Emendas pagas por Tarcísio alimentam ONGs sem transparência em SP

BRUNO RIBEIRO E JÚLIA BARBON
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

As ONGs e entidades privadas que mais receberam emendas parlamentares indicadas por deputados estaduais de São Paulo e pagas pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em 2024 não divulgam à população como gastam esse dinheiro.

No âmbito federal, essa prática foi alvo de críticas do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), que decidiu pela suspensão de repasses federais a 13 organizações por não cumprirem exigências de transparência -após correções, houve liberação.

Em agosto, Dino havia determinado que essas instituições informassem “na internet, com total transparência, os valores oriundos de emendas parlamentares (de qualquer modalidade) recebidos nos anos de 2020 a 2024 e em que foram aplicados e convertidos”.

Longe da mira do tribunal, muitas entidades de São Paulo não seguem esse padrão. No total, mais de mil organizações receberam verbas (empenhadas ou já pagas) em 2024 por meio de emendas impositivas, ou seja, que são escolhidas por deputados e depois avaliadas e obrigatoriamente repassadas pelo estado.

Elas somam R$ 318 milhões, segundo dados da Secretaria Estadual de Governo, comandada por Gilberto Kassab (PSD). O valor representa 38% do total das emendas impositivas, que são destinadas também a prefeituras e órgãos estaduais.

Um levantamento feito pela Folha entre as 20 instituições mais beneficiadas, que concentraram 22% dos repasses, aponta que nenhuma delas segue os parâmetros de Dino -ainda que a decisão judicial se dirija, originalmente, às emendas federais.

Praticamente todas as entidades possuem uma página de transparência em seus sites, mas apenas 3 dessas 20 indicam o total de recursos que receberam de emendas no ano passado.

Questionada, a gestão Tarcísio afirmou que todo o processo é transparente, mas não comentou a falta de informações nos sites das ONGs. A publicação da distribuição das emendas no portal da transparência do governo passou a ocorrer em 2023, sob Kassab.

“Para estarem aptas a receber verbas públicas, as entidades devem cumprir uma série de exigências previstas na legislação. Os convênios apresentam plano de trabalho, e as entidades realizam prestação de contas, auditadas pelo Tribunal de Contas do Estado”, respondeu o governo.

O maior beneficiário disparado das emendas estaduais obrigatórias em 2024 foi o Instituto Paulo Kobayashi (R$ 10,6 milhões). Depois, vêm a Confederação Brasileira de Artes Marciais (R$ 5,8 milhões) e a Associação da Santa Casa de Misericórdia de Cosmópolis (R$ 5,5 milhões).

No caso do primeiro instituto, uma ONG mantida pelos herdeiros do ex-deputado Paulo Kobayashi, especializada em atividades culturais bancadas por emendas, há prestação de contas de projetos com cópias de contratos e descrição de atividades, mas não é possível saber quanto veio dos cofres públicos.

Em setembro, por exemplo, a instituição promoveu um festival de música na zona norte da capital em parceria com a Igreja Universal do Reino de Deus, o Mega Help, para o qual recebeu R$ 1 milhão em emendas do deputado estadual Altair Moraes (Republicanos). Isso não aparece no site.

Já a Santa Casa de Cosmópolis recebeu as emendas em três repasses, de diferentes deputados, para ações de custeio. Sua página traz prestações de contas de despesas feitas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mas nenhuma informação sobre o recebimento das emendas estaduais.

Ainda que a decisão de Dino se dirija às emendas federais, como afirma o governo Tarcísio e a própria assessoria do ministro do STF, há quem defenda que ela vale também para as emendas estaduais. É o entendimento de Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo.

“Por simetria, as decisões do STF em ações de caráter universal, como as ADIs [Ações Diretas de Inconstitucionalidade] e ADPFs [Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental], devem ser obedecidas pelos demais entes da federação. Vale lembrar que os estados e municípios criaram emendas impositivas com base exatamente nessa simetria federativa”, diz.

A procuradora cita ainda a Lei de Acesso à Informação. A norma diz que as entidades privadas sem fins lucrativos que recebem qualquer dinheiro público devem dar publicidade “à parcela dos recursos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente obrigadas”.

Além disso, as entidades do terceiro setor têm legislação própria: o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, de 2014. “Essa lei já prevê que todo recurso público acessado pelas organizações tem que ter transparência”, afirma José Antônio Moroni, do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

Entre as informações obrigatórias está a identificação do objeto da parceria e o órgão público responsável, além dos valores.

Pelo marco regulatório, o poder público é quem deveria determinar os projetos firmados com as ONGs.

Mas, na prática, eles são elaborados pelas entidades, que passam então a buscar emendas com os deputados. “Essas emendas parlamentares estão fugindo completamente dessa legislação”, diz Moroni.

O Instituto Paulo Kobayashi informou, em nota, que “vem ganhando notoriedade na execução de projetos oriundos de emendas parlamentares devido à sua conduta ilibada” e que está “adequando o site para aperfeiçoar a transparência nos projetos advindos de emendas parlamentares das mais diferentes esferas”.

Já a Confederação Brasileira de Artes Marciais disse que “mantém um rigoroso processo para apresentar a documentação prévia, a elaboração dos projetos, o planejamento e a execução da aplicação dos recursos” em plataformas digitais dos órgãos públicos, acrescentando que “algumas prestações do ano anterior estão sendo finalizadas por serem projetos ou eventos de várias etapas”.

A Santa Casa de Cosmópolis, por sua vez, respondeu que, dos R$ 5,5 milhões em emendas liberadas para a instituição em 2024, recebeu efetivamente R$ 800 mil e que tem prazo legal até o próximo dia 31 para prestar contas dessas despesas. “Esclarecemos que estamos dentro do prazo para publicação”, diz a nota.

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