Cidade de Motta concentra patrocínios de estatal sob influência de seu partido

presidente da câmara dos deputados, hugo motta

DANIELLE BRANT E RANIER BRAGON
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A Infraero, estatal subordinada a um ministério controlado pelo Republicanos, gastou R$ 420 mil em patrocínios na cidade de Patos (PB), reduto eleitoral do novo presidente da Câmara, Hugo Motta, um dos principais quadros do partido.


Os contratos para as festividades de São João e para projetos de incentivo a badminton e futsal na cidade de pouco mais de 100 mil habitantes representam mais de um quarto de todos os patrocínios da estatal firmados no país na gestão Lula (PT), apesar de a Infraero não administrar nenhum aeroporto na Paraíba.


A Infraero, que teve um déficit de R$ 540 milhões em 2024, é vinculada ao Ministério de Portos e Aeroportos, comandado desde setembro de 2023 pelo deputado federal Silvio Costa Filho (Republicanos-PE).


Todos os contratos de patrocínio para Patos foram firmados após a entrada de Costa Filho, e nenhum deles passou por seleção pública.


O novo presidente da Câmara não quis se manifestar sobre a verba. O Ministério de Portos e Aeroportos disse que a estatal define a sua própria política de patrocínio.


A Infraero negou interferência política e afirmou que está envolvida em negociações para administrar o aeroporto da cidade, mas não apresentou documentos sobre essas tratativas.


O patrocínio para o São João da cidade paraibana, no valor de R$ 190 mil, foi autorizado em 17 de junho de 2024, dois dias antes do início do evento, que teve como principais atrações os cantores Gusttavo Lima, Bell Marques e Leonardo.


A prestação de contas apresentada pelos organizadores afirma que a Infraero teve direito a um camarote exclusivo e 80 pulseiras e ingressos. A estatal não disse para quem os distribuiu.


Em suas redes sociais, Motta postou vários vídeos e fotos do evento ao lado de políticos e celebridades, entre eles Gusttavo Lima.


O contrato tem como proponente Fabio de Almeida Coelho, conhecido como Fabio Cebolinha. Ele é promotor de eventos no Nordeste e também representa o cantor Luan Estilizado, que se apresentou em Brasília na festa de celebração da eleição do presidente da Câmara.


Além do camarote e dos ingressos, a Infraero teve a marca citada no material de divulgação e na locução do São João de Patos.


Os contratos de patrocínio para estímulo ao badminton e ao futsal foram assinados com a Associação Atlética Banco do Brasil da cidade, em dezembro de 2023, ambos tendo como base a Lei de Incentivo ao Esporte.


Para o badminton, a Infraero gastou R$ 120 mil. Para o futsal, R$ 111 mil.


Patos não é reduto eleitoral apenas de Motta, mas de vários políticos de sua família. O pai, Nabor Wanderley Filho, é o atual prefeito. Olívia Motta, irmã de Hugo, é apontada como a sucessora da ex-prefeita e atual deputada estadual Francisca Motta, avó de ambos. Todos são do Republicanos.


A cidade é a principal do sertão paraibano e não tem indústria ou agropecuária relevantes, mas é um polo regional de comércio e serviços.


O aeroporto local (Brigadeiro Firmino Ayres) é administrado pelo município. Ele já recebia voos comerciais e está sendo ampliado desde o ano passado.


Motta já fez várias manifestações em suas redes sociais defendendo as obras e apontando sua atuação e a do ministro Costa Filho para a alocação de verbas.


“Na cidade de Patos, as obras do novo Aeroporto estão avançadas. Parabéns ao ministro @silviocostafilho, ao governador @joaoazevedolins [João Azevêdo, do PSB] e ao prefeito de Patos @naborwanderley pela parceria de trabalho. Sigo em Brasília com o compromisso cada vez mais de defender os municípios paraibanos!”, escreveu Motta em suas redes em setembro.


De acordo com o governo da Paraíba, o valor total da obra é de mas de R$ 36 milhões, sendo R$ 22 milhões do governo federal e R$ 13,8 milhões do governo do estado.


O presidente da Infraero, Rogério Barzellay, foi nomeado em fevereiro de 2023, quando o Ministério de Portos e Aeroportos era comandado por Márcio França (PSB).


Antes, Barzellay já havia ocupado a diretoria de operações do órgão, mas, segundo integrantes do governo, recebeu o respaldo político de Motta para presidir a empresa -assim como o atual diretor comercial, Tiago Chagas Faierstein.


Atualmente indicado por Lula para comandar a Agência Nacional de Aviação Civil, Faierstein também conta com apoio do ministro Costa Filho.


OUTRO LADO: Infraero diz querer administrar aeroporto; Motta não se manifesta
Hugo Motta não respondeu às perguntas feitas pela Folha sobre os patrocínios.


A pasta comandada por Silvio Costa Filho citou investimentos na expansão da infraestrutura aeroportuária regional em 50 aeródromos na Amazônia Legal e no Nordeste, nenhum deles na Paraíba.


Sobre os patrocínios a Patos, afirmou que a decisão está vinculada à política estabelecida pela estatal.


A Infraero negou influência política, mas não explicou as razões que levaram Patos a ganhar 3 de 11 patrocínios. Afirmou apenas que havia, na época, “uma negociação/prospecção em curso para que a Infraero fosse a administradora do aeroporto da cidade”, tratativa que ainda persistiria.


A reportagem pediu documentos sobre essas negociações, mas a estatal negou acesso alegando sigilo concorrencial.


A empresa disse ter tido interesse em administrar o aeroporto por estar capacitada para gerir terminais relevantes como “Patos e outros que possam ser considerados essenciais para o desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária nacional e regional”.


A Infraero disse ainda que os patrocínios foram aprovados pela governança processual do órgão e pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.


Ela destacou ainda ter um comitê independente “responsável por verificar a conformidade dos processos de avaliação e indicação de membros para os Conselhos e a Diretoria Executiva”.


Ao não responder a quem distribuiu os ingressos do São João, a estatal disse apenas que usou critério normalmente aplicado em ações do tipo, visando “reforçar o relacionamento institucional e comercial da companhia com seus públicos de interesse”.


A Associação Atlética Banco do Brasil afirmou ter projetos via Lei de Incentivo ao Esporte e disse que capta recursos com diversas pessoas físicas e jurídicas.


“Recebemos contato da Infraero informando que tiveram conhecimento dos nossos projetos junto ao Diário Oficial da União. A partir daí, foram fazendo várias consultas e dirimindo dúvidas e decidiram doar para os nossos projetos.”


A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com Fabio de Almeida Coelho.

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