A verdade do enxame

O vídeo é curto, circula nas redes sociais e pode ser encontrado facilmente. Em menos de dois minutos, a atriz norte-americana Gwyneth Paltrow faz críticas à atuação de Fernanda Torres no filme Ainda Estou Aqui e diz que ela não mereceu o Globo de Ouro. Essa vitória teria sido reflexo de “uma agenda para aceitar mais estrangeiros no cinema” e a brasileira “não estava no mesmo nível das outras indicadas”.

Não haveria problema se a opinião de Gwyneth Paltrow fosse essa. A questão é que ela não disse nada a respeito. O vídeo é falso, com uma dublagem em volume muito mais alto do que o som original, na tentativa de disfarçar. Mas, prestando atenção (e sabendo um mínimo de inglês), nota-se a fraude. Sem falar que a moça gesticula de forma idêntica várias vezes – na verdade, é a repetição dos mesmos dez segundos, estendidos por um minuto e meio. Sem relação nenhuma com cinema.

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Nos comentários, a maioria dos internautas acredita no embuste, ou finge muito bem. Em outra ficção da internet, Fernanda Torres faz um discurso fake na cerimônia do Globo de Ouro, enfeitado com palavrões – uma “brincadeira” criada com inteligência artificial. Quem não assistiu à entrega da premiação pode até cair.

Manipulações desse tipo são cada vez mais comuns. Infelizmente, elas não se limitam ao entretenimento; invadem o terreno da política e da economia, com efeitos destrutivos. Big techs já decidiram lavar as mãos e abandonaram os serviços de checagem e moderação de conteúdos.

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Espera-se que o usuário faça a devida moderação nas redes. Resta saber se esse usuário realmente se importa com a veracidade ou não do que ele assiste, lê e compartilha.

No livro Infocracia – Digitalização e a crise da democracia, o filósofo coreano Byung Chul-Han diz que o mundo hoje é dominado por tribos ou “enxames digitais” para as quais informações não são fonte de conhecimento, mas de identidade. Elas só têm valor quando confirmam o que interessa ao grupo, fortalecendo-o.

Caso os fatos e dados contrariem a convicção da tribo, eles são simplesmente ignorados, “pois renunciar às convicções seria perder a identidade, o que é preciso evitar a qualquer custo”.

A verdade é irrelevante perto da identidade.

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