Dúvidas, dor e esperança: crimes sem solução atormentam famílias em Goiás

Tamilys Ferreira da Silva, de 13 anos, Boadyr Veloso, de 70, Camila Lagares Pires, de 18, Martha Cozac, de 44, e Murilo Soares Rodrigues, de 12. Seis pessoas de diferentes idades, cidades e gêneros, mas todas com algo em comum: a falta de esclarecimento sobre os crimes praticados contra eles. 

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Em meio ao leque de casos arquivados e em aberto, o Jornal Opção listou quatro investigações de desaparecimento e uma de feminicídio que caíram no esquecimento popular, em Goiás. O mais recente – não tão recente – é da estudante Tamilys, de Alexânia, no Entorno do Distrito Federal. 

A adolescente faz parte das 1,4 mil pessoas desaparecidas que não foram encontradas ou identificadas desde 1991, conforme plataforma do Governo Estadual. De férias da escola, a adolescente saiu de casa para se encontrar com a mãe para ajudá-la no trabalho de babá, no dia 12 de janeiro de 2010. A menina, como de costume, levava cerca de 30 minutos para chegar ao local. 

Porém, naquele dia, o trajeto corriqueiro não foi concluído. Desde então, são 15 anos sem notícias de Tamilys. Segundo a mãe dela, Valdivina Ferreira, um homem chegou a ser preso suspeito de sequestrar a criança, mas foi solto por falta de provas.

“A gente foi atrás, procurou a Polícia Civil, Ministério Público, mas nunca mais tivemos notícias dela, nunca tivemos uma solução. Era uma menina alegre, muito boa. Acredito que ela ainda esteja viva, a esperança é a última que morre”, afirmou Valdivina ao Jornal Opção

A mulher explica que, em 2024, foi acionada pela PC para realizar a coleta de DNA a serem incluídos no banco de dados – a fim de confrontar com uma potencial pessoa que poderia ser sua filha. Porém, a coleta até hoje não foi efetuada.

Apenas no ano passado, Goiás registrou 3.403 registros de desaparecidos – média de nove por dia, colocando como a 8ª federação com o maior número de desaparecidos, de acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública. O dado é apenas menor do que o contabilizado em São Paulo (18.231), Rio Grande do Sul (8.076), Minas Gerais (6.805), Rio de Janeiro (6.047), Paraná (5.395) e Bahia (4.064).

Tamilys Ferreira da Silva, de 13 ano | Foto: Arquivo pessoal

Camila Lagares e Murilo Soares 

Assim como Tamilys, Camila Lagares Pires, de 18 anos, e Murilo Soares Rodrigues, de 12, também desapareceram. Ao contrário da adolescente, a jovem e o garoto não sumiram sem deixar pistas, mas sim depois de serem abordados por policiais militares – sendo dois dos 23 desaparecidos em ações policiais da corporação entre 2000 e 2010. 

Murilo, por exemplo, foi visto pela última vez na Rua Tapajós, na Vila Brasília, em Aparecida de Goiânia, na Região Metropolitana da capital, em 22 de abril de 2005. O caso, entretanto, não teve desfecho. 

As investigações apontaram que o garoto estava de carona com o servente de pedreiro Paulo Sérgio Pereira Rodrigues, que na época tinha 21 anos. Na época, a família do adolescente afirmou que o motorista tinha uma passagem por homicídio e era perseguido por PMs.

Ainda de acordo com o apurado, Paulo era amigo da família de Murilo e estava dirigindo o carro do pai do garoto, um VW Palio azul claro. Os dois saíram para buscar um cabo de bateria na casa de um conhecido, mas nunca chegaram ao destino. Eles foram vistos pela última vez por testemunhas que presenciaram dois veículos da Ronda Ostensiva Tática Metropolitana (Rotam), a tropa de elite da Polícia Militar, interceptando o carro em que o garoto e o jovem estavam.

