O risco sempre existe e é preciso avaliar o impacto negativo que a nova postura americana trará, ressalva Candido Bracher, ex-presidente do Itaú e colunista da Folha. “Imediatismo, infelizmente, também é um fenômeno global”, afirma.

Bracher diz ter visto contrapesos importantes nos últimos dias, como a reafirmação dos compromissos no fórum de Davos, a postura mais pró-clima da China e reações como a do bilionário Michael Bloomberg, anunciando que sua fundação e outros apoiadores financiarão o órgão de mudanças climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas), depois que Trump retirou os EUA do Acordo de Paris, tratado global de metas de redução de emissão de gases de estufa.

“Os efeitos do aquecimento continuarão a se fazer sentir, talvez até mais marcadamente no Brasil, com inundações, incêndios etc. Diante disso, o público brasileiro poderá reagir mal a reduções dos compromissos das empresas”, diz Bracher, que foi um dos organizadores de um manifesto em defesa do meio ambiente assinado por 50 empresários e executivos em agosto do ano passado.

Para Pedro Passos, que é copresidente do conselho de administração do grupo Natura, não é do interesse do Brasil nem das empresas brasileiras atrasar seus programas voltados à transição energética e à descarbonização.

“Além do fundamento ético que nos impõe a busca por soluções aos desafios da mudança climática, a ruptura significaria abandonar um veio de que dispomos, de reconhecidas vantagens comparativas e competitivas”, diz ele.

“O retrocesso anunciado pelo governo Trump, com a volta da primazia do petróleo, é um risco inclusive econômico para os próprios EUA, que abrirão espaço para que outras economias se modernizem e se beneficiem de inovações demandadas pela sociedade. Infelizmente, a visão de futuro de líderes populistas como Trump não vai além do seu próprio mandato”, afirma Passos, que também assinou o manifesto ambiental de agosto.

Nesta semana, após a posse do republicano, a Natura divulgou uma carta aberta reafirmando seus compromissos com a agenda ESG.

O gesto dos empresários brasileiros que estão reiterando publicamente suas posições em defesa da transição energética vai na contramão de um movimento crescente nos EUA, onde uma série de instituições do setor financeiro, como JPMorgan, Citi e Bank of America, iniciaram uma debandada das coalizões climáticas.

Na avaliação da empresária Ana Maria Diniz, fundadora do Instituto Península, embora a voz de Trump tenha muita importância globalmente, a tendência de descarbonização é uma realidade sem volta.

“Países como o Brasil, que são celeiros de oportunidades nessa área, não devem sofrer desinvestimento. Muito pelo contrário. E precisam ser cada vez mais exemplo de que atingir as metas de descarbonização é possível. É hora de convicção para maior convencimento”, afirma ela.

Walter Schalka, membro dos conselhos da Suzano e da Vibra, diz estar preocupado com o impacto do novo contexto americano sobre o cenário global, mas descarta os riscos no caso brasileiro.

“Estamos caminhando para um precipício climático. E, para evitar isso, precisamos de um processo de descarbonização global. As ações que estão sendo anunciadas e formuladas pelo governo americano podem criar um desequilíbrio global nas medidas necessárias. Temos de acelerar a descarbonização, e não reduzir a velocidade, dado o aumento da temperatura que estamos vendo. E acho que a questão global é mais crítica do que no caso das empresas brasileiras”, diz Schalka.

Pelas previsões do ex-ministro e empresário Luiz Fernando Furlan, dirigente do Lide, o avanço trumpista contra o tema será contestado.

“A volta de Trump com esse negativismo pode até estimular as empresas e governos que pensam diferente dele a contra-argumentarem na polêmica que ele está propondo. Hoje, só não enxerga quem não quer. Tem coisas dramáticas acontecendo no clima. Cada um está sofrendo à sua maneira. Veja o baque que isso está dando nas empresas de seguros, os preços estão subindo. Isso tudo acaba desaguando na cabeça do cidadão”, diz Furlan.

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