Putin desconfia de Trump e freia negociação sobre Ucrânia

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IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Após quase três semanas de um vendaval de contatos desorganizados, o governo de Vladimir Putin colocou um pé no freio nas negociações com a administração Donald Trump acerca de um acordo para acabar com a Guerra da Ucrânia.


O motivo principal é a percepção de que o novo presidente americano ainda não tem um plano estruturado para a crise, e também que a posição de seus enviados é muito mais próxima da de Kiev do que Trump fazia parecer.


Nas palavras de um observador próximo das conversas do lado russo, Trump queria “uma saída Gaza” para a guerra. Ou seja, como fez ao propor assumir o controle do território palestino destruído na guerra Israel-Hamas, tirar uma proposta mirabolante da cartola e tentar forçar os rivais a discutir em torno dela.


O problema, disse esse observador à Folha, é a impressão generalizada em Moscou de que nem isso tem uma cara definida. A ideia pode ser burilada até o fim da semana, quando o enviado de Trump para a crise, Keith Kellogg, deve falar sobre o plano de paz na Conferência de Segurança de Munique.


Segundo o site Semafor publicou nesta nesta segunda (10), Kellogg disse a aliados que irá apresentar várias opções para acabar com a guerra, mas não detalhou nenhuma delas. Nesse caso, a resistência russa também é uma forma de elevar seu cacife na disputa.


A reportagem conversou com três pessoas próximas do Kremlin e ouviu a mesma desconfiança. Todas disseram que o anúncio feito por Trump de que já conversou com Putin sobre a negociação, publicado pelo jornal “The New York Post” no domingo (9), é falso.


Questionado sobre o tema nesta segunda, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, apenas disse que não podia “nem confirmar, nem negar”, já que há “diversas comunicações em curso”.


Logo no início do governo, no dia 20 de janeiro, elas foram encabeçadas pelo filho presidencial Donald Trump Jr., segundo os negociadores russos. Ele tinha experiência pregressa: seus contatos com a Rússia em 2016 ajudaram a fazer crescer a suspeita, nunca comprovada, de influência de Putin no pleito que elegeu seu pai pela primeira vez naquele ano.


Mas a coisa ficou difusa, com diversos contatos em nível diplomático e empresarial ocorrendo ao mesmo tempo. Para piorar, do ponto de vista russo, quase todos traziam soluções que se aproximavam mais das demandas de Zelenski do que da posição de Putin.


Ao longo da campanha de 2024 e até antes de assumir, Trump sempre sugeriu estar mais ao lado dos russos e falava em acabar com a guerra “em um dia”. Logo que chegou à Casa Branca, dilatou o prazo para seis meses e resolveu falar grosso e ameaçar mais sanções contra a Rússia se Putin não aceitasse negociar.


Ao mesmo tempo, os contatos com os ucranianos começaram a se intensificar. Kellogg, por exemplo, já conversou com o embaixador ucraniano nos EUA e deverá visitar Kiev neste mês, após encontrar-se com Zelenski em Munique no fim da semana.


Trump resolveu sugerir que manteria o apoio militar a Kiev, algo que sempre criticou, em troca de terras-raras e outros minerais importantes da Ucrânia. Zelenski gostou do que ouviu e topou um acordo, ainda que boa parte das reservas ucranianas esteja nas terras ocupadas por Putin.


Segundo a reportagem ouviu, os negociadores do Kremlin viram nisso mudança de Trump e “assustaram” os enviados americanos ao rejeitar soluções como a troca de uma grande fatia território ocupado por Putin no leste ucraniano pela pequena porção da região russa de Kursk invadida por Zelenski.


Hoje, a Rússia ocupa cerca de 20% da Ucrânia, contando aí a anexação da Crimeia em 2014 e os territórios tomados a partir da invasão de 2022, que completará três anos no dia 24. No primeiro ano da guerra, Putin promoveu um referendo denunciado como farsesco em quatro regiões e as incorporou oficialmente.


Agora, depois de muito vaivém, está a caminho de controlar a totalidade da principal delas, Donetsk, e prepara avanços no que falta conquistar —Putin desde junho passado diz que se contentaria com as quatro áreas, além da neutralidade militar de Kiev e a desmilitarização do vizinho.


Zelenski resiste a isso. “Um conflito congelado vai levar a mais agressão. Se nós tivermos um entendimento que os EUA e a Europa não irão nos abandonar, que irão nos apoiar e prover garantias de segurança, eu estarei pronto para conversar em qualquer formato”, disse no domingo à rede britânica ITV.


Já Moscou desenhou: o vice-chanceler Serguei Riabkov, um dos mais importantes diplomatas do país, disse nesta segunda que “o quão mais cedo os EUA e o Ocidente entenderem que todas as condições de Putin têm de ser aceitas, o mais cedo haverá um acordo”.


Ele afirmou que a Rússia “não ouvirá ultimatos”. Antes, também à agência RIA, o também vice-chanceler Mikhail Galuzin também cobrou Trump acerca de um plano efetivo que atenda às exigências russas. “Propostas concretas desta natureza ainda não foram recebidas”, disse.


ELON MUSK PODE AJUDAR PUTIN?


Por fim, há uma questão mais sutil em jogo. Segundo alguns de seus aliados, Putin segue interessado na guerra, mas gostaria de reduzir sua intensidade devido ao custo econômico e humano. Mas ele crê que os primeiros passos de Trump no governo possam sugerir um caminho alternativo para sua vitória.


Segundo essa visão, o russo acha que a campanha de Trump contra o que chama de Estado Profundo dos EUA, liderada pelo bilionário Elon Musk, irá enfraquecer politicamente os americanos, já que instituições governamentais tenderão a ter seu funcionamento afetado.


Enquanto isso, reforça a rede de apoio internacional com seus aliados, China à frente. Do ponto de vista do Brics, a presença anunciada de Xi Jinping e de Lula (PT) nas celebrações do fim da Segunda Guerra Mundial em maio em Moscou é parte desse jogo.


Mas ele pode incluir outros países assustados com a agressividade do americano —a Coreia do Sul, no alvo das novas tarifas sobre importação de aço, aplica sanções a Moscou, mas ao mesmo tempo é grande consumidora de seu combustível nuclear, por exemplo.


Enquanto isso, Putin cozinharia Trump, aceitando a cúpula que ambos os presidentes dizem ter interesse em fazer. Ela pode ocorrer em breve na Arábia Saudita ou nos Emirados Árabes Unidos, já que a Finlândia, que sediou o encontro deles em 2018, não está disponível como território neutro desde que aderiu à aliança militar Otan devido à guerra.

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