“Em abril faz 20 anos que perdi o Murilo. Sempre corri atrás de justiça, mas nunca tive nenhuma porta aberta. O nosso Brasil não tem justiça. Hoje vivo de remédio e psiquiatra todo mês”, desabafou a mãe de Murilo, Maria Das Gracas Soares.

A mulher diz que, mesmo sem ter encontrado o filho e sem um culpado pelo desaparecimento dele, ela recebeu o atestado de óbito do garoto em 2019. No documento, consta que a causa da morte foi “presumida”. Em 2022, a família recebeu uma homenagem, tendo uma praça batizada com o nome do adolescente: Praça da Criança Murilo Soares, em Aparecida de Goiânia.

“A certidão de óbito dele foi a parte mais difícil pra mim. É muito sofrimento para uma mãe”, ressaltou.

Ao Jornal Opção, a PM informou que o caso já passou da fase investigativa e está sob a responsabilidade do Poder Judiciário. Procurado, o Ministério Público de Goiás (MP) disse, por nota, que os policiais denunciados pelo órgão pelo desaparecimento foram absolvidos, visto que o Poder Judiciário entendeu que não ficou comprovada a materialidade dos homicídios, em razão de os corpos não terem sido encontrados (Murilo desapareceu com um amigo da família). O MP recorreu em todas as instâncias contra a decisão, mas não obteve êxito.

Quatro anos depois de Murilo, em 8 de abril de 2009, foi a vez de Camila Lagares desaparecer em uma casa no Residencial Centerville. No local, quatro policiais da 28ª Companhia Independente da Polícia Militar teriam entrado em confronto e matado Wilton de Sousa Peixoto, Camilo Fernandes da Silva e Jhones Martins de Castro. 

Camila estaria na casa e, segundo denúncias, teria sido morta pelos militares. O corpo dela nunca foi encontrado. O inquérito policial militar que apurou as circunstâncias do caso foi arquivado pela Auditoria Militar no dia 22 de janeiro de 2010 por falta de provas. Já os policiais que estariam envolvidos no desaparecimento da jovem foram condecorados por bravura. 

A PM não se manifestou sobre o caso. O MP, por outro lado, disse que “o inquérito sobre o desaparecimento de Camila Lagares, que envolve os homicídios de outras três pessoas (fato ocorrido em 2009), se foi concluído pela Polícia Civil, os autos ainda não foram encaminhados ao MPGO. Na última movimentação do promotor que atua no caso, em 16 de dezembro de 2024, ele se manifestou pela concessão de um prazo complementar de 60 dias para a conclusão da investigação”.

A reportagem procurou a Polícia Civil para que se posicionasse, mas não obteve retorno.

Murilo Soares Rodrigues e Camila Lagares Pires | Fotos: Arquivo pessoal/reprodução

Martha Cozac

O caso Martha Cozac, assassinada a facadas aos 44 anos, em Goiânia, juntamente com o sobrinho, Henrique Talone Pinheiro, de 11 anos, parecia finalmente ter sido concluído. No entanto, após quase 20 anos, em junho de 2016, a Justiça absolveu Frederico da Rocha Talone, sobrinho de Martha, e Alessandri da Rocha Almeida, apontados como autores do crime praticado em outubro de 1996.

O duplo homicídio já havia tido a data do julgamento adiada por três vezes. Nas outras oportunidades, recursos da defesa também impediram a instalação da sessão do júri. Martha e Henrique foram mortos no interior da confecção “Última Página”, de propriedade de Martha, no Setor Sul. Na época, o crime ganhou grande repercussão na mídia local e nacional pela brutalidade dos assassinatos.

Foram deferidas facadas em regiões vitais do corpo da mulher, que foi encontrada nua e com os pés e mãos amarrados. O garoto teria sido morto por presenciar o assassinato da tia. Ele foi encontrado com as mãos e pés amarrados, os olhos vendados e a boca amordaçada. O menino levou dois golpes de faca, que ficou cravada no corpo da vítima. 

