Entre Pará e Paraíba, batidão agita o país com Marcynho Sensação e Manu Bahtidão

marcynho

FELIPE MAIA
(FOLHAPRESS)

Num país de proporções continentais como o Brasil, é ledo engano pensar que uma palavra não possa ter muitos significados. O termo “batidão”, por exemplo, varia muito entre Pará e Paraíba quando usado para descrever um tipo de música. Quem ouve batidão no norte é fã da versão mais romântica e orquestrada do tecnomelody e, no nordeste, quem curte batidão gosta de piseiro com toques caribenhos e ambos vivem seu melhor momento atualmente em figuras como Manu Bahtidão e Marcynho Sensação.

“Eu acho que quando ouvem nosso som hoje entendem que ele se assemelha a outros ritmos nacionalmente conhecidos”, diz Manu. Na lista de 50 artistas mais ouvidos no Brasil em 2024, segundo a associação Pró-Música, a artista não só é a única a levantar a bandeira paraense como também o faz com duas canções: “Daqui Pra Sempre” e “Torre Eiffel”.

Manu ostenta as cores do Pará como cidadã honorária do estado. Nascida Emanuella Tenório Rocha em Alagoas, a cantora de 38 anos tornou-se paraense por decreto em dezembro último ao receber o título em cerimônia na Assembleia Legislativa local. “Foi aqui onde vivi os momentos mais importantes da minha vida, foi aqui, no Pará, onde cheguei há 18 anos”, disse ela, que teve seu primeiro contato com a música paraense não em Belém, mas, sim, em Recife.

Em meados dos anos 2000, após alguns anos rodando o nordeste como cantora de forró, Manu chegou à capital pernambucana e deu com o fenômeno do calypso, de bandas como Calypso e Companhia do Calypso ambos de origem paraense e residentes no Recife. “Pernambuco e Pará sempre tiveram uma conexão muito grande por causa do brega”, diz Manu. “E foi nessa época quando conheci o Pará e o tecnomelody, que era conhecido em alguns lugares do Brasil como batidão.”

Já radicada no norte do país, Manu passou a estrelar a Banda Batidão o primeiro grupo a se batizar com o termo foi o Bonde do Batidão, fundado em 2008. A banda de Manu se tornou referência no estado ao lado de nomes como Viviane Batidão e Banda AR15 e entoando canções hoje clássicas como “Ai Ai Ai Mega Príncipe”, regravada por Pabllo Vittar em 2024.

A cantora deixou a banda que lhe deu sobrenome em 2015 e em 2017 começou a descer o mapa do Brasil. “Fiquei residindo cinco anos em Goiânia, ia e voltava de lá, gravei sertanejo, arrocha, sempre estive arriscando e tentando novas possibilidades”, diz ela, que hoje se divide entre São Paulo e Belém.

A investida pelo Centro-Sul começou a dar resultados a partir de 2020. Se na Banda Batidão a cantora tinha colaborado na consolidação do gênero, em carreira solo ela passou a fundir cada vez mais o batidão ao sons populares do país.

Este é o caso do álbum “Daqui Pra Sempre”. Gravado no Ceará, o disco tem participação de cantores do forró, do sertanejo e do brega e mostra uma cantora e time de produção versáteis, atravessando ritmos sem nunca perder o toque do batidão. O single do disco rendeu um troféu à cantora no Prêmio Multishow do ano passado.

“Desde a pandemia, a gente já rodava muito, lotava casa de shows com a música “Par Perfeito”, mas a gente ainda não tinha estourado no Brasil,” explica a artista. “Aí quando gravamos a música Daqui Pra Sempre com a Simone Mendes foi que a gente deu essa desbloqueada para o Brasil inteiro. Acho que foi essa junção de ritmos que a gente faz, acho que deu essa inovação.”

O batidão paraense a bateria eletrônica do tecnomelody, conjuntos de dançarinos e instrumentistas em vez de DJs e letras de romantismo rasgado tem um maximalismo que destoa do seu par paraibano.

Depurado e enxuto, o batidão da Paraíba data de ao menos 15 anos e tem uma estrutura que lembra gêneros do Caribe, como dancehall e reggaeton. E, tal qual estes, esse batidão também passa por uma renovação que resulta da aceleração do seu andamento.

“O batidão é uma mistura: tem instrumentos do piseiro, do reggae, tem um pouco de lambada francesa, e era algo que só ficava aqui na região da Paraíba com artistas como DJ Marcilio, Gil Bala, mas não tinha essa proporção que está tendo agora,” explica Marcynho Sensação, artista de batidão com mais de 2 milhões de seguidores no Instagram.

Natural de Areias, sertão paraibano, Marcynho começou no teclado aos 15 anos por influência do pai. Tocando em bares e festas, construiu sua carreira com um sem número de canções do cancioneiro do nordeste do país. “O foco do batidão foi agora no finalzinho de dezembro, o pessoal mais jovem daqui da região está na loucura do batidão”, diz o artista, o primeiro do gênero a entrar no Top 200 do Spotify com duas músicas: “Tu Xera” e “Mulher Roleira (Solinho Envolvente)”. “Quando a gente toca essa, no ritmo do reggaeton, já vem aquela lembrança de música antiga.”

“Mulher Roleira” é uma canção do início dos anos 2000 que teve sucesso à época em São Luís do Maranhão e voltou à tona na voz de Marcynho. A faixa, que lembra o reggaeton “Sexo Quiero Yo”, lançando em 2001 pelos portorriquenhos Sir Speedy e DJ Bloss, é um elo entre o batidão da Paraíba e do Pará.

“O importante no som do paredão é o grave, tem que ser uma porrada, então eu tive que dar aquele batidão na música, aquele bum”, explica Woldon Campos, fundador da banda Caribbean Hits e autor de “Mulher Roleira”. “O batidão é do alto-falante de 18 polegadas, e na época a gente não tinha um amplificador potente para dar aquele murro, mas as aparelhagens fizeram com que essa pancada se manifestasse.”

No Pará com mais, na Paraíba com menos e se exprimindo de outras formas pelo país, como na vaneira gaúcha ou como sinônimo de funk em São Paulo e no Rio, o batidão conecta o país por meio de sua diversidade. Perguntada sobre como resumiria o termo que lhe dá nome, Manu Bahtidão diz: “É um ritmo muito envolvente com que ninguém consegue ficar parado.”

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