A permanente agressão à história brasileira em Arraial d’Ajuda

Muralha em Arraial d'Ajuda

Um paraíso das águas, local de grande prestígio nacional, a região histórica de Arraial d’Ajuda, distrito de Porto Seguro, Bahia, está sendo agredida e a preservação do local está ameaçada há quase 30 anos. Uma grande muralha, de extensão próxima a um quilômetro, começou a ser construída em 1996 fora dos padrões exigidos pelas normas brasileiras e sem autorização formal. O resultado da inércia de ações fiscalizatórias para inibir o empreendimento e a degradação do meio ambiente gerou o imbróglio judicial que se arrasta por décadas. 

O Jornal de Brasília esteve no local em maio do ano passado e denunciou a problemática do descaso com parte da orla por onde chegaram os portugueses ao Brasil, pertencente à Costa do Descobrimento. Oito meses depois, após decisão da Justiça para o recuo de dois metros e redução da altura em 0,5 metro da estrutura, a reportagem foi ao local novamente e constatou que tudo permanece da mesma forma.

A muralha em questão está localizada entre duas das principais praias de Arraial d’Ajuda: do Mucugê e dos Pescadores. Uma parte da estrutura tem mais de dois metros e a outra se divide em duas alturas: a primeira com pouco mais de um metro e a segunda com cerca de dois metros. A parte mais alta de toda a muralha fica próxima à movimentada praia do Mucugê e a mais baixa próxima à praia dos Pescadores.

Empreendimentos x Condomínio

A razão para a morosidade nas mudanças exigidas pela Justiça reside na responsabilização de quem deve fazer as alterações necessárias. Atualmente, existe uma disputa judicial entre as empresas que iniciaram a construção da grande muralha, a saber o Arraial d’Ajuda Eco Parque – então chamado Paradise Water Park LTDA, em 1996, – em parceria com a construtora Cirne Empreendimentos e Participações LTDA, pertencente ao grupo Patrimonial Vera Cruz, e o condomínio Águas d’Ajuda, que teria sido vendido pela última empresa.

Entretanto, em 7 de maio do ano passado, o juiz federal Pablo Baldivieso, da Vara Única da Subseção Judiciária de Eunápolis (BA), determinou que os réus empreendedores – Arraial d’Ajuda Eco Parque e Cirne Empreendimentos – é que deveriam recuar os muros de arrimo em questão, objeto da ação.

O juiz ordenou ainda que construíssem rampas de acesso à passagem até a praia, inexistentes, que já haviam sido mencionadas e demandadas pelo Iphan anteriormente, sem prejuízo das medidas que a União Federal julgasse adequadas para o local. 

A fim de verificar se as demandas foram cumpridas, está prevista uma inspeção judicial conjunta comandada pelo Ministério Público Federal (MPF) nesta quinta-feira (6), a partir das 10h. A ação intimou a participação dos órgãos Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Fachada do Arraial d’Ajuda Eco Parque voltada para o mar. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Perigos e transtornos para banhistas e comerciantes

Durante a maré cheia, caminhar pela areia se torna um desafio. Mesmo em luas que deixam a elevação do mar mais branda, parte do caminho da orla já fica coberto pela água. Em luas que deixam o Atlântico mais agitado, fica impossível seguir pelo caminho mais baixo, no nível da areia, quando a água avança com força sobre a calçada de pedra, oferecendo riscos aos pedestres, principalmente idosos, mães com filhos de colo e crianças.

Os banhistas e comerciantes são, portanto, obrigados a utilizar o caminho elevado entre as duas alturas das pedras, que anteriormente também tinha dois metros. Uma redução da estrutura foi feita após uma grande queda do muro, derrubado pela força do mar, em 2018. Exigindo por mais espaço, o Oceano Atlântico continua castigando a muralha e a água constantemente cava buracos na estrutura, que são remendados à exaustão pelo Eco Parque.

A reportagem testemunhou uma obra de remendo sendo feita em um dos trechos e encontrou ainda muitos outros buracos na estrutura, que a qualquer momento pode ceder novamente em razão da força da natureza. Em um dos pontos é possível ver as vigas de ferro de sustentação e, em outro, os sacos de areia colocados sob a primeira camada da praia para dar base à estrutura.

Em determinado trecho, o espaço para caminhar no muro fica menor ainda, tendo apenas cerca de 50 centímetros para fazer a travessia, espaço em que banhistas precisam se equilibrar usando a grade do condomínio Águas d’Ajuda em meio ao vento forte e ao impacto da água do mar nas pedras. No fim do estreito corredor, outro desafio: atravessar ou para a pousada ao lado, pulando o muro, ou descer à outra escada que dá acesso a outro trecho da muralha, onde as águas na maré cheia já não alcançam da mesma maneira.

Para além do risco que correm os banhistas na perigosa travessia durante a maré cheia, os trabalhadores que dependem do comércio na praia precisam tomar novos rumos para conseguir fazer as vendas. Ou permanecem no local onde já comercializaram os produtos – o que não permite um bom fluxo de caixa – ou precisam fazer uma volta completa nos dois empreendimentos que sustentam boa parte do muro – Arraial d’Ajuda Eco Parque e o condomínio Águas d’Ajuda – para chegarem à outra praia que desejam.

Um deles é Jhonata Santana, 31, vendedor ambulante de picolés. Ele transita todos os dias entre as praias do Mucugê e dos Pescadores para garantir o sustento. Com o carrinho, a travessia pela areia é dificultosa e por vezes impossível, conforme contou ao JBr. “Tento passar por cima [na estrutura de pedras], mas quando não dá mesmo preciso ‘arrodear’ lá em cima [dando a volta nos empreendimentos que perpetuam a muralha]”, afirmou.

O desvio na rota dura pelo menos 30 minutos. Quando ele tenta atravessar em águas mais baixas, relata que o carrinho tem o constante risco de afundar e dificultar ainda mais o trabalho. De acordo com ele, a margem de lucro poderia dobrar se não precisasse fazer o contorno. “Faço uns R$ 250, R$ 300 por dia. [Se não fosse a necessidade da volta] Faria uns R$ 500, por aí”, destacou.

Declarações

Entre os órgãos procurados pela reportagem – Iphan, Ibama e Prefeitura de Porto Seguro –, apenas a primeira autarquia se manifestou até o fechamento desta edição. O Instituto afirmou que “aguarda a apresentação de laudo técnico elaborado por profissional habilitado que ateste que a situação atual do empreendimento Arraial d’Ajuda Eco Parque está em conformidade com o projeto aprovado para que possa ser regularizado”, afirmou.

“Caso a solicitação do Iphan não seja atendida ou se verifique que o empreendimento foi implantado em desconformidade com o projeto aprovado, caberá a adoção dos procedimentos de fiscalização pertinentes ao poder de polícia administrativa, conforme Portaria Iphan nº 187/2010, como aplicação de multa e reparação dos danos”, finalizou em nota ao JBr.

Também não responderam aos questionamentos da reportagem os advogados das partes do processo em questão, tanto do Arraial d’Ajuda Eco Parque quanto do condomínio Águas d’Ajuda. O espaço permanece aberto a futuros pronunciamentos e este conteúdo será atualizado tão logo sejam respondidas as solicitações feitas pelo Jornal de Brasília.

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