Alta de juros trava soluções para financiamento mais barato da casa própria

casa propria

IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A escalada da taxa básica de juros, a Selic, emperrou as conversas em torno de soluções alternativas para garantir financiamento mais barato à casa própria diante do esgotamento da poupança como fonte de recursos para essas operações.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vinha discutindo duas frentes principais: a liberação de parte dos depósitos compulsórios da poupança, que ficam parados no Banco Central, e o fomento ao mercado secundário de crédito imobiliário por meio da Emgea (Empresa Gestora de Ativos).

A vice-presidente de Habitação da Caixa, Inês Magalhães, diz à reportagem que o ciclo de alta dos juros torna mais difícil avançar nessas discussões, pelo menos por agora. A Caixa é o principal operador de crédito imobiliário no país.

“O problema não é a falta de dinheiro. A questão é o dinheiro a um custo menor. As pessoas não colocam isso, mas o SBPE [Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo] é um dinheiro subsidiado. Ele custa menos do que o custo de oportunidade que a gente tem com a Selic”, afirma.

Segundo ela, a Caixa deve manter em cerca de R$ 60 bilhões o orçamento para empréstimos com recursos do SBPE neste ano, patamar semelhante ao observado no ano passado. Mas, diante do cenário mais adverso, a instituição decidiu estabelecer uma espécie de cronograma interno para a liberação dos recursos.

“Estamos fazendo a distribuição dos recursos mês a mês para justamente ter maior previsibilidade”, diz. De acordo com a vice-presidente, a verba disponível também está distribuída por critérios de território, respeitando o histórico de maior ou menor demanda. O objetivo é tentar melhorar a “experiência do cliente”.

No fim do ano passado, relatos de morosidade na assinatura dos contratos diante da demora na reserva dos valores se avolumaram à medida que os recursos disponíveis do SBPE rareavam, a mais de dois meses do fim de 2024.

A Caixa adotou uma série de mudanças para tentar contornar os problemas e restringiu o valor do imóvel passível de financiamento (exigindo, consequentemente, uma entrada maior). Também lançou uma linha com financiamento a taxas de mercado, mais caras para o tomador, que será ampliada neste ano.

A solução estrutural para manter linhas mais baratas, no entanto, ainda é uma incógnita que desafia o governo.

A liberação de uma parcela de 5% dos recursos da poupança, hoje parada em depósitos compulsórios no Banco Central, poderia injetar mais de R$ 20 bilhões na capacidade dos bancos (em especial a Caixa) em financiar casa própria. Mas a medida enfrenta resistências do próprio BC e de parte do governo.

Segundo Magalhães, um grupo avalia que liberar o compulsório da poupança neste momento poderia dar um “sinal trocado” e dificultar a tarefa do BC de domar a alta de preços. No ano passado, a alta de 4,83% do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) estourou a meta, que era de 3%, com margem de tolerância de até 4,5%.

Essa visão não é unânime: outro grupo avalia que, como não se trata de crédito para o consumo, não haveria repique na inflação.

Outra medida que estava em discussão era a atuação da estatal Emgea (Empresa Gestora de Ativos) na compra de parte da carteira de crédito imobiliário dos bancos para liberar dinheiro a novos financiamentos. No entanto, a alta da Selic torna a operação desvantajosa ao ampliar o risco de prejuízo.

“Com a Selic nesse valor, não tem como a gente pagar esse prêmio para ter esse mercado secundário.

Então, essa estratégia está adiada para um momento em que a taxa Selic já tenha sido reduzida e que a gente possa ir a mercado oferecer a carteira para criar esse mercado secundário”, diz Magalhães.

Na chamada securitização, a companhia compra das instituições financiadoras o direito de receber as parcelas a serem pagas pelos mutuários no futuro. Com o dinheiro, os bancos podem dar novos empréstimos, algo que não seria possível se o recurso ficasse travado no balanço.

Uma lei sancionada por Lula no ano passado autoriza a Emgea, estatal criada em 2001 para administrar parte da carteira de crédito habitacional da Caixa com inadimplência elevada, a adquirir créditos securitizados pelos bancos. Para isso, ela usaria recursos que recebe do FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), criado na década de 1960 para garantir o pagamento integral dos contratos do antigo SFH (Sistema Financeiro de Habitação). Atualmente, esses valores são honrados pelo Tesouro Nacional.

Para a engenharia fazer sentido, no entanto, a Emgea precisa revender esses papéis no mercado e fazer o dinheiro girar. Vem daí o principal impasse: boa parte dos contratos de financiamento tem juros subsidiados, e oferecer um retorno compatível com o mercado significaria para a Emgea assumir um prejuízo de forma deliberada.

Se antes isso já era um problema, dada a possibilidade de questionamentos de órgãos de controle, a alta da Selic apenas agravou o quadro, já que ficou maior o diferencial de taxas e, consequentemente, o tamanho do prejuízo potencial.

O cenário adverso não significa que o governo abandonou a ideia de discutir alternativas para seguir irrigando o mercado com linhas de crédito imobiliário mais baratas.

Segundo a vice-presidente da Caixa, uma possibilidade é criar mecanismos de incentivo para que os fundos de pensão, que administram sozinhos quase R$ 1,3 trilhão em ativos, invistam nesse mercado.

Essas entidades já contam com o benefício da isenção do Imposto de Renda e, por isso, não têm motivo adicional para investir em instrumentos como a LCI (Letra de Crédito Imobiliário), cuja principal vantagem é a isenção dos rendimentos.

A proposta em discussão no setor imobiliário e também entre os bancos é transferir o benefício da isenção para o emissor desses papéis. Com a desoneração, eles poderiam pagar ao investidor prêmios mais elevados e, assim, atrair os fundos de pensão.

“Se a gente pega uma fatia desse recurso, mesmo que regulado, só pode 5% ou 10%, é bastante dinheiro. Para nós seria uma boa opção”, afirma Magalhães.

Mudança semelhante já foi feita nas debêntures de infraestrutura, que antes só ofereciam benefício ao investidor, mas, desde o início de 2024, também permitem isenção ao emissor. Os fundos de pensão inclusive pleiteiam uma mudança na regulação para autorizar de forma expressa a alocação de recursos nessas debêntures -um indício de que a mudança suscitou, de fato, maior interesse dessas instituições pelo investimento.

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