Crise segue no IBGE após suspensão de fundação

LEONARDO VIECELI
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

Reclamações de falta de diálogo e postura autoritária em decisões que afetam a rotina do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), além de mudanças em processos internos, dominam as críticas de servidores contra o presidente do órgão, Marcio Pochmann.

A gestão do economista, por outro lado, vem insistindo na ideia de que o IBGE precisa de transformações em sua estrutura e já chegou a acusar os servidores de divulgarem mentiras contra a instituição.

Segundo fontes, a dúvida no momento é se Pochmann conseguirá driblar o desgaste, reconstruir os vínculos e avançar em seus projetos após a tensão escalar. Há quem não veja grande margem para isso.

O estopim da crise foi a criação de uma fundação de apoio, a IBGE+, suspensa de maneira temporária na quarta-feira (29). Críticos apelidaram a estrutura de “IBGE paralelo”.

O estatuto da IBGE+ abria margem para a captação de recursos privados, fora do orçamento do instituto, para a realização de trabalhos.

A alegação dos servidores é que o projeto foi desenhado de modo silencioso, sem consulta ao corpo técnico. A semelhança com o nome do IBGE também era vista como perigo potencial à imagem da instituição em caso de eventuais problemas no andamento das pesquisas.

A gestão Pochmann, por sua vez, argumentava que a medida era necessária diante das restrições de verba. O instituto, por exemplo, teve dificuldades para conseguir os recursos do Censo Demográfico 2022, que atrasou.

Como noticiou a reportagem, a expectativa era de que a suspensão da IBGE+ até baixasse a temperatura da crise, mas não encerrasse a turbulência. As críticas a Pochmann seguem no instituto.

Nesta sexta (31), servidores concursados do setor de comunicação publicaram uma carta na qual afirmam que a gestão do economista vem desrespeitando as diretrizes do órgão para essa área.

Segundo os funcionários, a política de comunicação do instituto recomenda dar visibilidade à produção estatística do IBGE, além de assegurar o atendimento das demandas por informações da casa.

“Infelizmente, esses dois objetivos vêm sendo sistematicamente desrespeitados pela atual gestão”, afirma a carta.

“Os profissionais de comunicação trazidos ao IBGE pelo sr. Pochmann se sobrepuseram aos servidores de carreira concursados e impuseram uma dinâmica que saturou a página do IBGE na internet, a Agência [de notícias do] IBGE e as redes sociais do instituto com notícias sobre o presidente e suas realizações, em detrimento dos releases, notícias e postagens essencialmente relevantes sobre os resultados das pesquisas do instituto”, acrescenta.

O texto tinha alcançado o patamar de 300 assinaturas durante a tarde de sexta. O número incluía técnicos e ex-servidores de diferentes áreas que manifestaram apoio ao conteúdo.

A reportagem procurou a assessoria de Pochmann para um pedido de posicionamento, mas não recebeu retorno. A gestão dele tem optado por se manifestar em comunicados no site do IBGE -o que também é criticado pelos servidores.

Outro grande ponto de divergência envolve a mudança de trabalhadores lotados na avenida Chile, no centro do Rio de Janeiro, para um imóvel do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) no Horto Florestal, na zona sul.

O prédio alugado no centro da cidade abriga as duas principais diretorias do IBGE: Pesquisas e Geociências. As duas passaram por trocas de diretores em janeiro, após quatro técnicos entregarem os cargos por supostas divergências com Pochmann.

Segundo a presidência do IBGE, a mudança para o Horto seria temporária. No dia 15 de janeiro, a administração do instituto disse que a transferência permitiria economia de aproximadamente 84% em relação aos R$ 15 milhões anualmente gastos em aluguel e custos de manutenção no centro. A ideia, conforme a presidência, é reverter a quantia poupada em reformas de outros imóveis do instituto.

A questão é que os servidores, além de apontarem falta de diálogo nesse processo, dizem que o acesso ao Horto é complicado via transporte público. Também argumentam que o prédio do Serpro não teria toda a infraestrutura necessária para receber as equipes.

A crise ainda abrange o fim do modelo integral de trabalho remoto. Os funcionários afirmam que as discussões sobre a medida não tiveram a consulta adequada ao corpo técnico.

A gestão Pochmann indicou que a mudança nas jornadas considerou a necessidade de preparar a recepção a quase mil novos funcionários que devem ingressar no órgão a partir do CNU (Concurso Público Nacional Unificado).

Também avaliou que as reações teriam sido motivadas por “interesses particulares”, além de argumentar que quase todos os institutos de estatísticas do planeta já haviam retornado ao trabalho presencial.

Em meio a esse contexto, coordenadores e gerentes de pesquisas divulgaram uma carta em janeiro na qual afirmam que o clima no IBGE está “deteriorado” e que as lideranças encontram “sérias dificuldades” para realizar suas funções.

O conflito por meio de comunicados continuou no dia 24 de janeiro. Na ocasião, a administração do IBGE sugeriu que estava sendo atacada por ter deflagrado uma apuração interna sobre a existência de supostas consultorias privadas que teriam sido instaladas de forma ilícita dentro do instituto.

Inicialmente, a nota chegava a citar o nome da Science – Sociedade para o Desenvolvimento da Pesquisa Científica, indicando que a instituição teria em seu quadro de funcionários servidores ativos e inativos do IBGE.

O texto, publicado na agência de notícias do instituto, passou por atualização na quinta (30). O nome da Science não aparecia mais na manifestação.

Em nota divulgada ainda no dia 24, a consultoria repudiou o que chamou de “acusações sem fundamento”. “Reafirmamos que as alegações de que a Science seria uma consultoria privada agindo dentro do IBGE ou que teria se beneficiado de recursos da instituição são absolutamente falsas”, declarou.

“Toda e qualquer ilação contra a Science que careça de comprovação, baseada em uma suposta denúncia anônima, deve ser manifestamente rechaçada. Isso porque causa danos à imagem da instituição e fere princípios angulares do Estado de Direito, como honra, imagem e devido processo legal”, acrescentou.

A lista de episódios da crise no IBGE ainda envolveu a publicação de um texto com suposta propaganda política do governo de Pernambuco no periódico “Brasil em Números”, lançado pelo instituto na terça (28).

A prática, apontam os servidores, está em desacordo com o padrão de um órgão de estatísticas como o IBGE. Pochmann, por sua vez, afirmou em entrevista na quarta que não enxergava desrespeito a normas.

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