Fuja das posses

Fuja das possesARTE KIKO

A gente deve conhecer os sinais e os códigos do lugar em que você mora e no qual trabalha. Em Brasília, principalmente se você for advogado, fuja das posses. Todo dia tem alguém tomando posse com aquelas filas intermináveis. Só vá à posse se você for o empossando ou se a sua ausência for realmente sentida pelo empossado. Não tem nada mais chato.

Quando comecei a advogar, muito jovem, usava uns cabelos enormes, óculos vermelhos e ternos desconjuntados. Iniciei logo no Supremo Tribunal. À época, era ministro o pernambucano Djaci Falcão. Homem culto, sério e um pouco circunspecto. Certo dia, agravei de uma decisão e ele, correto que era, reconsiderou-a. O assessor, naquele período só existia um assessor, Marcos Chaves, ao bater à máquina a decisão, comentou com ele: “Ministro, o senhor está elogiando muito o advogado. O senhor não é de elogiar”. Ao que o ministrou retrucou: “Achei brilhantes os argumentos, tanto que estou voltando atrás. Quero elogiar”. E o assessor arrematou: “Este advogado é aquele dos ternos estranhos, dos óculos vermelhos e dos cabelos longos”. A resposta do ministro foi cortante, com o inconfundível sotaque pernambucano: “”Ritire” os elogios!”. Essa é a Brasília que temos que conhecer.

Quando era dono do Piantella, o melhor restaurante que já fui na vida, eu não ia nunca às posses, mas não perdia as comemorações posteriores no restaurante. Certa vez, estávamos comemorando a posse do Mauro Santayana como adido cultural em Roma, no governo Sarney. Depois de muitos vinhos, entrou um invejoso e falou alto para o empossado: “Esse é o emprego que eu pedi a Deus. Morar em Roma e trabalhar com cultura”. A resposta veio seca: “Pediu para a pessoa errada. Eu pedi para o Sarney”. Em Brasília, sempre foi mais importante estar à mesa do Piantella do que em qualquer posse. E muito mais divertido.

No réveillon de 2001, estávamos em Búzios passando o final de ano na casa do nosso amigo Mauro Dutra. O então candidato Lula comentou que, a partir daquela semana, iria entrar duro na campanha para Presidente e que, daquela vez, era para ganhar. E falou comigo: “Se eu ganhar, quero comemorar a diplomação lá no Piantella”. Eu me esqueci daquela conversa regada a vinhos e whiskies. Lula ganhou e, no dia da cerimônia da diplomação, recebi um telefonema do Presidente eleito reforçando o convite para ir ao Tribunal Superior Eleitoral. Falei que não tinha o costume de ir a essas cerimônias, mas, daquela vez, era o próprio Presidente convidando. Fui. Ao meio-dia, ao abraçá-lo, escuto: “Tá lembrando que vamos comemorar no Piantella?!”. Claro que não estava, mas um simples telefonema organizou o melhor almoço que já foi feito em Brasília. Lá estávamos, na posse e na comemoração no Piantella.

Agora, em 2022, o Presidente e o ministro Zé Múcio me ligaram. Lula disse que, como a comemoração da diplomação no Piantella tinha dado sorte, ele queria celebrar lá em casa. Foi uma festa linda e, na mesma noite, 12 de dezembro de 2022, os golpistas estavam nas ruas em Brasília começando a tentativa de golpe. E reconheço que a posse foi emocionante. Acompanhar, de dentro do Palácio, o Presidente Lula subir a rampa, foi como ver a Democracia vencer a barbárie e o fascismo.

Já contei, até da tribuna do Supremo Tribunal, que, em dezembro de 2002, estávamos conversando eu, o Lula, o Zé Dirceu e o Márcio Thomaz Bastos sobre quem iria ocupar alguns cargos no governo que tomaria posse dali alguns dias, em 1º de janeiro de 2003. O Márcio me perguntou: “E você, em qual cargo teria interesse?”. Eu respondi de bate pronto: “Ex-ministro do Supremo. Se criarem o cargo de ex-ministro”. Agora, tanto tempo depois, eu ainda vejo uma vantagem extra: ex-ministro não tem nem posse. Naquele ano, recebi uma quantidade razoável de convites para posses. Recordo-me de que repassei todos para o Sigmaringa e me ataquei para Búzios. Acabei passando, de calção e cerveja na mão, em frente à televisão para desejar boa sorte ao Brasil.

Quando recebo um convite para alguma posse, sempre me lembro de Groucho Marx: “Eu nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio”.

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

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