Segundo denúncia do MP, Frederico e Alessandri teriam cometido o crime e, em seguida, roubado um cheque preenchido, assinado e endossado por Martha, no valor de R$ 1,5 mil, a carteira de identidade, cartões de crédito e de banco dela, aparelho de som, joias e dinheiro.

Frederico era empregado de Martha, responsável por serviços de contabilidade da empresa, e tinha acesso à senha pessoal da conta dela. De acordo com a denúncia, no dia do crime, Martha havia chegado de uma viagem e telefonado para Frederico, pedindo que ele fosse à confecção no dia seguinte para lhe entregar cheques de terceiros que estavam com ele.

Ainda de acordo com o MP, Frederico e Alessandri teriam ido à confecção no mesmo dia, por volta das 23 horas. Martha abriu o portão de sua residência, onde também funcionava a confecção, e a partir daí a dupla teria praticado os assassinatos e fugido com o dinheiro e objetos.

Martha Cozac e Henrique Talone Pinheiro| Fotos: reproduções

Boadyr Veloso

O suplente de deputado estadual Boadyr Veloso pelo Progressistas (PP) foi morto com um tiro no rosto e dois no peito no Centro de Goiânia, em 2008. Médico ginecologista, ele tinha 70 anos e exerceu também o mandato de prefeito na Cidade de Goiás, além de ter sido investigado por tráfico sexual e prostituição de menores depois de ser preso em flagrante com uma adolescente, de 14 anos, em um motel. 

Conforme investigações da época, Boadyr foi assassinato com três tiros por volta das 22 horas, após ser abordado por duas pessoas em uma moto. Ele tentou fugir, mas acabou baleado dentro do próprio carro. Quando foi executado, Boadyr era cotado para disputar a sucessão do então prefeito Abner Curado (PMDB), na Cidade de Goiás. 

Ele começou sua carreira como funcionário do Banco do Brasil, formou-se em medicina e tinha negócios em Goiânia. Foi fundador do jornal Notícias de Goiás, semanário que fechou portas em 2007, após dois anos de circulação na capital. Na Cidade de Goiás, ele era dono de uma rádio AM.

O ex-prefeito também foi sócio do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, condenado por exploração de jogos de azar e por corrupção ativa pela Justiça federal. Os responsáveis pelo crime nunca foram penalizados. A Polícia Civil informou à reportagem que o caso da morte foi arquivado.

Ex-prefeito da Cidade de Goiás, Boadyr Veloso | Foto: reprodução

Crimes prescritos 

Casos como de desaparecimento como de Camila, Murilo e Tamilys não podem ser prescritos, segundo a papiloscopista da Polícia Civil (PC) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre Criminalidade e Violência (Necrivi) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Simone de Jesus. 

A especialista, que também faz parte da coordenação de buscas por pessoas desaparecidas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, explica que há uma previsão legal para que as investigações sobre desaparecimento sejam mantidas em curso até que a pessoa e/ou corpo seja encontrada.

“O desaparecimento não é considerado crime, porque tem pessoas que podem desaparecer sem que um crime seja praticado. Mas quando uma criança desaparece, qualquer pessoa que a tenha levado, a retirado do convívio familiar, está cometendo um crime porque a criança não tem o direito de desaparecer, de fazer essa escolha”, explana.

A única exceção de arquivamento em casos de pessoas desaparecidas é quando a polícia reúne provas suficientes para comprovar que a pessoa sumiu devido a alguma prática criminosa. Neste caso, a investigação passa a ser conduzida como um possível homicídio.

“Se você não tem elementos que comprovem a culpabilidade de alguém, não tem como incriminar. O que a polícia faz é investigar o crime, aí dependendo das provas, ela passa para o Ministério Público, e o Ministério Público é quem oferece denúncia ou não. Então, baseado nessas investigações da Polícia Civil, cabe ao Ministério Público falar se tem prova suficiente ou não”, concluiu. 

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