Rússia critica plano do ‘Domo de Ferro Americano’ de Trump

trump e putin

IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia condenou duramente nesta sexta (31) a proposta de Donald Trump de criar um novo escudo antimíssil para os Estados Unidos, que o presidente chamou de “Domo de Ferro americano”, em referência ao sistema homônimo de Israel.

Namorando a nova gestão da Casa Branca desde a eleição do republicano em novembro, de olho em um desfecho mais favorável para si na Guerra da Ucrânia, os russos adotaram com a crítica o tom mais duro contra o novo presidente americano desde sua posse, no dia 20.

“Ele (o plano) prevê diretamente um fortalecimento significativo do arsenal nuclear americano e dos meios para conduzir operações de combate no espaço, incluindo o desenvolvimento e a implantação de sistemas de interceptação baseados no espaço”, disse a porta-voz da chancelaria, Maria Zakharova.

Ela afirmou que o escudo visa reduzir a dissuasão nuclear da Rússia e da China, o que mudaria o balanço estratégico num momento em que o Kremlin se diz aberto a retomar negociações sobre controle de armamentos -Moscou e Washington concentram 90% das ogivas atômicas do planeta.

“Nós consideramos isso [o escudo] uma outra confirmação do foco dos EUA em tornar o espaço em uma arena de conflito armado, e de colocar armas lá. Essa abordagem não contribui para a redução das tensões na esfera estratégica”, disse a diplomata.

Desde a posse, Trump disse que gostaria de se encontrar com Vladimir Putin para discutir um acordo pelo fim da guerra e controle de armas nucleares, algo que espiralou desde a primeira gestão do republicano, que tirou os EUA de 2 dos 3 tratados que visavam evitar o apocalipse nuclear.

Com o agravamento das tensões depois da invasão da Ucrânia, em 2022, Putin congelou a participação russa no acordo remanescente. Não por acaso, o referencial Relógio do Juízo Final foi ajustado nesta semana para o pior nível de sua história.

O tema do espaço é historicamente sensível na relação entre as potências atômicas. Um tratado de 1967 proíbe a militarização extraterrestre, citando especificamente o posicionamento de armas em órbita. Tanto EUA quanto Rússia são signatárias do acordo.

Trump emula o antecessor Ronald Reagan (1911-2004), que em 1983 colocou como prioridade o programa apelidado de Guerra nas Estrelas, que previa o posicionamento de satélites com lasers capazes de destruir ogivas voando acima da atmosfera e um sistema de interceptação com mísseis.

O projeto era uma fantasia, mas ajudou a aumentar a paranoia soviética, que acelerou o gasto militar para cerca de 13% do PIB do país, o que ajudou a fazer desmoronar o império comunista em 1991. Putin já disse que os EUA querem fazer o mesmo agora.

Nos anos 2000, foi a vez de George W. Bush incomodar os russos ao instalar um sistema contra mísseis balísticos no Leste Europeu, nominalmente visando eventuais ataques do Irã. A segunda base foi aberta no ano passado na Polônia, gerando protestos russos -além da capacidade defensiva, teoricamente é possível armar os lançadores com armas ofensivas.

Agora é a vez de Trump, que emprestou o nome do sistema de interceptação de baixa altitude de Israel, famoso na guerra contra o Hamas e o Hezbollah -as outras duas pernas da defesa aérea do Estado judeu são a Funda de Davi (média altitude) e o Flecha (grande altitude). A comparação, portanto, é apenas no nome.

Apesar da fantasia em torno do tema, já que muito difícil interceptar uma ogiva de um ICBM (sigla inglesa para míssil balístico intercontinental), a questão preocupa estrategistas sérios. Especula-se que um sistema mais eficaz, ainda que limitado, custaria centenas de bilhões de dólares.

Hoje, os EUA têm apenas 44 mísseis de interceptação contra um ataque nuclear, e os testes até hoje feitos mostram um baixo índice de eficácia. Qualquer ação do tipo contra os americanos poderia envolver dezenas ou centenas de mísseis.

Em relação ao espaço, o decreto de Trump não fala abertamente em colocar armas nucleares, o que violaria o tratado de 1967. Mas a nota da Casa Branca sugere isso: “O Domo de Ferro vai fazer avançar os objetivos de paz por meio da força. Ao dar aos EUA uma capacidade de segundo ataque, o Domo de Ferro vai dissuadir os adversários de atacar a pátria”.

Na doutrina nuclear vigente, capacidade de segundo ataque é usualmente atribuída a submarinos, que podem atacar de forma silenciosa de qualquer lugar dos oceanos no caso de um bombardeio nuclear contra alvos terrestres pelo adversário.

O texto, portanto, sugere que isso pode ser feito do espaço, além da ideia de uma rede defensiva. Os EUA, entre as grandes potências, são quem mais investe no aspecto militar do espaço.

Na primeira gestão Trump, foi criado um ramo das Forças Armadas só parar isso, a Força Espacial -cujo símbolo, em mais uma apropriação da cultura pop, lembra a insígnia usada pelos tripulantes das naves da Frota Estelar do clássico “Jornada nas Estrelas”.

Em 2021, os russos causaram alarme quando testaram um míssil contra um antigo satélite soviético, dado que os destroços podiam afetar outros objetos em órbita. A China fez testes parecidos também, e com as dificuldades econômicas russas avançou seu programa espacial tendo os aliados de Moscou como parceiros.

No começo do ano passado, o governo de Joe Biden alertou aliados de que a Rússia tinha uma nova capacidade nuclear no espaço, o que Moscou negou. Depois, a Casa Branca voltou atrás e disse que era uma arma antissatélites, e que ainda estava em desenvolvimento.

Isso colocaria em risco, entre outras coisas, a constelação de mais de 6.000 satélites de Elon Musk, o bilionário tornado braço-direito de Trump, com uma secretaria só para si no governo. Os russos já disseram que o sistema de comunicação Starlink, que fez a Ucrânia conseguir se manter conectada na guerra, é um alvo militar legítimo.

Já na posse, ao falar em colonizar Marte, Trump sinalizou investimentos na área espacial ao gosto de Musk, cuja empresa SpaceX já opera foguetes que servem aos americanos na Estação Espacial Internacional.

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