O começo do fim da Guerra

Nesta segunda-feira, dia 27, transcorrem exatos 80 anos desde o momento em que, em 1945, os russos libertaram os prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz, em território polonês. É um marco para a história do início efetivo da derrocada do Reich nazista, em especial de sua indústria de extermínio concretizada em dezenas de Lagers, de espaços nos quais confinaram deportados das mais diversas origens e nacionalidades.

A partir da entrada dos exércitos aliados em Auschwitz, ruía o maior e mais tenebroso dos aparatos montados por Hitler e seus comandados para exaurir prisioneiros em trabalhos forçados e, principalmente, para o assassinato em massa em câmaras de gás e fornos crematórios. Entre 1939 e 1945, período pelo qual a Segunda Guerra Mundial se estendeu, estima-se que entre 60 e 70 milhões de pessoas perderam a vida. Sem esquecer que regiões inteiras foram completamente arrasadas e cidades sumiram do mapa, com todos os seus habitantes.

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Se a tomada de Auschwitz, no início de 1945, é simbólica, os embates entre o Reich e os exércitos aliados ainda se estenderiam pelos meses seguintes, em meio a um impiedoso inverno europeu. As tropas russas, norte-americanas e inglesas, com o apoio de inúmeros outros países (entre os quais o Brasil, que atuou ao lado dos EUA na Itália ocupada pelos nazistas), foram empurrando mais e mais as tropas de Hitler. Que, recuando ou em fuga, levavam consigo, como escudo, contingentes de deportados, em percursos erráticos. Muitos destes foram assassinados à medida que se tornava evidente a derrota do Reich.

A entrada efetiva em Berlim, em 8 de maio de 1945, é tida como o marco do fim da guerra em território europeu. Mas na frente asiática o embate seguiria por mais quatro meses. Os japoneses somente se renderiam aos norte-americanos em 15 de agosto, após o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. E, naturalmente, o cenário de desolação e de destruição que se apresentava em boa parte da Europa Ocidental e do Leste exigiria meses e anos de lenta e traumática reabilitação.

Uma extensa e diversificada literatura hoje está disponível para que os contemporâneos possam entender melhor o que foi e significou o maior conflito armado global. Depoimentos, relatos e testemunhos de sobreviventes estão entre os documentos mais impactantes, numa descrição da crueldade e da violência que eram aplicadas nos Lagers. Ao mesmo tempo, a busca por punir responsáveis e por compreender, até onde seria possível, razões ou decorrências do modo de operar nazista resultou em inúmeros ensaios e em reportagens de cunho histórico.

Agora, quando se completam 80 anos desde aquele fatídico 1945, ficam como leituras oportunas para, talvez, evitar que tudo se repita.

As memórias de quem vivenciou o terror do Lager

Uma infinidade de livros foram lançados sobre a experiência em campos de concentração, de trabalhos forçados ou de extermínio na Segunda Guerra Mundial. Entre eles, É isto um homem?, do italiano Primo Levi (1919-1987), segue como um dos mais impactantes. Ele estivera em Auschwitz e integrou grupo de prisioneiros que os nazistas em fuga arrastavam consigo pelas estradas da Europa.

Enfim livre e em casa, Levi escreveu suas memórias daquela época de terror, publicadas em 1947. Mas acabou merecendo pouca atenção, o que deixou o autor frustrado. Só cerca de duas décadas depois é que efetivamente o livro foi descoberto, e então tratado com o respeito e a importância devidos.

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Outra obra referencial é a do holandês Eddy de Wind (1916-1987), igualmente deportado para Auschwitz. Ao contrário de Levi, levado pelos nazistas em fuga após a chegada dos russos, Wind ficou no campo e ali mesmo, enquanto aguardava por meios de retornar para casa, escreveu suas memórias, publicadas como Última parada: Auschwitz, já em 1946. É considerado o único livro do gênero totalmente escrito no ambiente de campo de concentração ou de extermínio.

Os cabeças do plano maldito

Passadas mais de oito décadas desde os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, muitas pessoas das gerações atuais têm alguma dificuldade para dimensionar quem eram os grandes responsáveis pelo plano de poder e de domínio alimentado pelos nazistas. A fim de oferecer informações sobre os personagens centrais, o historiador gaúcho Rodrigo Trespach elaborou o livro Os nomes do Terceiro Reich, que mereceu uma segunda edição em 2024, sob o selo da editora Difel, do grupo Record. Antes, uma primeira edição saíra pela carioca 106, em 2020.

O historiador gaúcho Rodrigo Trespach, autor de livro sobre os personagens do Reich

O relançamento ocorre já na proximidade dos 80 anos desde o encerramento do conflito, a transcorrerem em 2025. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Sul, Trespach comenta as motivações para a elaboração desse conjunto de biografias sobre Hitler e seus auxiliares.

Nesta segunda-feira, dia 27, transcorrem os 80 anos desde que os russos entraram em Auschwitz. O que isso representou para a derrocada do nazismo e o que representa ainda hoje em termos de memória do holocausto?

