Ao menos 100 sites falsos e perfis criados por IA interferem na eleição alemã

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JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS)

Ao menos 100 sites falsos e perfis de mulheres criados por inteligência artificial interferem na campanha eleitoral na Alemanha, segundo investigações da imprensa do país. Parte da campanha de desinformação repete esquema já empregado nos EUA, no ano passado, quando Donald Trump foi reeleito à Casa Branca.

De acordo com o Correctiv, agência alemã de jornalismo investigativo, a ofensiva tem origem russa e está no ar desde o fim de 2024. Histórias fantasiosas sobre imigração, ações militares e integrantes do Partido Verde foram criadas por deepfake e espalhadas por intermédio de falsos veículos de notícia. Vão de alegações de cunho sexual a um acordo para receber quase dois milhões de refugiados quenianos, normalmente redundando em apoio ou simpatia à AfD.

O partido de extrema direita, que pela primeira vez apresenta candidato ao cargo de premiê na Alemanha, está em segundo lugar nas pesquisas de opinião. As eleições ocorrem daqui a duas semanas, em 23 de fevereiro.

O Correctiv mostra evidências de que a ação é patrocinada pelo GRU, o serviço de inteligência militar da Rússia, e emprega agentes e produtores de conteúdo fabricado que buscaram interferir na campanha americana em 2024. Kamala Harris e seu colega na chapa democrata, Tim Walz, foram alvos de fake news em setembro. Meses antes, estratégia semelhante foi empregada antes do início dos Jogos Olímpicos de Paris.

O evento esportivo enfrentou boatos banais, como uma onda incontrolável de sujeira e ratos, mas também notícias falsas sobre a iminência de ataques terroristas que desaconselhavam a viagem à capital francesa. De acordo com as autoridades locais, o intuito não era tanto fazer as pessoas acreditarem em algo, mas causar confusão.

No caso da Alemanha, os falsos veículos de notícia só foram acionados a partir da decisão de antecipar a eleição parlamentar, em dezembro, quando a coalizão do governo Olaf Scholz ruiu. Porém existiam meses antes, vazios ou carregados de noticiário de sites verdadeiros, normalmente conservadores. Perfis falsos e verdadeiros então passaram a replicar o conteúdo criado em formato de reportagens, depoimentos e documentos.

À época, o serviço de inteligência alemão declarou que o país estaria sujeito a ataques híbridos do exterior, notadamente da Rússia, e que partidos, candidatos e autoridades eleitorais precisavam se preparar para o advento da inteligência artificial na campanha eleitoral.

O foco em integrantes dos Verdes, como os ministros Robert Habeck (Economia) e Annalena Baerbock (Relações Exteriores), tem função tática. Além de serem objeto frequente das críticas da extrema direita, pelo aumento do preço da energia, legislação ambiental restritiva e apoio à Ucrânia, fazem parte do partido que pode compor a nova coalizão de governo. Torná-los impalatáveis seria uma forma de aumentar a chance, até aqui improvável, de incluir a AfD em uma eventual montagem de gabinete.

Com 30% das preferências, a CDU deve fazer a maior bancada a eleger seu líder, Friedrich Merz, como primeiro-ministro. A sigla conservadora, no entanto, terá que se unir a um outro partido para alcançar a maioria. O SPD de Scholz e os Verdes são os candidatos naturais.

Na semana passada, porém, em atitude considerada eleitoreira, Merz tentou passar no Parlamento uma lei de controle imigratório com votos da AfD. Para os críticos e dezenas de milhares de pessoas que saíram as ruas para protestar, o político quebrou o Brandmauer, ou firewall, a distância que o campo democrático alemão mantém da extrema direita desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

A sigla de Alice Weidel, que ganhou audiência planetária com Elon Musk, também vem contando com o apoio de perfis de jovens mulheres criadas por inteligência artificial. A tendência foi verificada por um consórcio de checagem de notícias que inclui, entre outros veículos alemães, a emissora pública ARD e a Deutsche Welle.

Entre os muitos exemplos colhidos pela reportagem em redes sociais, o traço comum são as imagens das “influenciadoras”, jovens, em geral com características alemãs e que opinam sobre assuntos do cotidiano, mas também sobre firewall, guerra na Ucrânia eimigração, quase sempre concordando com posições da AfD ou de Weidel.

Alguns perfis identificam que o conteúdo é gerado por inteligência artificial, mas muitos ignoram a regra, que é obrigatória. As “influenciadores” têm história de vida, local de nascimento, religião; uma delas diz trabalhar como estagiária em um site de direita, que não comentou o fato

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