Panamá diz ser ‘mentira’ que barcos dos EUA não terão que pagar para cruzar o canal

panama politics mulino presser

O governo panamenho qualificou nesta quinta-feira (6) como uma “falsidade absoluta” o anúncio do governo dos Estados Unidos de que seus navios não pagarão para transitar pelo Canal do Panamá, em meio à tensão gerada pela ameaça de Donald Trump de retomar o controle da via interoceânica.

O presidente panamenho, José Raúl Mulino, expressou em entrevista coletiva sua “rejeição” absoluta ao anúncio feito na quarta-feira pelo Departamento de Estado, afirmando que ele se baseia em “mentiras” e em “uma falsidade absoluta”.

“Isso é intolerável, simplesmente intolerável”, disse Mulino com tom enérgico. Ele terá uma conversa telefônica com Trump na sexta-feira às 15h30 locais (17h30 em Brasília).

O Departamento de Estado afirmou, em sua conta na rede social X, que o governo panamenho concordou em “não cobrar mais tarifas dos navios do governo dos Estados Unidos”, o que representaria uma “economia” de milhões de dólares.

No entanto, a Autoridade do Canal do Panamá (ACP), um organismo independente do governo criado para administrar essa via estratégica, rapidamente desmentiu esse anúncio, esclarecendo que não ajustou nenhuma tarifa.

“Não é como se o pedágio do canal esteja quebrando a economia dos Estados Unidos (…) gira em torno de 6 ou 7 milhões de dólares [R$ 35 milhões ou R$ 40 milhões] por ano, dependendo da quantidade de navios que cruzam”, afirmou Mulino, referindo-se aos barcos militares.

Embora tenha desmentido Washington, a ACP assegurou, em seu comunicado, estar disposta a dialogar com os Estados Unidos “a respeito do trânsito de navios de guerra”.

A rota interoceânica de 80 km, inaugurada em 1914 e por onde passa cerca de 5% do comércio marítimo mundial, foi construída pelos Estados Unidos e entregue aos panamenhos em dezembro de 1999, em virtude de tratados bilaterais.

Jorge Quijano, ex-administrador do canal, comentou à AFP que, se o Panamá fizesse o que Washington anunciou, “violaria os tratados”, pois discriminaria “a favor” dos Estados Unidos, sem oferecer o mesmo tratamento aos navios militares de outros países.

– Auditoria contra empresa chinesa –

A controvérsia surgiu após a visita, no domingo, ao Panamá do secretário de Estado, Marco Rubio, que transmitiu a Mulino a preocupação com a “influência” chinesa no canal e as tarifas “injustas” que os navios dos Estados Unidos pagam.

Os Estados Unidos consideram uma ameaça à sua segurança nacional o fato de a empresa Hutchison Holdings, de Hong Kong, operar, sob concessão, dois portos nas entradas do canal, pois acreditam que Pequim poderia fechá-lo em caso de conflito.

Mulino lembrou que a Panama Ports, subsidiária da companhia chinesa, está passando por uma “auditoria integral” e que aguardará os resultados para tomar uma decisão sobre a concessão de 25 anos, estabelecida em 1997 e renovada em 2021.

“Se violarem os termos da concessão ou causarem um prejuízo iminente em termos econômicos ao país, agiremos em conformidade, mas, por ora, a auditoria está em andamento”, destacou.

Desde que venceu as eleições em novembro, Trump não descartou o uso da força para retomar o controle do canal, por onde passa 40% do tráfego de contêineres dos Estados Unidos.

Segundo a administração do canal, os Estados Unidos, com 74% da carga, e a China, com 21%, são os principais usuários da via.

– Rota da Seda, cancelada –

Após as pressões dos Estados Unidos para que o Panamá se distancie da China, Mulino anunciou, nesta quinta-feira, o cancelamento do acordo econômico da Iniciativa Cinturão e Rota, assinado pelo Panamá em 2017 com vencimento em 2026.

Mulino assegurou que a embaixada do Panamá em Pequim “apresentou o documento correspondente” para “anunciar o cancelamento com 90 dias de antecedência”, como estabelece o acordo. “Portanto, esta é uma decisão que tomei”, ressaltou.

O acordo, que contempla o financiamento de projetos de infraestrutura com fundos chineses e impulsiona o comércio, é o programa emblemático do governo de Xi Jinping.

Na quarta-feira, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian, havia dito que “a cooperação entre a China e o Panamá no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota” transcorria “com normalidade e vem obtendo resultados frutíferos”.

“Esperamos que as partes pertinentes afiancem a confiança e resistam às interferências externas”, manifestou.

Na segunda-feira, Rubio qualificou como um “grande passo” para fortalecer as relações com Washington o que até então Mulino havia anunciado como uma intenção de não renovar este acordo.

© Agence France-Presse

Adicionar aos favoritos o Link permanente.