Auschwitz era o maior campo nazista na Polônia ocupada. Era um complexo de três campos que explorava mão de obra escrava e praticava o extermínio de pessoas. Dos quase 6 milhões de judeus assassinados durante o Terceiro Reich, cerca de 960 mil foram mortos nesse campo em um período de menos de três anos. Auschwitz é um símbolo da barbárie nazista. E lembrar da libertação do campo é um meio de relembrar a história, de todo o contexto, de como foi possível. É preciso conhecer o passado para que erros como esse jamais se repitam.

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O ano de 2025 marca os 80 anos desde o fim da Segunda Guerra. Passado tanto tempo, a sociedade, no Brasil, tem clareza do que aconteceu naquele conflito?

Eu acredito que efemérides são sempre importantes para reflexões, conhecer o passado, tentar compreendê-lo. E gostaria que o brasileiro tivesse mais clareza. Infelizmente, falta consciência. Mesmo vindo de onde mais se espera. Temos visto muitas manifestações e ações antissemitas nas universidades brasileiras e no exterior que eram inimagináveis até bem pouco tempo.

Em seu livro “Os nomes do Terceiro Reich”, recentemente reeditado pela Difel, o senhor recupera a biografia de vários personagens associados ao nazismo e à Segunda Guerra. Qual seu propósito com esse volume?

A ideia principal do livro é contar a história por meio de biografias. É difícil pensar em qualquer evento histórico e dissociá-lo das trajetórias de vida tanto dos protagonistas quanto dos coadjuvantes. Dessa forma, entender como nazismo e o Holocausto foram possíveis passa pelo conhecimento de biografias e pela vasta trama de enredos individuais. O livro foi escrito com uma linguagem acessível e dividido em capítulos temáticos, o que ajuda na compreensão.

Há algum aspecto que pode ser entendido como sendo comum em relação a todos eles?

Essa é uma excelente pergunta. Invariavelmente, as pessoas acreditam que existe uma receita pronta para tudo. Ou um único caminho. A realidade humana é muito mais complexa. O livro trata de nomes que vieram das classes baixas da Alemanha, bem como da nobreza; havia artistas, professores e gente comum, alguns sem instrução formal alguma e outros com sólida formação acadêmica. Sim, muitos dos idealizadores ou perpetradores do Holocausto tinham doutorado em História ou Antropologia. E ainda assim foram capazes de fazer o que fizeram. Em comum, a capacidade de agir em nome de uma ideologia — e fazer o mal.

O que as ações deles podem nos enviar de alerta ou o que aquele período deixa de lição para a posteridade?

O alerta é que devemos ser vigilantes sempre. Não opine sobre algo tendo como base apenas o posicionamento dos outros, da imprensa ou das redes sociais. A massa é manipulável e manipulada. Leia, estude e reflita. Há muitos lobos em pelo de cordeiro.

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O Brasil chegou a ter presença efetiva no palco dos combates através da Força Expedicionária Brasileira (FEB), na Itália. Essa atuação, e os demais fatos associados à guerra, mereciam ser mais e melhor abordados na escola?

O Brasil tem grande déficit com a própria história. Não apenas com a participação na Segunda Guerra, que é complexa, já que o Brasil vivia uma ditadura e estava ao lado de democracias e países livres lutando contra ditaduras europeias. A escola brasileira ensina história de forma muito uniforme. É preciso entender que história não é uma ciência exata. Há muitos contextos distintos, que mudam de país para país. E, no caso do Brasil, de região para região. A Segunda Guerra, por exemplo, impactou de forma diferente regiões distintas do País. No Sul, temos comunidades alemãs e italianas que sofreram retaliação do governo, como a proibição da língua estrangeira. No Nordeste, isso teve um impacto menor.

Hoje tem-se amplo acesso a informações e a conteúdos via internet. Isso basta para compreender as motivações e as decorrências da Segunda Guerra Mundial?

Nem tudo que a internet populariza ajuda na compreensão. Há bons caminhos, mas também há muitos jornais, sites ou influenciadores sensacionalistas, sem compromisso real com o entendimento da história. Em uma população com a base de conhecimento muito fraca, como é o caso da brasileira, o efeito às vezes não é positivo. Há muita informação rasa e direcionada e pouco conhecimento crítico ou mais consistente. Acredito que a leitura de livros é um caminho mais seguro.

A partir de seus estudos, o senhor entende que um novo conflito de tal magnitude seria possível? Por quê?

Sempre me perguntam isso. Costumo dizer que historiador não é vidente. É difícil imaginar que acontecimentos dessa magnitude possam voltar a acontecer. Com a tecnologia moderna e armas nucleares, o planeta seria completamente destruído em pouco tempo. Além disso, há outras formas de dominação que diferem do padrão comum até o século 20 (o de dominação territorial e controle físico de pessoas). Embora ainda existam conflitos como esses, caso da guerra na Ucrânia, o que temos hoje são guerras cibernéticas e biológicas, que não envolvem apenas países ou governos, mas grandes corporações internacionais, e também podem ser devastadoras.

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