Designer Carlos Motta traduz a paisagem da mata atlântica para o mobiliário

carlos motta

JOÃO PERASSOLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Em seus anos de faculdade, Carlos Motta costumava surfar em praias isoladas. Quando chegava nas areias do litoral de São Paulo para praticar seu esporte favorito, se deparava com pedaços de madeira e troncos, “umas coisas lindas que o mar trazia, principalmente depois da tempestade”, ele conta.

Catando o que a natureza lhe dava, montou uma estante. Depois, uma pequena poltrona. Era um período em que o então estudante havia abandonado o direito e dava seus primeiros passos no design, auxiliado por Paulo Mendes da Rocha, com quem estagiava. Suas peças são muito legais, disse a Motta o mestre da arquitetura brasileira.

A história ilustra elementos centrais do trabalho de Motta, designer fundamental do mobiliário brasileiro dos últimos 40 anos -a influência da mata atlântica nas suas criações, o comprometimento em produzir peças com madeiras encontradas e o respeito de seus pares. Sérgio Rodrigues, padrasto do móvel moderno e autor da poltrona Mole, também elogiava os desenhos do paulistano.

Aos 73 anos, com sólido reconhecimento dentro e fora do Brasil, Motta ganha agora um livro com uma retrospectiva visual de seu trabalho. Recém-lançado pela editora Ubu, o volume tem três ensaios fotográficos. Abre com imagens de folhas, troncos e paisagens da mata atlântica feitas por sua filha, Layla, e segue com retratos de Fernando Laszlo, em preto e branco, das poltronas, cadeiras e sofás de Motta.

Nas páginas finais, vemos uma sequência de interiores de casas projetadas por Motta -que também é arquiteto- em lugares cinematográficos como a Patagônia chilena e a Serra da Mantiqueira, no interior de São Paulo. Estas imagens, capturadas por Mauro Restiffe numa câmera Leica, têm aspecto onírico, como se os lugares estivessem envoltos numa bruma.

Há um único texto no livro, assinado pelo jornalista Bruno Torturra, sobre a natureza da Serra da Mantiqueira, onde Motta tem uma casa. A publicação não inclui descrições técnicas de móveis ou conceitos de arquitetura. A ideia é “que a pessoa entenda o livro folheando”, diz Motta, ao receber este repórter em seu ateliê e showroom no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, local que ocupa desde o final dos anos 1970.

Ali, vemos exemplos do que Motta considera o bom design. São cadeiras, como a clássica São Paulo, talvez seu móvel mais conhecido, e a Luna, que ele fez para o Palácio da Alvorada; ou o sofá Mantiqueira, com assento mais baixo e que põe em evidência a madeira maciça empregada na construção. Ele conta que seu ponto de partida para criar é a ergonomia, ou seja, a relação confortável do corpo com o objeto.

“Eu vou gerar um produto que tem uma estética tal. Mas essa estética não nasceu da estética, ela é um resultado final. Esse resultado acaba sendo simples, óbvio e chique, na minha maneira de olhar. Eu acho as coisas [que faço] bacanas pelo purismo”, afirma ele, acrescentando que segue a máxima do design de que a forma segue a função.

Motta se define como um marceneiro apaixonado por ver seus desenhos ganharem corpo na oficina. Ele estudou marcenaria na Califórnia nos anos 1970, em meio à ebulição da cultura hippie e do rock. Depois de voltar para o Brasil, começou seu negócio próprio baseado em dois pilares -o respeito ao meio ambiente, ao fazer uso de madeira de demolição de casas, pontes e galpões, e a valorização da cadeia produtiva, ao distribuir parte do lucro aos funcionários.

“Não existe bom design se não tiver essas duas responsabilidades. Podem me mostrar um Porsche, uma bolsa da Prada. Pode ser muito lindo, mas se foi feito de maneira abusiva com os funcionários e com o nosso planeta, que já está completamente exaurido, para mim isso não vale nada como design. Acho uma peça pobre, completamente desqualificada”, ele afirma.

Seus móveis são escolhidos por grandes arquitetos do país para compor a casa de endinheirados, mas também atingem outros públicos. A cadeira São Paulo -um banquinho com um encosto espetado no assento que ganhou prêmios e participou de exposições na Europa- foi licenciada para a Tok&Stok, que a produziu um grandes quantidades. Ele mobiliou ainda unidades do Sesc no interior de São Paulo, alguns ambientes da Pinacoteca do Estado e desenhou os bancos do Santuário de Nossa Senhora Aparecida.

Motta conta que o desafio de trabalhar com matéria-prima reaproveitada é que não há tantas opções de tipos de madeira. Sendo assim, ele usa muito a peroba rosa, bastante empregada na construção civil, de modo que sua disponibilidade para reaproveitamento é farta. Depois de resgatar o material, remove os pregos e metais antes de mandar para a oficina, onde começa a tomar forma nas mão dos marceneiros -ou nas do próprio designer.

O repórter comenta que os móveis de Motta têm um aspecto mais robusto, de peças que poderiam compor ambientes de fazendas no interior. Ele responde que o desafio de usar madeiras como as que usa é fazer com que o produto final não seja grosseiro e de mau gosto como os móveis de Embu das Artes. “Quando você vê as [minhas] peças, elas têm um peso físico enorme. Mas não existe tanto o peso visual.”

CARLOS MOTTA
Preço:
R$ 260 (252 págs.)
Autoria: Carlos Motta, Bruno Torturra, Fernando Laszlo, Layla Motta, Mauro Restiffe e Edu Hirama
Editora: Ubu
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